A SESSÃO ANALÍTICA

Por: Glória Maron

Primeira pontuação: a sessão analítica

A sessão analítica comporta um conjunto de coordenadas que ao formar o dispositivo inclui uma função importante como veremos no desdobrar do texto. Marcada pelo encontro dos corpos do analista e analisante, laço onde não há simetria nem reciprocidade[1],a sessão tem uma dimensão previsível ou regular, que comporta dia, horário, tempo da sessão, valor, etc… Por outro lado, há uma imprevisibilidade que toca o analista e analisante.

Há uma tensão entre o previsível e o imprevisível da sessão analítica que por sua vez está condicionada pela própria presença do analista, que longe de reproduzir transferencialmente personagens que marcaram a história do falasser, encarna algo que excede, que escapa a esses personagens familiares[2]. O analista pode, a qualquer momento, presentificar o estranho, o mais infamiliar ao sujeito. Em outras palavras, a manifestação de sua presença pode se dar no marco da irrupção do real. O lugar do analista não se reduz portanto a se constituir o destinatário do Outro do inconsciente. O analista, ele próprio, sujeitado ao inconsciente estruturado como falha, equívoco, mal entendido; tendo chegado o mais próximo do real em sua experiência de análise, conduz uma análise na posição de semblante de objeto a, se oferecendo a encarnar o furo, o trauma, o que perturba a defesa frente ao gozo impossível de negativizar e simbolizar.

A sessão analítica regida pelo que ali acontece e sua dimensão imprevisível, precipitam a urgência do ato. Nessa direção, podemos afirmar que o analista de antemão não sabe o que vai acontecer na sessão, mas sua função o convoca à uma posição de abertura ao indeterminado, à contingência, que fura a regularidade da sessão analítica, abrindo à surpresa. A surpresa diz respeito a um momento não homogêneo em relação ao restante do tempo da sessão[3], instante relâmpago que se instaura num lapso de tempo em que a presença do analista se manifesta no fulgurar do inconsciente em sua dimensão real, ininterpretável, presentificando o gozo vivificado que reverbera no corpo do analisante[4]. Continue lendo “A SESSÃO ANALÍTICA”

O corpo do senhor – Psicanálise e Política – Seminário da EBP-Rio (quarto encontro)

Segue o link do seminário Seminário Psicanálise e Política 4 (27.06.2022): https://drive.google.com/file/d/1EPu7zy6b6hzN9Qei3Wf82-ko9ksTs4g_/view?usp=sharing

 Neste quarto encontro, encerramos o semestre, mas, não o trabalho e a discussão sobre Psicanálise e Política, investigando esse tema à brasileira.

Após assentarmos nossas bases a partir da formulação “identificar-se com o sinthoma”, propusemos a leitura de algumas mudanças no Outro da cidade, a seguir estabelecemos quais seriam nossos guias, nossos intercessores no sentido que dá J. A. Miller a este termo. São os que não se apoiam no imaginário do corpo e da identidade para sustentar suas posições e ações, às vezes de sobrevivência, na cidade, mas incluem em sua estratégia o horizonte da diferença absoluta, da singularidade real que presida uma análise.

Mantendo o corpo em cartaz, vamos encerrar, hoje, o semestre trazendo questões sobre o corpo do mestre. Continue lendo “O corpo do senhor – Psicanálise e Política – Seminário da EBP-Rio (quarto encontro)”

À Risca do Real

Por Melissa Bottrel
Cartel: Alguma coisa da ordem da poesia – Maria de Fátima Pinheiro (mais-Um), , Gisele Moreira, Mariana Pucci, Melissa Botrel, Olívia Viana.

  

há mundos submersos,

 que só o silêncio

da poesia penetra

 Conceição Evaristo

 

Começamos nosso cartel que mais tarde foi nomeado Alguma Coisa da Ordem da Poesia a partir do que Lacan diz no Seminário 24: “Que vocês sejam inspirados eventualmente por alguma coisa da ordem da poesia para intervir, é exatamente na direção do que vocês devem se voltar.” (LACAN, 1976-77, inédito, aula de 18 de abril de 1977).

Também no mesmo seminário Lacan afirma:

Se vocês são analistas, verão que é o forçamento por onde um psicanalista pode fazer soar outra coisa que o sentido. O sentido é o que ressoa com a ajuda do significante, mas o que ressoa, isso não vai longe, é mais frouxo. O sentido, este obstrui. No entanto, com a ajuda do que se chama escritura poética, vocês podem ter a dimensão do que poderia ser a interpretação analítica. (LACAN, 1977, n.p,) Continue lendo “À Risca do Real”

Bridge – jogando com o morto

Por José Ronaldo de Paulo
Cartel: Savoir y faire – Eliana Bentes (Mais-um), Maya Rodrigues, José Ronaldo, Lígia Amorim, Guilherme Lima, Ana Carolina

A partir da leitura do texto “A direção do tratamento e os princípios do seu poder”(1958/1998) os cartelizantes do cartel Sarvoir y Faire, foram provocados pela + 1 Eliana Bentes a realizarem uma vasta pesquisa contínua pelas referências colocadas por Lacan. Me detenho aqui a realizar uma ponte entre o jogo bridge e a análise.

