O não – todo da arte e seus efeitos no cartel.

Por Fátima Pinheiro
Cartel: Os nomes do medo – Psicanálise e Arte / Sarita Gelbert (mais-um), Paula Legey, Giselle Falbo, Flávia Corpas, Thereza de Felice, Fátima Pinheiro.

Este trabalho se propõe a tecer algumas considerações sobre a experiência do cartel fulgurante, constituído nas XXVIII jornadas clínicas: Os nomes da vida – marcas da pandemia, composto por Paula Legey, Giselle Falbo, Flávia Corpas, Thereza de Felice, e eu – além de Sarita Gelbert, como mais um.

Essa experiência de trabalho coletivo de cartel partiu de um chamado feito pela coordenação das XXVIII Jornadas Clínicas, visando a preparação da entrevista com a artista visual Rivane Neusnchwander, convidada para as II Preparatórias das Jornadas. Após nos lançarmos na leitura de textos, nas imagens das diversas obras da artista, e situarmos questões importantes na articulação com a temática  das jornadas, suscitadas pelo trabalho “O nome do medo”, cada uma de nós, recolheu perguntas, que foram produzidas a partir do conhecimento adquirido sobre a obra da artista, assim como de questões provenientes de nossa clínica, de nosso encontro com a teoria, e da emergência de nossa época, para elaborar algum saber que pudesse dar sustentação ao trabalho. Contudo, verificamos que foi na ruptura com o conhecimento adquirido, ou ainda, na ruptura com a indagação feita à priori, que o cartel pode encontrar seu lugar. Cada uma de nós, atravessadas pela contingência do encontro com a artista e sua obra, permitiu que surgisse o trabalho coletivo de cartel. No momento da entrevista realizada na II Preparatória, algo novo se precipita: o trabalho apresentado pela artista se revela amplo e plural, observando-se um território aberto ao real, que inclui a precariedade como elemento, e uma série que foge à totalização. Como, então, ser possível entrar no trabalho? Como fazer corte e lançar questões? Como produzir um saber a partir daquilo que o trabalho da artista nos convoca? Através de um achado, surge um novo conhecimento que advém daquilo que fracassa: um lapso, um tropeço, e pluft: um saber inconsciente perfura o conhecimento existente. Aquilo que se sabia é, então, atravessado por outro saber, possibilitando, assim, que algo fique por se saber. Continue lendo “O não – todo da arte e seus efeitos no cartel.”

“O ‘Bad Boy’ das agulhas”

Por Maria Lidia Alencar

Cartel: Criação e Invenção na Polis – Christiane Zeitoune (Mais-um), Maria Lidia Alencar, Breno Homsi, Cyntia Mattar

Minha reflexão, nesse momento do trabalho de cartel, é sobre a sublimação como versão de Pai. Nem sempre criar – o ato de criar – possibilita a um sujeito se situar no campo do Outro, forjando um laço a partir do qual possa evitar o pior, em termos do gozo, em seu percurso de vida. Há sujeitos que tentam uma vida inteira se agarrar, se arrimar através de atos criadores, na literatura, na pintura, na música, e, sem parar de tentar, buscam se ver a partir disso, situar-se a partir desses restos, recolher sua própria imagem como efeito desses gestos. Alguns conseguem, outros dão testemunho de desfechos trágicos, como o que vou tratar aqui. Vou comentar a trajetória de Alexander Mcqueen, estilista londrino, que foi tema de um de nossos encontros dentro do Seminário, ali trazido a propósito de sua linha de ação crítica e mordaz, inventivo, genial e à frente de seu tempo, desvelando com sua obra o cerne do Discurso Capitalista, como proposto por Lacan. O artista, já sabemos, se antecipa…. Continue lendo ““O ‘Bad Boy’ das agulhas””

Entre princípios: Função1

Por Miguel Lacerda Neto
Cartel: “Desejo do Analista” – Maria Inês Lamy (mais-um), Guilherme Scheidemantel, Larissa Martha, Maria Luiza Rovaris Cidade, Miguel de Sousa Lacerda Neto

Ando emaranhado a questões da clínica e do hoje. Não me atrevo decantar nenhuma verdade universal ou elaboração com semblância de conclusão. Minhas andanças e os terrenos do cartel não me levaram ao solo infértil das certezas. Assim, não foi possível a tal ponto trazer quaisquer ideias fixas, pois como dizia Machado de Assis “Não me ocorre nada que seja assaz fixo nesse mundo[2]”. No entanto, estou aqui para algo enunciar. Dizer, seria a melhor colocação. Digo de uma redução, não confundam com uma síntese! Exponho, desse modo, algo como o que a filosofia de Souriau[3] buscava ao encontrar as singularidades do existir em Les Difféerents modes d’existence. Assim, essa redução seria a medida que revela o ponto de vista de um modo de existir.

