

Hatoum nasceu em Manaus, 1952,
numa família de origem libanesa.
Estudou arquitetura e urbanismo, mas se tornou escritor.
Morou em Paris, onde estudou literatura comparada
na Sorbonne (Paris III) e foi professor de literatura na
Califórnia e emManaus. O autor, que traduziu Flaubert
para o português, publicou quatro romances:
Relato de
um certo Oriente
,
Dois irmãos
,
Cinzas do Norte
e Órfã
os
do Eldorado
, dos quais os três primeiros receberam o
prêmio Jabuti. O escritor tem quase toda a sua obra
traduzida para o francês e em vários outros países.
Dois irmãos
, lançado em 2000, 11 anos depois do seu
primeiro romance,
é seu trabalho mais conhecido na
França e foi também o mais procurado pelo público
durante o Salão do Livro.
Segundo Hatoum, embora
não seja um romance autobiográfico, algo seu está ali, ou
são os personagens que estão dentro dele. E a simbiose é
às vezes tão forte que o autor não se separa do narrador.
O livro
retrata a cidade de Manaus no século XX e conta
a história do ódio e da rivalidade entre os irmãos gêmeos
Yaqub e Omar, também descendentes de uma família de
origem libanesa. O livro de Hatoum é poético, intenso
e delicado, uma narrativa sensorial cheia de sutilezas.
Os lugares e os personagens do seu livro têm densidade,
como num bom filme, no qual o personagem se constrói,
e o que acontece não destoa do resto da história. E cujo
desfecho, quando se revela, está tão costurado no enredo,
que já nos é familiar. Ou como numa construção, uma
obra, para falar da arquitetura na vida de Hatoum, na
qual se acompanha todo o processo, em etapas. E o todo
não aparece de repente.
No Salão do Livro de Paris de 2015,
Dois irmãos
foi
novidade outra vez. Foi lançada a sua versão em
quadrinhos (aliás um grande sucesso de crítica na
imprensa francesa), elaborada pelos também irmãos
gêmeos Gabriel Ba e Fábio Moon. Segundo Hatoum,
são
“dois livros irmãos, mas que não são gêmeos”. Ele
diz tratar-se de uma
obra autônoma, uma tradução da
história escrita, cuja adaptação opera transformações: há
muitas imagens e menos palavras, e diante das imagens
sem falas há um silêncio experimentado pelo leitor, que
pode imaginar aquilo que não foi dito. Os premiados
quadrinistas são também os autores da adaptação em
HQ de
O Alienista
, de Machado de Assis.
A mesa com Hatoum e os autores da
Graphic Novel
lotou o pequeno auditório do estande oficial brasileiro
do Salão. Seja
pela ausência de palavras e presença de
imagens, que nos fazem imaginar o que não foi dito, seja
pela presença das palavras e ausência de imagens, que nos
deixam livres para imaginarmos infinitas possibilidades,
possibilidades que não se fecham, deixando um sempre
mais a ser inventado,
Dois irmãos
vale a pena.
O livro,
que também já foi adaptado para o palco, agora vai virar
série de TV. Não é à toa que tanta gente quer contar
essa história. Mas ficaram ainda tantas outras histórias
a serem contadas. Num encontro com tanta gente que
merece ser citada, é quase uma pena escolher um ou
dois e deixar tantos outros de fora. Mas quem sabe de
uma próxima vez?
Hercília Anastasia Cardoso de Oliveira
[Psiquiatra, participante do Núcleo de Psicanálise e
Audiovisual do Instituto de Psicanálise da Bahia]