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Não vou me enveredar pela parte erudita da obra, mas pela

minha relação pessoal com ela. Um clássico da literatura

universal. É um livro que marcou profundamente a minha

vida. Um monumento arquitetônico erudito, complexo,

detalhado, vivo e misterioso. Reflete a alma de um dos

personagens mais comentados da literatura mundial,

Fausto. Trata-se da história do músico e compositor Adrian

Leverkün, narrada por seu professor e amigo Zeitblom. O

personagem é inspirado na lenda de Fausto e as passagens

musicais sobre a sua obra inspiradas na técnica dodecafônica

e serial do compositor Arnold Schöenberg. Assim como

Fausto, Adrian vende a sua alma ao Demônio a fim de viver

suficiente para terminar a sua grande obra. “Tecnicamente

é o seu romance mais ousado, no qual música e política,

realidade e símbolo, fato e ficção combinam-se num grade

panorama que, segundo Otto Maria Carpeaux, alcançou

uma altura na qual nenhum dos seus contemporâneos foi

capaz de acompanha-lo”. O livro inicia com uma passagem

do Inferno de Dante. Mann descreve Adrian no cenário de

uma vida alemã protestante. Adrian estuda teologia, mas

torna-se obcecado pela harmonia, contraponto e polifonia,

influenciado por seu professor de música Kretzschmar.

Conhece Esmeralda, mulher que lhe transmite sífilis e que

tem o mesmo nome da borboleta que fascinava seu pai. Na

medida em que a história se desenvolve, Zeitblom passa a se

tornar o único amigo de Adrian, e esse cada vez mais passa

apresentar um caráter demoníaco, afastando-se totalmente

da religião.

Já músico, trabalhando na adaptação musical de uma peça

de Shakespeare, na Palestina, Itália, Adrian tem um diálogo

em alemão arcaico com uma figura mefistofélica. Esse é o

alicerce do romance, exatamente na metade do livro que tem

aproximadamente 700 páginas. A descrição do encontro

de Adrian com Mefistófeles revelou em mim um desejo

pelo misterioso e pelo oculto; que influi na minha prática.

Arrisco-me afirmar que diante do demoníaco é necessário

um pouco de coragem a um analista. E, vale lembrar, que

o demoníaco era como os alienistas franceses descreviam o

ataque final na grande histeria do século XIX.

No livro de Mann não encontramos nenhum ataque infernal.

O interlocutor de Adrian é um gentleman sem nome, que

se apresenta como Ele, ou o Outro. “Ora, eu não cheguei

para atrair-te a alguma recepção e para adular-te, a fim de que

tomes parte de uma rodinha musical. Vim te falar de negócios.

Não vais buscar roupas quentes? Não se pode conversar,

quando os dentes estalejam” (p. 316). O trato consistiu em

oferecer-lhe vinte quatro anos de vida como gênio – o período

de incubação da suposta sífilis – se Adrian renunciasse o amor.

“Minha condição era clara e correta, determinada pelo legítimo

zelo do inferno. O amor te fica proibido, porque esquenta.

Tua vida deve ser frígida e, portanto, não tens o direito de

amar pessoa alguma” (p. 350). O diálogo revela a anatomia

do psiquismo de Adrian e da sua neurose, que poderíamos

descrever como uma mistura de hipocondria e neurastenia.

Nada mais é proibido no pacto com o pai demoníaco do que

o amor e o encontro com o feminino.

Quando da minha primeira entrevista com o meu atual

analista, lembrei-me desse diálogo de Adrian com o Demônio.

Apesar de não termos realizado nenhum pacto e ele não me

ter colocado quaisquer condições, a não ser aquela imposta

pelo dispositivo, correspondente à renúncia de uma parcela de

gozo, ficou claro para mim que era o diabo que eu procurava

na figura do analista. O significante da transferência estava

posto, e análise se iniciava através de um diálogo com o meu

próprio demônio.

DR. FAUSTO. Thomas Mann

(1875-1955).

O que posso dizer

de Dr. Fausto? Objeto de teses,

artigos, ensaios; tanta coisa já

foi dita. Tomas Mann é um dos

maiores romancistas do século

XX, filho de Johann Mann e da

romancista teuto-brasileira Júlia

da Silva Brunhs. Conhecido

também por outros de seus

clássicos,

A montanha mágica

e Buddenbrooks, que lhe deu o

Nobel de literatura em 1929.

HAMLET.

William

Shakespeare (1564-

1616). Outro clássico

da literatura universal,

comentado por Freud

e por Lacan no seu

seminário,

livro

6,

O desejo e sua

interpretação

. Hamlet

me empurrou para o

curso de psicologia,

assim como A república

de Platão. Foi também um dos livros que me causou mais

impacto, pelo estilo de Shakespeare, o diálogo, assim como

Platão. Naquela época, acho que inconscientemente já intuía

que se tratava de um conflito psíquico em Hamlet. Não vou

apresentar a obra e nem o personagem, isso é desnecessário.

Mas para os leitores de A interpretação dos sonhos e do

seminário O desejo e sua interpretação, Hamlet é uma

bibliografia obrigatória. O efeito da leitura de Hamlet em

minha formação não é teórico, mas subjetivo; despertou em

mim o interesse pelos mistérios do conflito psíquico. Hamlet

é um personagem que ilustra a neurose obsessiva freudiana

e a divisão do sujeito lacaniano. Trata-se para mim, de uma

divisão entre ser ou não ser um homem, honrar ou não

honrar o significante fálico transmitido pelo pai através da

mãe. Na época em que li Hamlet, a divisão do personagem

pessoas: ela ficava simplesmente ali sentada, ouvindo com

atenção e simpatia. [...] Não tinha bons conselhos para dar

às pessoas, e nem sempre encontrava as palavras certas para

dizer. Ela não era também uma pessoa divertida que cantava

ou dançava ou tocava algum instrumento. Nem tinha

poderes mágicos para ver o futuro”. Assim como Manu, um

analista tem um interesse vivo em ouvir o que os outros têm

a dizer.