![Show Menu](styles/mobile-menu.png)
![Page Background](./../common/page-substrates/page0135.jpg)
11
o estilo texto final. Caberia, então, finalmente se
perguntar por que motivo o trabalho sobre estilo se
coloca, para Lacan, na transição da monografia para
a obra fundadora.
Não me compete, decerto, dissertar aqui
sobre o vasto problema do estilo, em Jacques Lacan,
sobretudo porque já existe, a esse respeito, uma
referência inultrapassável: o livro de Gilson Iannini,
que já circula em sua segunda edição. A questão da
estilística interessa-me tão somente como ponto
sobre o qual se apreende a função unificante do
autor, pois é dessa função unificante que depende,
conforme dizíamos anteriormente, a unicidade da
obra que diferencia a doutrina da multiplicidade
geral da cultura, conferindo sua autonomia própria.
Por longo tempo se supôs que o autor da
obra só seria apreensível, no que ele tem de único,
ou seja, naquilo que não se ensina, que somente
ele poderia dizer, através do estilo. Por isso, o estilo
foi considerado pela crítica literária, representada
sobretudo por Sainte-Beuve, como a ponte que nos
conduz à unicidade do autor, revelando-o em sua
intimidade. Havia uma espécie de devoção religiosa
ao estilo, como se nele estivesse depositado o selo de
garantia da obra. Se a obra é a expressão da unidade
da doutrina, o autor seria sua função unificante,
função do Um que só poderia ser captada a partir do
estilo como marca do íntimo do autor em primeira
pessoa na obra, cabendo à crítica literária o trabalho
de seu desvelamento. Porém, Lacan já desconfiava
dessa solução de Sainte-Beuve, que consiste em
buscar na relação do autor com o estilo o princípio
de unificação da obra. Seu programa de retorno a
Freud é contemporâneo de um movimento crítico
destinado a desconstruir precisamente, em sentido
contrário, o culto ao autor como princípio de
ordenação do texto. Atento a tudo o que se passava
a sua volta, Lacan não desconhecia o surgimento,
a partir dos anos 60, de uma corrente crítica
representada, sobretudo, por M. Foucault e R.
Barthes, que associava a importância conferida
à figura do autor a uma visão individualista que
concebe a obra nos termos burgueses da mercadoria
e do patrimônio intelectual.
A começar por Barthes, em “Amorte do autor”,
essa primazia dada ao personagem autoral não mais
seria do que uma ficção historicamente datada do
homem moderno, determinada tanto pela produção
do prestígio pessoal do indivíduo com a ideologia
da Reforma, quanto pela necessidade capitalista
de se unificar o produto do pensamento na forma
mercadoria. Para Barthes, o autor deveria deixar de
querer ordenar a unidade da obra, dando espaço a
uma verdade impessoal, não comandada pela figura
do eu. O que conta é o que o leitor entende, e não o
que o autor quis dizer.
Por sua vez, Foucault, quando dirige sua crítica
à função do autor, também rejeita a ideia de um
caráter natural e espontâneo dessa figura. A figura
do autor nada mais é do que uma ficção moderna
coextensiva de um modo de organização social e
política surgido com o aparecimento do capitalismo,
a partir do século XVI, ao qual se articulam tanto
inovações tecnológicas, como a invenção da
imprensa de Gutenberg, quanto jurídico-penal,
como a criação do códex e do direito autoral,
além de motivações tanto estéticas, como o mito
romântico do gênio criador, quanto comerciais,
como as estratégias de vendagem e as premiações. É
nesse sentido que, ao meditar sobre a ideia do autor
como princípio de unicidade da obra, Foucault nos
revela seu constrangimento em se constituir ele