No texto O início do tratamento (1913) Freud, traz à tona a metáfora do jogo de xadrez para ilustrar os impasses no tratamento analítico que vincula a tentativa de descrever e apreender algo como incerto encontrado no cenário de uma análise e no jogo – já que em ambos o decorrer do processo são diversos quanto imprevisíveis. Freud nos diz que apenas é possível representar as jogadas iniciais e finais no xadrez , colocando o meio como incerto e as limitações da representação do jogo poderíamos encontrar as regras que podem estabelecer para o exercício do tratamento psicanalítico (p.87).  Lacan, em seu retorno à Freud, utiliza o jogo de cartas chamado bridge que não à toa, é conhecido como o xadrez das cartas. Jogo este, onde o diálogo entre os parceiros é fundamental para a vitória.

O bridge é um jogo de lógica onde duas duplas se enfrentam, possuindo 52 cartas disponíveis para 4 jogadores, onde cada um fica com 13 cartas se dividindo em:

  1.  Declarante – o jogador do par que menciona o naipe de trunfo ou sem trunfo, do contrato final;
  2. Morto – o parceiro do declarante, competidor que não irá jogar durante a rodada.
  3. Flanco – a equipe adversária.

As etapas do jogo são conhecidas como Leilão e Carteio: Continue lendo “Bridge – jogando com o morto”

A INTERPRETAÇÃO NO CASO DO HOMEM DOS MIOLOS FRESCOS

Por LÍGIA CRISTINA AMORIM (BA)
Cartel: Savoir y faire – Eliana Bentes (Mais-um), Maya Rodrigues, José Ronaldo, Lígia Amorim, Guilherme Lima, Ana Carolina

Ernest Kris foi um historiador da arte que a partir do casamento com a filha de um grande amigo de Freud, iniciou seus estudos sobre a psicanálise em Viena. Posteriormente, dedicou-se a compreensão da relação entre psicanálise e criação artística.

Assim como Freud, seu mestre da psicanálise, Ernest Kris fugiu para Londres, onde se refugiou da perseguição nazista. Nesta nova morada, já com seu trabalho como psicanalista consolidado, atendeu diversos artistas. Após alguns anos, partiu para os EUA, onde passou a ministrar aulas sobre Arte e Psicanálise, chegando a publicar um livro.

A partir de questionamentos sobre a obra de Freud, Ernest Kris inaugurou e foi um dos destaques da psicologia do Ego. Utilizava um método de investigação baseado em conceitos trazidos da teoria freudiana para explicar as condições psíquicas que favoreciam o processo criativo.

Distintamente da psicanálise inaugurada por Freud – que privilegiava o inconsciente e a pulsão – a psicologia do ego centrava-se no papel do eu e na importância do ego no controle do id. Esta psicologia, ainda defendia que a análise deveria iniciar pela superfície, priorizando a resistência antes da interpretação. Segundo Ernest Kris, o ego seria o mediador entre os processos primários e secundários. Continue lendo “A INTERPRETAÇÃO NO CASO DO HOMEM DOS MIOLOS FRESCOS”

É POSSÍVEL CANTAR

Por Gisela Goldwasser
Cartel: Os objetos voz e olhar – Heloisa Caldas (mais-um), Fanny Cytryn, Denise Henriques, Cecília Castro, Marcia Crivorot, Gisela Goldwasser

A reunião do cartel sobre o tema do dizer e da voz é feita durante a pandemia e realizada on-line. Algumas vezes tivemos problemas em conjugar imagem e voz: outras vezes uma pessoa não aparecia, mas falava ou não aparecia e não falava; para ouvirmos quem falava era necessário calar o microfone para diminuir a interferência. Independente disso, antes mesmo da pandemia, nos encontros ao vivo sempre haverá algo que não se consegue dizer.

Recordo os sobreviventes de guerra que desenham, sussurram um barulho lembrado, arriscam uma narrativa. A narrativa sempre terá uma invenção. É preciso a invenção como véu para fazer face ao horror.

Poderíamos cair na armadilha e pensar ingenuamente em algo mais fidedigno ao emissor na forma da escrita. Ledo engano; quem dá a voz é o leitor.

Não dá para falar tudo. Isso pode incomodar. Mas dá para falar alguma coisa. Continue lendo “É POSSÍVEL CANTAR”

RELAÇÕES AFETIVAS E O FANTASMA DA DOR

Por Denise Henriques da Silva Abreu
Cartel: O Amor na Psicanálise – Cristina Duba (Mais-um), Ana Maria Ferreira da Silva, Denise Ávila, Denise Henriques da Silva Abreu.

Ao longo do percurso desse Cartel pude apreender várias versões do amor. E isso me incentivou a trazer para essa Jornada uma versão de um romance intrigante em um filme de ficção, fora do circuito das utópicas histórias de amor, em que me fez questionar se seria sobre uma forma de amor baseada na dor de amar ou na de amar a dor.