O que busco reduzir é mais do que as leituras e conversas que tivemos nos últimos anos como cartelizantes, mas, sim, o trabalho que se dá ao encontrarmos aquilo que nos desencontra ao pesquisar. Digo de um pesquisar-se. A perturbação que desloca um cartelizante para, mais do que elaborar e responder uma questão, compreender o próprio questionamento. Assim chego ao que foi o meu trabalho no cartel e a inquietante questão do que é isso que podemos chamar de Função de Analista. Sim, pois, se por um lado o cartel foi além de suas operações enquanto dispositivo fundamental à psicanálise – foi meu primeiro contato com a Escola Brasileira de Psicanálise. Por outro, o cartel foi solo por onde pude autorizar-me a indagar a que psicanálise hoje me conecto. Continue lendo “Entre princípios: Função1

A VOZ HUMANA

Por Marcia Crivorot
Cartel: Os objetos voz e olhar – Heloisa Caldas (mais-um), Fanny Cytryn, Denise Henriques, Cecília Castro, Marcia Crivorot, Gisela Goldwasser

Penso ser muito interessante e, a meu ver, prazeroso, pois leve, podermos refletir sobre alguns difíceis conceitos da psicanálise lacaniana, bordeando-os com os acréscimos vindos da Arte, no caso mais especificamente, a Arte do cinema. Mas não o contrário, ou seja, a Arte é precursora. É grotesco colocar a Arte no divã. Esta introdução, portanto, sublinha a minha intenção de apreender uma escuta do objeto Voz, no filme “A Voz Humana”.

Estudar o objeto Voz no cartel foi uma trajetória com textos e casos clínicos bem ricos sobre o assunto, acompanhados de criativos apontamentos, associações e reflexões. Reverenciando o dispositivo do Cartel, o texto, o tema, as questões impuseram-se transferencialmente pelo bom funcionamento do nosso escolhido mais um, Heloisa Caldas, que soube bem conduzir os cortes nas identificações imaginárias e paralisantes, pertinentes aos grupos de estudos.  Também fico grata à riqueza do acolhimento de cada Voz dos sujeitos integrantes deste amável e produtivo cartel.

Nos encontros de nossos estudos, recolhi como bem destacado ou sublinhado que Lacan, acrescentando os objetos Voz e Olhar na teoria freudiana, reitera sua leitura de Freud diferenciada dos neofreudianos. Constrói uma outra trajetória e apontamentos. Abandona a leitura de um percurso cronológico, desenvolvimentista e promove lugares pelo jogo da linguagem. Lacan lendo o Inconsciente pesquisado e demonstrável em Freud, nos apresenta que o Inconsciente se estrutura como uma Linguagem.

Enquanto os objetos oral e anal dimensiona a DEMANDA do sujeito ao Outro; o Olhar e a Voz, referem-se a demanda do Outro ao Sujeito. O objeto Voz ressalta sua função invocante do Sujeito dividido, assim como os seus efeitos de ressonância no corpo. Continue lendo “A VOZ HUMANA”

Quando o mestre mata – Psicanálise e Política – Seminário da EBP-Rio (terceiro encontro)

O que segue não reproduz o encontro, são notas prévias preparadas pelos coordenadores. O evento pode ser assistido no link abaixo:

https://drive.google.com/file/d/1hSU1nZzStofQVDBau9Sdl9H6D7pgBXjW/view?usp=sharing

https://drive.google.com/file/d/1gvGct7a0HP71OIaV0gjYBdgDPBPh2awm/view?usp=sharing

Nossas premissas

Queremos investigar o que seria a função do Imaginário na política. Lembramos que, para Lacan, o imaginário é o registro do que há de mais concreto em uma análise, a consistência do corpo. Nesse sentido, deslocamos ligeiramente o foco. Não estaremos centrados noque há de negatividade nos conceitos que nos orientam:sujeito, sinthoma, singularidade, desidentificação, por exemplo. Buscaremos o modo como eles se articulam com o imaginário do corpo.

Faz sentido porque o espírito da época não é de negatividade. A subjetividade da época é intoxicada e intoxicante, é doexcessoe nãoda falta. A ideia é acolheressa concretude, essa onipresença do imaginário, às vezes de modo bem rígido sem, entretanto, supor que ele seria necessariamente inviável para a clínica analítica.

É pensar (e clinicar) nesse mundo e não pensar (e clinicar) esse mundo.

Nos termos de Lacan com relação aos três registros no Seminário 23 (referidos ao nó borromeano), nossa aposta seria a de pensar o imaginário não como excludente com relação ao simbólico e ao real. Ao contrário, examinar o modo como a consistência (imaginário) do corpo e dos coletivos hoje pode dar lugar ao que é furo, por definição sempre diferente de si mesmo (simbólico) e à ex-sistência (real), por definição àquilo que, “de fora”, determina o que acontece no espaço subjetivo e/ou coletivo.

Então, partimos da ideia de levar a sério o imaginário hoje. O fato de pertencer a um grupo, de se identificar por um atributo e de ganhar com isso uma serie de hábitos, modelos, sins e nãos. Pertencer a um grupo, identificar-se, mesmo que ocorra muitas vezes de forma rígida pode salvar vidas em tempos necropolíticos. Continue lendo “Quando o mestre mata – Psicanálise e Política – Seminário da EBP-Rio (terceiro encontro)”

Vídeo em homenagem ao Bloomsday

O dia 16 de junho, Bloomsday, tem sido comemorado mundialmente e não podíamos deixar de também fazer nossa homenagem e assim convidamos a todos a mergulhar na arte joyceana, através da entrevista feita com Ram Mandil e da preciosa interpretação de Ana Kfouri, de alguns trechos do monólogo de Molly Bloom.

