Table of Contents Table of Contents
Previous Page  44 / 155 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 44 / 155 Next Page
Page Background

“Dizer é diferente de falar. O analisante fala. Ele faz poesia. Ele faz poesia quando consegue

– é pouco frequente – mas é arte [

il est art

]. Eu corto porque não quero dizer ‘é tarde’ [

il est

tard

]. O analista corta. O que ele diz é corte, quer dizer, participa da escrita, com a ressalva

de que para ele, ele só produz equivocidade na ortografia. Ele escreve diferentemente,

de modo que, por meio da ortografia, de uma forma diferente de escrever, ele soa algo

diferente do que é dito, que é dito com a intenção de dizer, isto é, conscientemente, na

medida em que a consciência está bem longe. É por isso que eu digo que, nem no que diz

o analisante, nem no que diz o analista, há outra coisa além de escrita. Essa consciência não

vai longe, não se sabe o que se diz quando se fala. É por isso que o analisante diz mais do

que quer dizer. O analista corta ao ler o que está no que ele quer dizer, se é que o analista

sabe, ele próprio, o que quer”

7

.

Nesse

Seminário

, Lacan designa o inconsciente como “a face real disto em que estamos

emaranhados [sinthoma]”. (Lacan, 10/01/78] e vai destacar que a escrita produz uma

forçagem pela qual algo do real se escreve. A escrita seria então um artifício que consiste em

tornar legível (como o é o saber) essa marca. A leitura que o analista opera se dá pelo corte

na fala do analisante, no dizer que a ultrapassa: “O Simbólico é a linguagem; aprendemos

a falar e isso deixa marcas, e por deixar marcas, deixa consequências que nada mais são do

que o sinthoma. E a análise consiste [...] em se dar conta do motivo pelo qual temos esses

sinthomas

, de modo que a análise está ligada ao saber”. [Idem] E considerando que só há

sujeito suposto, o psicanalista é por ele designado como um ‘sujeito suposto saber ler de

outro modo”.

Daí a proximidade entre as operações de leitura e escrita (tomadas na sua literalidade) e

aquelas que designam, a partir de Lacan, o inconsciente, o sintoma e o lugar do analista para

cada

falasser

e em cada análise. No mínimo vale por seu caráter alusivo. Ainda para repisar

esse tom de alusão, vale destacar a etimologia da palavra: do latim

scribere

, significa “traçar

caracteres”, que por sua vez remete a uma raiz indo-europeia *

kerf

*

sker

, que detém a ideia

de “cortar”, “incisar”, “rasgar”, “escarificar”

8

. Vemos que na etimologia a palavra “escrita”

está ainda mais próxima da psicanálise e do corpo falante.

Teresinha N. Meirelles do Prado

1 Blanchot, M. O espaço literário. RJ: Rocco, 1987, p. 192

2 Idem, ibidem, p. 193

3 Idem, ibidem

4 Borges, J. L. Esse ofício do verso. RJ: Cia das Letras, 2000, p. 12

5 Lacan, J. Seminário 18, aula de 17/02/71

6 Lacan, J. (1985). O seminário, livro 20: mais, ainda. Rio de Janeiro: Zahar, p. 47

7 Lacan, J. [20/12/77]. Seminário 25: O momento de concluir. (Inédito)

8 R. Grandsaignes d’Hauterive, Dictionnaire des racines des langues indoeuropéennes, Paris : Larousse, 1949 apud Calvet, Louis-

Jean. Histoire de l’écriture. Paris : Hachette, 2007, p. 25