

ou
seja
escrito – desta vez sem a intermediação do escritor, sem ninguém que o escreva”
2
.
Talvez Blanchot se refira desta forma à necessidade, no caso da apreensão do que o texto
fornece, de uma intermediação. O enredo, por exemplo, é algo que se desprende do conjunto
de letras dispostas sobre o papel sob uma certa organização. A leitura não é o texto, nem o
autor, nem o leitor; é algo que se dá no intervalo que confronta esses três elementos.
A leitura confere ao livro a existência abrupta que a estátua “parece” reter do cinzel: esse
isolamento que a furta aos olhos que a veem, essa distância altaneira, essa sabedoria órfã,
que dispensa tanto o escultor quanto o olhar que gostaria de voltar a esculpi-la. O livro
tem, de certo modo, necessidade do leitor para tornar-se estátua, necessidade do leitor para
afirmar-se coisa sem autor, e também sem leitor.
3
Blanchot destaca que a leitura é o que “faz com que a obra se torne obra”, não por uma
suposta atividade, mas por “deixar ser” (a obra) o que ela é.
Jorge Luis Borges também propõe o leitor como aquele que dá existência ao texto, como
na referência que faz a Berkeley: o sabor da maçã não está nem no fruto nem na boca que a
come, mas no contato de ambos. Esse encontro, embora esteja submetido às contingências,
esta não diz de suas determinações: “Pois o que é um livro em si mesmo? Um livro é um
objeto físico num mundo de objetos físicos. É um conjunto de símbolos mortos. E então
aparece o leitor certo, e as palavras – ou antes, a poesia por trás das palavras, pois as próprias
palavras são meros símbolos – saltam para a vida, e temos uma ressurreição da palavra”
4
.
Não foram só os escritores e semiólogos que se ocuparam dessa questão da leitura. Ao se
perguntar o que se lê, necessariamente se colocam uma série de perguntas acerca do que se
escreve. Lacan, em diversos momentos se refere ao escrito. Particularmente no
Seminário
18
, ao discutir o que seria a possibilidade de um discurso que não fosse semblante, refere-
se ao escrito como produção em relação com a verdade, e à escrita como marca, inscrição
de gozo, sob diversos aspectos. Além de ressaltar o fato de que o escrito é secundário à
linguagem, o que marca um distanciamento claro em uma discussão já antiga com Derrida
e Laplanche, para os quais, de certo modo, a escrita era primária em relação à linguagem; no
caso de Derrida apoiando-se no bloco mágico freudiano, e no caso de Laplanche tomando
como referência a teoria freudiana do apoio, que levaria à subordinação do psíquico ao
biológico, Lacan destaca que “questionar a
dimansão
[termo de sua forja, aproximando
dimensão e morada] da verdade na sua morada, é algo que só se faz por meio do escrito”
5
.
Algo da fala se destaca aí, portanto, como algo que se escreve por meio do dizer. Uma
escrita que não remete a um significado e, tal como o uso das letras pela lógica matemática,
Lacan destaca que essa letra, que ele designa pelo ‘a’, se escreve como algo que se destaca do
corpo a partir da operação da linguagem, outra forma de falar de acontecimento de corpo,
o que no
Seminário 20
Lacan chama de “efeito do discurso”: “Se há alguma coisa que possa
nos introduzir à dimensão da escrita como tal, é nos apercebermos de que o significado
não tem nada a ver com os ouvidos, mas somente com a leitura, da leitura do que se ouve
do significante. O significado não é aquilo que se ouve. O que se ouve é significante. O
significado é efeito do significante. Distingue-se aí algo que não passa de efeito do discurso
[...]”
6
. Vê-se aqui uma coincidência com o que Blanchot refere acerca do texto literário,
embora ele esteja falando de outro objeto.
Vale ainda destacar o que Lacan afirma, no
Seminário 25
,
O momento de concluir
,
especialmente nas sessões de 20 de dezembro de 1977 e 10 de janeiro de 1978, acerca da
escrita e do lugar no analista como leitor.