O filme “Trama Fantasma”, de Paul Thomas Anderson (2017), é passado na década de 50, onde a face do horror ainda estava visível por conta do fantasma da dor, da Segunda Guerra Mundial, que rondava a Europa. Encenado entorno da alta sociedade londrina que vivia de aparências com seu luxo, entre elas, a beleza dos ricos vestidos em composições precisas, impecáveis, conduziu interpretar que aqui existe uma preocupação do belo como encobridor de uma dor social.

Através da história de um romance entre um estilista de meia idade famoso, bem-sucedido, exigente, dominador, e uma mulher bela, pobre, com aparência frágil é apresentada as nuances de falsas sutilezas, a ambivalência entre a perfeição e a violência, e o amor como véu de um fantasma, de um impulso arrasador, da pulsão de morte, o que pode causar estranheza para alguns espectadores por ser difícil de aceitar que se trata de uma história de amor. Desse modo, o filme abala por manifestar um traço perverso do amor em uma envolvente e apaixonante relação. Continue lendo “RELAÇÕES AFETIVAS E O FANTASMA DA DOR”

O não – todo da arte e seus efeitos no cartel.

Por Fátima Pinheiro
Cartel: Os nomes do medo – Psicanálise e Arte / Sarita Gelbert (mais-um), Paula Legey, Giselle Falbo, Flávia Corpas, Thereza de Felice, Fátima Pinheiro.

Este trabalho se propõe a tecer algumas considerações sobre a experiência do cartel fulgurante, constituído nas XXVIII jornadas clínicas: Os nomes da vida – marcas da pandemia, composto por Paula Legey, Giselle Falbo, Flávia Corpas, Thereza de Felice, e eu – além de Sarita Gelbert, como mais um.

Essa experiência de trabalho coletivo de cartel partiu de um chamado feito pela coordenação das XXVIII Jornadas Clínicas, visando a preparação da entrevista com a artista visual Rivane Neusnchwander, convidada para as II Preparatórias das Jornadas. Após nos lançarmos na leitura de textos, nas imagens das diversas obras da artista, e situarmos questões importantes na articulação com a temática  das jornadas, suscitadas pelo trabalho “O nome do medo”, cada uma de nós, recolheu perguntas, que foram produzidas a partir do conhecimento adquirido sobre a obra da artista, assim como de questões provenientes de nossa clínica, de nosso encontro com a teoria, e da emergência de nossa época, para elaborar algum saber que pudesse dar sustentação ao trabalho. Contudo, verificamos que foi na ruptura com o conhecimento adquirido, ou ainda, na ruptura com a indagação feita à priori, que o cartel pode encontrar seu lugar. Cada uma de nós, atravessadas pela contingência do encontro com a artista e sua obra, permitiu que surgisse o trabalho coletivo de cartel. No momento da entrevista realizada na II Preparatória, algo novo se precipita: o trabalho apresentado pela artista se revela amplo e plural, observando-se um território aberto ao real, que inclui a precariedade como elemento, e uma série que foge à totalização. Como, então, ser possível entrar no trabalho? Como fazer corte e lançar questões? Como produzir um saber a partir daquilo que o trabalho da artista nos convoca? Através de um achado, surge um novo conhecimento que advém daquilo que fracassa: um lapso, um tropeço, e pluft: um saber inconsciente perfura o conhecimento existente. Aquilo que se sabia é, então, atravessado por outro saber, possibilitando, assim, que algo fique por se saber. Continue lendo “O não – todo da arte e seus efeitos no cartel.”

“O ‘Bad Boy’ das agulhas”

Por Maria Lidia Alencar

Cartel: Criação e Invenção na Polis – Christiane Zeitoune (Mais-um), Maria Lidia Alencar, Breno Homsi, Cyntia Mattar

Minha reflexão, nesse momento do trabalho de cartel, é sobre a sublimação como versão de Pai. Nem sempre criar – o ato de criar – possibilita a um sujeito se situar no campo do Outro, forjando um laço a partir do qual possa evitar o pior, em termos do gozo, em seu percurso de vida. Há sujeitos que tentam uma vida inteira se agarrar, se arrimar através de atos criadores, na literatura, na pintura, na música, e, sem parar de tentar, buscam se ver a partir disso, situar-se a partir desses restos, recolher sua própria imagem como efeito desses gestos. Alguns conseguem, outros dão testemunho de desfechos trágicos, como o que vou tratar aqui. Vou comentar a trajetória de Alexander Mcqueen, estilista londrino, que foi tema de um de nossos encontros dentro do Seminário, ali trazido a propósito de sua linha de ação crítica e mordaz, inventivo, genial e à frente de seu tempo, desvelando com sua obra o cerne do Discurso Capitalista, como proposto por Lacan. O artista, já sabemos, se antecipa…. Continue lendo ““O ‘Bad Boy’ das agulhas””

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