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Essa ideia já se encontra, de certo modo, nestas lições,
embora seja na de 28 de novembro de 1962, quando ao
retomar o tema de Hamlet e da
play-scene
, que Lacan esclarece
a relação entre o mundo, a cena e a cena sobre a cena. Ele
diz: “Portanto, primeiro tempo, o mundo. Segundo tempo,
o palco em que fazemos a montagem desse mundo. O palco
é a dimensão da história. A história tem sempre um caráter de
encenação.”5 Também aponta que a dimensão da cena, sua
divisão com respeito ao lugar, mundano ou não, cósmico ou
não, onde se encontra o espectador, está certamente aí para
ilustrar ante nossos olhos a distinção radical entre o mundo
e aquele lugar onde as coisas, ainda as coisas do mundo, vêm
dizer-se, colocar-se em cena segundo as leis do significante6.
Quer dizer que a trama, a própria urdidura do mundo e da
cena, é o fantasma. É uma maneira de dizer que não é a vida
que é sonho, mas a realidade. O nível seguinte ao do mundo
e da cena é o da cena dentro da cena, a
play-scene
.
Quando a psicanálise trata uma peça de teatro – e a série
é longa em Lacan –, trata-a em termos teóricos, como uma
construção. Com Hamlet, assistimos a um drama subjetivo
no qual um sujeito portador de uma pergunta é idêntico a
seus ditos, uma formação de puro artifício que se produz
no lugar de uma verdade como suposta. A teatralidade é
portanto fantasmática, não sintomal, e em
Hamlet
coloca-se
em jogo o próprio marco onde se situa o desejo, como uma
placa giratória, diz Lacan, “onde se situa um desejo”7. Na
representação teatral, há um dizer redobrado de um ver, uma
articulação do audível e do visível que devem ser interrogados
como tais. É com esta posição que Lacan aborda o drama de
Hamlet para tratar a questão do desejo.
A verdade como ficção na play-scene
Se é possível dizer que todo teatro contém na realidade
o teatro no teatro
ad infinitum
, em Hamlet temos uma
forma de tematizar a verdade como ficção na
play-scene
. O
recurso da “obra dentro da obra” pode conceber-se de forma
generalizada como “ficção dentro da ficção”. A partir deste
ponto, pode-se sustentar que a ficção dentro da ficção é o
momento em que a ficção é confrontada com seu próprio
exterior, como seu próprio interior. Para que a ficção esteja
estruturada, é essencial que se exclua algo dela. Este algo é o
crime, que sobre a base de sua exclusão adquire o estatuto de
“crime original”, o crime por excelência próprio do real. É
algo original que estruturalmente falta, que já apareceu como
sua própria repetição da primeira vez e cujo único original é
esta mesma repetição. Então se estabelece a ficção por meio da
disjunção em relação ao real, sustentando-se por meio de algo
que “não pode mostrar-se” com um matiz especial: “só pode
mostrar-se duplicando-se” na forma de uma ratoeira na qual
se deve captar “algum signo de culpa”. Este é o mecanismo
fundamental da “ficção dentro da ficção”. O conhecimento
da identidade do assassino precede a cena de teatro e é a
maneira pela qual a verdade se mostra ou nos mira desde
os olhos do assassino a partir do que a verdade
surpreende
, a
única pessoa que a conhece desde o princípio.
Para chegar a este ponto, centrar-me-ei na articulação
do texto, os fios da trama.
Em primeiro lugar, temos a questão da razão de ser do
drama de Hamlet. É o seguinte: o pai retorna em forma de
fantasma para revelar uma verdade, o crime que provocou
sua morte, efeito de uma traição que o surpreendeu enquanto
dormia sobre um leito de flores. Este crime excluído será a
cena que se reproduzirá no prólogo da
play-scene
. O pai sabe
que morreu por vontade do irmão, quem “
arrebatou-lhe a
vida, a coroa e a esposa
”, e retorna para ordenar ao filho não
apenas vingança contra seu assassino, mas também para pôr
em primeiro plano a luxúria da rainha, algo que não havia
escapado à observação do filho. No entanto, para Gertrude,
o espectro pede respeito. O que Lacan assinala é que Hamlet
se debate com um desejo, mas este desejo está longe de ser
o seu próprio porque a chave não é seu desejo por sua mãe,
mas, pelo contrário, o desejo de sua mãe.
E chegamos ao ponto: esse crime que se oculta do
mundo da cena é o que Lacan marca como o elemento capital
sem o qual o drama não teria razão de ser. É em relação a
isso que ganha importância a função da
play-scene
, que é
encenação dessa cena que permaneceria oculta, dirigida por
um mestre de cerimônias que será o próprio Hamlet.
Nesta representação, há duas partes: um prólogo a
modo de/como pantomima e a obra em si para representar
“A morte de Gonzago”. Na pantomima se reproduzem os