Boa imersão!

Por Ruth Helena Pinto Cohen

Psicanálise e Política – Seminário da EBP-Rio – segundo encontro

Interseccionalidade lacaniana

O que segue não reproduz o encontro, são notas prévias preparadas pelos coordenadores. O evento pode ser assistido no link abaixo:

https://drive.google.com/file/d/1okDGOR_Ddbwff9hHSlvJdE7AMVM0GQtU/view?usp=sharing

Abertura

Marcus

Hoje, pensamos em dedicar nosso encontro a examinar o lugar da interpretação analítica na cidade a partir das premissas avançadas no primeiro encontro. Elas são tomadas de posição, definem em vez de problematizar, para que a gente possa se apoiar nelas afim de problematizar o que queremos, a possibilidade de uma ação política lacaniana. Recapitulo rapidamente:

1) Partimos do aforismo “O inconsciente é o discurso do Outro”, no sentido em que a partir do discurso vigente, o inconsciente é aquilo que nesse discurso não cabe, que resta, em seus desvãos, como virtualidade de transformação em potencial. Continue lendo “Psicanálise e Política – Seminário da EBP-Rio – segundo encontro”

Psicanálise e política – Seminário da Diretoria da EBP-Rio – Primeiro Encontro

Segundas às 20hs (21/3, 18/4, 30/5 e 20/6)

coord: Renata Mendonça e Marcus André Vieira
Vídeo:
https://drive.google.com/file/d/1GwMOkFFOpmVvaouz_DuD8diXiOwJxzZy/view?usp=sharing

Áudio:
https://drive.google.com/file/d/1-mupS_SUWrkSMiWC7RBn7Am0WeUEo9DC/view?usp=sharing

A seguir notas dos coordenadores e trechos selecionados do encontro

O imaginário dos corpos falantes

(primeiro encontro)

Marcus André: Bem-vindos, Recebi o convite para coordenar este seminário da EBP-Rio com alegria, mais que necessária nesse momento uma reflexão sobre as relações entre psicanálise e política. Minha decisão principal foi a de convidar alguém “de fora” da Seção, Renata Mendonça. Ela é psicanalista em Belo Horizonte, pesquisadora do coletivo Ocupação PSILACS-de UFMG e uma das responsáveis pelo Ateliê Psicanálise e Segregação da EBP seção Minas. Como se vê ela não é tão de fora assim. Fora do Rio, sim, mas não do nosso campo. Poderíamos dizer que ela é “êxtima”, mas esse termo vem fácil demais em nosso campo e é preciso sempre lembrar que a extimidade é uma prática e não uma posição fixa. Então, prefiro dizer de outro jeito. É muito bom que possamos ter uma discussão pautada por referências que nem sempre frequentamos na nossa comunidade, a da EBP/AMP, referências mais diretamente implicadas no tema da segregação. Aliás, segregação me parece suave demais para situar a desigualdade tão violenta de nosso país, por isso a referência à escravidão e ao racismo é essencial. Não dá para pensar em política em nossas terras de outro modo. Vamos lá? Continue lendo “Psicanálise e política – Seminário da Diretoria da EBP-Rio – Primeiro Encontro”

Apresentação Psicanálise e política – Seminário da Diretoria da EBP-Rio

Segundas às 20hs (21/3, 18/4, 30/5 e 20/6)

  1. Identificar-se com seu sinthoma

Uma análise trabalha por redução. Nossos dramas vão se decantando em cenas primordiais, articulando as fixações matrizes do nos foi constituindo ao longo da vida.

A conclusão da análise passa por uma desrealização dessa matriz, a fantasia, uma vez que essa redução permite-nos entrar em contato com o que dá vida não é capturado por ela e segue nos excedendo indefinidamente. Tendemos a destacar como poder “fazer com” esse gozo sem rima nem razão, gozo do sinthoma, tal como a ele se refere Lacan, abre-nos a uma maior possibilidade de viver cada encontro em sua contingência e surpresa, mas não há contingência sem alguma regularidade, não há laço sem coesão. Não há laço sem Outro, mesmo que relativamente inconsistente. Neste sentido, “Identificar-se com seu sinthoma”, essa indicação de Lacan nos impede de tomar uma análise apenas no registro da desidentificação. Afinal, o que seria uma vida que prescindisse do imaginário, das particularidades? No mínimo insossa. É preciso identificar-se, mas nesse caso, será bem mais identificar-se de outra maneira, com o seu sinthoma, indo ao encontro de uma identificação singular que implica os laços e faz laço, em um novo momento em que o sujeito lida com seu corpo, com o seu sinthoma, sem tentar escapar de seus furos, mas, se havendo com eles de um modo único. Continue lendo “Apresentação Psicanálise e política – Seminário da Diretoria da EBP-Rio”

Rolar para o topo