

Cinco livros que
produziram efeitos
na minha formação
Luis Francisco Camargo
[AMP/EBP - Santa Catarina]
Gostaria de agradecer Mônica Hage e a equipe Bibliô pelo
convite de apresentar uma pequena lista de livros que tiveram
um efeito de acontecimento na minha formação analítica. A
lista que me veio ao espírito num clarão, curiosamente, inclui
livros que foram lidos antes de eu sequer pensar em realizar uma
formação em psicanálise. Eles produziram efeitos, a posteriori,
na minha formação. É importante informar que todos esses
livros foram objetos de minha análise pessoal, sem exceção,
inclusive influenciando na escolha do meu atual analista. Por
isso, posso inferir que esses cinco companheiros potencializaram
minha transferência para com a psicanálise, influenciando
no desejo de formação. Após terem sido reintegrados à minha
própria história, passei a respeitá-los como se fossem um pedaço
de mim.
Amigos de formação
Tânia Abreu de Lima
[AMP/EBP - Bahia]
Em 2002 a comunidade da AMP se dedicou a discutir os
efeitos de formação do analista, salientando, sobretudo, que
não há um automatismo nesta formação, um mecanismo
único, o que dá lugar à contingência. As causas da formação
apontam à singularidade.
No meu caso tratou-se de uma estante do pai repleta de livros
de Eric Fromm e outros autores pós-freudianos, dos quais
não destaco nenhum, apenas o significante “psicanálise”.
Alguns anos depois, na Universidade, me encantei com o
texto freudiano “O Inconsciente”, um de meus primeiros
amigos, marco definitivo de uma escolha pela psicanálise
sem volta ou vacilações. O fascínio se dava pelo estudo do
saber introduzido por Freud no mundo ocidental – um
acontecimento - através do qual se diziam e se escreviam
coisas movidos por algo que não é capaz de se inscrever.
Sonhos, lapsos, esquecimentos, fatos da vida cotidiana
adquiriam um novo sentido e eram motor do funcionamento
da operação analítica. ”A psicopatologia da vida cotidiana” e a
“Interpretação dos Sonhos” funcionaram como sedimentação
para o encontro com Lacan que ocorrera anos mais tarde.
Antes de designar meus “amigos lacanianos”, não posso
deixar de citar quão importante fora na minha formação a
escuta que Freud dedicou às histéricas. Ao ingressar em um
estágio clínico no Hospital psiquiátrico, Juliano Moreira,
sou designada para apresentar meu primeiro caso clínico.
A hipótese diagnóstica era que diante da obviedade de uma
epilepsia pode se esconder uma histeria. Para enfrentar o
organicismo médico caminhei de mãos dadas com uma
pequena passagem do texto Histeria, denominada “Histero-
Epilepsia”. O efeito final foi a descoberta de que falar, escutar
e escrever, guiada pelo saber psicanalítico, era algo totalmente
novo do que vivenciava até então. “O Além do princípio do
Prazer”, virada de 1920, marco da genialidade de Freud, ao
tempo em que solidificava minha paixão pela clínica e seu
incompreensível, apontava o interesse por Jacques Lacan e
suas subversões.
Destaco dois textos da obra de Lacan como cruciais na
minha formação: Seminário Livro 8, “A Transferência” e
“Lituraterra”. Dois períodos, um único ponto de conjunção
para mim : o amor. Platão, Claudel, representantes do amor
na cultura e ícones para se discutir o amor de transferência na
clínica psicanalítica. “Lituraterra”, o sulco que a letra produz
na terra, marca a outra face do amor em mim: a literatura.
Clarice Lispector e seu modo “não todo” de escrever fecham
minha contribuição, dispensando palavras.
MANU, A MENINA QUE
SABIA OUVIR. Michel
Ende
, escritor alemão de
literatura
infanto-juvenil,
conhecido mais por sua obra
“A história sem fim” (Die
unendliche Geschichte), que
em 1984 se tornou um filme
e mais tarde inspirou uma
série de animação (1996)
apresentada no Brasil na
sessão da tarde. Michel Ende
é filho do pintor surrealista
Edgar Ende.
Talvez seja curioso um livro de literatura infanto-juvenil
produzir efeitos na formação de um analista. Manu
despertou-me o prazer em ouvir histórias. Li esse livro
quando tinha 10 ou 11 anos. Obviamente que nessa idade
eu desconhecia completamente a psicanálise, mas posso dizer
que esse livro abriu um caminho em direção ao gosto pela
escuta, tanto para as histórias contadas como para a música,
com a qual mantenho uma relação estreita.
Manu é a história de uma garota abandonada que vive num
anfiteatro da periferia de uma grande cidade. Ela é adotada
pelos vizinhos, eles a alimentam, cada um a sua maneira,
contribuindo para o conforto e sua a sobrevivência. Em troca,
ela ouve o que eles têm a dizer. A grande virtude de Manu é
saber ouvir. Ela tem um grande interesse em ouvir o que os
outros têm a dizer, e é exatamente isso que ela faz. “Manu
ouvia de um jeito que fazia as pessoas pouco inteligentes
ter repentinamente ideias brilhantes. Ela não dizia, nem
perguntava nada que pudesse pôr tais ideias na cabeça das