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Em seu livro, há um capítulo dedicado à

play-scene

, “A

ratoeira múltipla”. Wilson procura fundamentar as tramas

paralelas que convergem nesta cena que, em sua opinião, é o

ponto central, o nó do drama. Aborda o tema tentando dar

conta do propósito dramático colocando-se perguntas que

fazem o texto responder. Dos numerosos temas, selecionei

quatro:

O tema da pantomima: considera-a fundamental como

antecipação da ação, como um

flash

da cena falada que segue

e que, para Wilson, em seus detalhes mostra que “o sobrinho”

sabe.

O tema da frase, a “obra é a coisa”, para jogar/brincar

como o gato com o rato. Tanto Wilson quanto Kenneth Muir

(1965) interpretam que a

play-scene

tem a intencionalidade

de provar não só a culpabilidade do tio, mas também a

cumplicidade da mãe.

O tema da ratoeira, cuja função é capturar por surpresa.

Com relação ao ato, Wilson sublinha/observa que Hamlet

atua somente por impulso. Enfatizo-os porque são temas

retomados por Lacan. Ponto de giro porque finaliza a comédia

de máscaras e prova a verdade da história do fantasma.

O tema do criador por trás dos propósitos do

personagem; para este crítico, um criador é alguém que move

os fios do que considera “a maior marionete da literatura”.

Por isso, considera que a

play-scene

é sua obra-mestra. Para

Wilson, Shakespeare é Outro com um saber sem falhas.

Com respeito à crítica moderna, como característica

geral, faço notar qual ser opõe a ênfase na subjetividade, seja

o do autor ou o do herói da crítica tradicional. As linhas mais

atuais são a pós-estruturalista e a nova crítica historicista.

Selecionei três que consideram o ponto da

play-scene.

Tanto

uma quanto a outra destacam a identificação especular, ainda

que extraiam conclusões diferentes.

No primeiro grupo, Anne Ubersfeld

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, representante da

semiótica teatral atual, nega o conceito de ilusão no teatro.

Entende o teatro como uma encenação de certa imagem das

condições socioeconômicas e das relações entre os homens.

Retoma o preceito freudiano de que o sonho interior ao

sonho diz a verdade. Do mesmo modo que, por uma dupla

negação, o sonho de um sonho resulta verdadeiro, o “teatro

no teatro” diz o verdadeiro, assinala-o, mudando o signo

da ilusão e denunciando-a. Para esta autora, o teatro é uma

construção imaginária que diz não o real, mas o verdadeiro,

embora o espectador saiba que essa dita construção encontra-

se separada da existência quotidiana. Indica, portanto, diz,

que há redução da ilusão já que, para que haja espetáculo,

o imaginário deve estar acantonado em seu lugar de

imaginário e isto se realiza, segundo esta crítica, a partir do

funcionamento da denegação que permite a construção de

um real concreto como resultado de um juízo que nega sua

inserção na realidade.

Deste modo, a

play-scene

é entendida como um exemplo

de desmascaramento operado pela teatralidade, um dar à

luz ao verdadeiro. A estrutura em espelho dos personagens

permite diferentes combinações que se reproduzirão ao

longo de toda a obra: Hamlet e Cláudio passando na

play-

scene

por Hamlet (pai) e Polônio (pai) até Hamlet e Laertes.

Ubersfeld considera que se desprende daí uma situação

muito complexa que obriga o espectador a tomar consciência

do duplo estatuto das mensagens que recebe. Sua conclusão

é que a reversibilidade da ação prepara a derrota e a morte

conjunta de Hamlet e Laertes, ambos combatentes de uma

causa perdida. O elemento a apontar desta concepção é a

qualidade de intérprete que outorga ao espectador e o sem

saída do imaginário. Mas a dificuldade estriba no conceito de

realidade e de real-concreto que maneja.

Leonard Tenenhouse

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é o representante inglês mais

importante da chamada “nova crítica historicista”, elaborada

em fins de 1970 por um americano, Stephen Greenblatt.

Centra o problema na ação violenta e a autoridade como parte

da crise política do Renascimento inglês, o poder absoluto

dos Tudor, que permite a instalação do sujeito soberano, a

privacidade e a interioridade.

Tenenhouse analisa a posta em cena da obra dentro da

obra montada por Hamlet, não como uma astúcia para captar

a culpabilidade do rei, mas sim como um recurso que nos

leva a compreender como a vingança solicitada constitui um

crime contra o estado. Esta é sua interpretação de que o crime

cometido por Cláudio esteja representado na pantomima

pelo sobrinho. A conclusão do drama, portanto, será que

nem Hamlet, nem Cláudio podem chegar a ser legítimos

soberanos da Dinamarca.

Seus argumentos centrados em complexas relações

entre a linguagem, o poder e o saber se fundamentam na

sugestão de Michel Foucault acerca de como o controle do

estado pode efetivar-se não somente através da linguagem,

mas também através de manifestações teatrais como juízos

e execuções. Para este crítico e a linha que representa,

Shakespeare era um político.

Por último, quero destacar W. T. Jewkes

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, que parte da

relação entre a pintura e o drama renascentistas. Assinala este

teórico que, na pintura do Renascimento, aparece o homem

como um sujeito confrontado com o mundo que inclui, a

ele próprio, como objeto. O marco, que havia representado a

imposição de certa ordem e regularidade, resulta agora uma

janela que estabelece uma relação com a superfície, inclusive

uma ruptura com a mesma. É um convite a um mundo

mais além do marco como nova aventura da perspectiva

do Renascimento. Relaciona o pictórico da representação

teatral e o fato de que os elementos dramáticos podem ser

manipulados para produzir efeitos análogos aos da pintura.

Uma dessas manifestações da relação entre sujeito e objeto