Apresentação Psicanálise e política – Seminário da Diretoria da EBP-Rio

Segundas às 20hs (21/3, 18/4, 30/5 e 20/6)

  1. Identificar-se com seu sinthoma

Uma análise trabalha por redução. Nossos dramas vão se decantando em cenas primordiais, articulando as fixações matrizes do nos foi constituindo ao longo da vida.

A conclusão da análise passa por uma desrealização dessa matriz, a fantasia, uma vez que essa redução permite-nos entrar em contato com o que dá vida não é capturado por ela e segue nos excedendo indefinidamente. Tendemos a destacar como poder “fazer com” esse gozo sem rima nem razão, gozo do sinthoma, tal como a ele se refere Lacan, abre-nos a uma maior possibilidade de viver cada encontro em sua contingência e surpresa, mas não há contingência sem alguma regularidade, não há laço sem coesão. Não há laço sem Outro, mesmo que relativamente inconsistente. Neste sentido, “Identificar-se com seu sinthoma”, essa indicação de Lacan nos impede de tomar uma análise apenas no registro da desidentificação. Afinal, o que seria uma vida que prescindisse do imaginário, das particularidades? No mínimo insossa. É preciso identificar-se, mas nesse caso, será bem mais identificar-se de outra maneira, com o seu sinthoma, indo ao encontro de uma identificação singular que implica os laços e faz laço, em um novo momento em que o sujeito lida com seu corpo, com o seu sinthoma, sem tentar escapar de seus furos, mas, se havendo com eles de um modo único.

  1. O inconsciente é o discurso do Outro

A psicanálise não se encontra na cidade da mesma maneira, não se encontra com as mesmas queixas, nem com os mesmos corpos. Como não ver que a cidade mudou? No Outro de nossos tempos, o patriarcado tem não tem mais o mesmo valor de referência universal. Explodem as tribos e as particularidades do tribalismo contemporâneo. Como o inconsciente não é estático, como ler seu lugar e função nessa essa nova configuração da relação entre o Outro, o imaginário dos corpos e o real? Os três registros lacanianos têm função distinta, mas sem hierarquia alguma entre si. Como, então, ler a explosão de novas identidades, particularizadas ao infinito, sem banalizar ou reduzir a função do imaginário? Reconhecemos que se a cidade mudou, se o horizonte da época, nosso Outro mudou, então é preciso delimitar a que ponto a apresentação do inconsciente e configuração dos corpos mudou. O que a psicanálise pode fazer? O essencial, para nós é partir do pressuposto de que apesar de estarmos em um contexto talvez mais refratário à suposição de saber isso não significa que há necessariamente rechaço do inconsciente, mas apenas que precisamos descobrir como trabalhar com ele em um novo horizonte.

  1. Nossos guias

Pretendemos partir dos guias existentes, passes e fragmentos de casos para sustentar essa investigação a que nos propomos, sobre o Imaginário e o Inconsciente hoje.

O caso clínico, o inconsciente dos sujeitos, no um a um da clínica, sempre orientaram o tratamento, sempre ensinaram aos psicanalistas. Como nos deixar ensinar na atualidade? Como ler os corpos que construíram seu inconsciente a partir de marcas que foram e são rechaçadas pelo mestre? Além de acompanhar cada um até seu “fazer com”, trata-se, também, na cidade, de recolher as formas, os modos identitários de onde partem os analisantes hoje para se virarem com o gozo opaco de seu sintoma. Aqui, mulheres, migrantes, indígenas, negros, trans, são guias, pois raramente podem se dar ao luxo de se contentar com a suposição de saber em um mestre (afinal, o que esse mestre quer mais é lhes eliminar). Como esses corpos não podem contar com a suposição de saber em um mestre, de qual inconsciente estamos falando neste caso? Estes que viveram e vivem às voltas com seu sintoma opaco podem ser guias sobre o inconsciente. Podem nos ensinar, se nos deixarmos ensinar, sobre o modo como uma ancestralidade se inscreve apenas em marcas marginais, ao próprio corpo, inclusive, pois pouca coisa visível escapava da ordenação e das formas imaginarias impostas pelo mestre colonial. De fato, os sujeitos do assujeitamento radical do racismo ambiente, por exemplo, foram levados de alguma forma a ter um corpo outro, pois as os modos corporais de gozo coletivo comer, dormir, fazer amor, ter fé e ter filhos lhes era negado. Podem, eles, nos ensinar como o inconsciente, como discurso do Outro, atravessa os corpos para além da cidade branca?

  1. O corpo do mestre

Não ter opção a não ser compor com o opaco do corpo sem passar pelo saber do mestre é o que pode ocorrer igualmente com o analisante ao cabo de seu enfrentamento analítico com o destino. Podemos nos perguntar, também, como o corpo senhorial é atravessado pelo inconsciente. Será que este que quer eliminar o diferente sabe que não é um corpo? Como chegar o sinthomal, ao gozo do Um-sozinho sem responder sobre si, sobre o corpo que tem? O corpo mestre, neste momento, se dá conta que é só mais um corpo, como escutar o inconsciente a partir desta ferida narcísica?

Seja qual for o caso, quando só resta do desejo o gozo de desejar, a vida como fome fundamental é que essa composição com o opaco do gozo pode fazer do corpo caixa de ressonância para o que da vida é mutante, quando pão e poesia ambos, tudo ao mesmo tempo agora, tornam-se a luta que vale.

Renata Mendonça e Marcus André Vieira.
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