“O ‘Bad Boy’ das agulhas”

Por Maria Lidia Alencar

Cartel: Criação e Invenção na Polis – Christiane Zeitoune (Mais-um), Maria Lidia Alencar, Breno Homsi, Cyntia Mattar

Minha reflexão, nesse momento do trabalho de cartel, é sobre a sublimação como versão de Pai. Nem sempre criar – o ato de criar – possibilita a um sujeito se situar no campo do Outro, forjando um laço a partir do qual possa evitar o pior, em termos do gozo, em seu percurso de vida. Há sujeitos que tentam uma vida inteira se agarrar, se arrimar através de atos criadores, na literatura, na pintura, na música, e, sem parar de tentar, buscam se ver a partir disso, situar-se a partir desses restos, recolher sua própria imagem como efeito desses gestos. Alguns conseguem, outros dão testemunho de desfechos trágicos, como o que vou tratar aqui. Vou comentar a trajetória de Alexander Mcqueen, estilista londrino, que foi tema de um de nossos encontros dentro do Seminário, ali trazido a propósito de sua linha de ação crítica e mordaz, inventivo, genial e à frente de seu tempo, desvelando com sua obra o cerne do Discurso Capitalista, como proposto por Lacan. O artista, já sabemos, se antecipa…. Continue lendo ““O ‘Bad Boy’ das agulhas””

Entre princípios: Função1

Por Miguel Lacerda Neto
Cartel: “Desejo do Analista” – Maria Inês Lamy (mais-um), Guilherme Scheidemantel, Larissa Martha, Maria Luiza Rovaris Cidade, Miguel de Sousa Lacerda Neto

Ando emaranhado a questões da clínica e do hoje. Não me atrevo decantar nenhuma verdade universal ou elaboração com semblância de conclusão. Minhas andanças e os terrenos do cartel não me levaram ao solo infértil das certezas. Assim, não foi possível a tal ponto trazer quaisquer ideias fixas, pois como dizia Machado de Assis “Não me ocorre nada que seja assaz fixo nesse mundo[2]”. No entanto, estou aqui para algo enunciar. Dizer, seria a melhor colocação. Digo de uma redução, não confundam com uma síntese! Exponho, desse modo, algo como o que a filosofia de Souriau[3] buscava ao encontrar as singularidades do existir em Les Difféerents modes d’existence. Assim, essa redução seria a medida que revela o ponto de vista de um modo de existir.

O que busco reduzir é mais do que as leituras e conversas que tivemos nos últimos anos como cartelizantes, mas, sim, o trabalho que se dá ao encontrarmos aquilo que nos desencontra ao pesquisar. Digo de um pesquisar-se. A perturbação que desloca um cartelizante para, mais do que elaborar e responder uma questão, compreender o próprio questionamento. Assim chego ao que foi o meu trabalho no cartel e a inquietante questão do que é isso que podemos chamar de Função de Analista. Sim, pois, se por um lado o cartel foi além de suas operações enquanto dispositivo fundamental à psicanálise – foi meu primeiro contato com a Escola Brasileira de Psicanálise. Por outro, o cartel foi solo por onde pude autorizar-me a indagar a que psicanálise hoje me conecto. Continue lendo “Entre princípios: Função1

A VOZ HUMANA

Por Marcia Crivorot
Cartel: Os objetos voz e olhar – Heloisa Caldas (mais-um), Fanny Cytryn, Denise Henriques, Cecília Castro, Marcia Crivorot, Gisela Goldwasser

Penso ser muito interessante e, a meu ver, prazeroso, pois leve, podermos refletir sobre alguns difíceis conceitos da psicanálise lacaniana, bordeando-os com os acréscimos vindos da Arte, no caso mais especificamente, a Arte do cinema. Mas não o contrário, ou seja, a Arte é precursora. É grotesco colocar a Arte no divã. Esta introdução, portanto, sublinha a minha intenção de apreender uma escuta do objeto Voz, no filme “A Voz Humana”.

Estudar o objeto Voz no cartel foi uma trajetória com textos e casos clínicos bem ricos sobre o assunto, acompanhados de criativos apontamentos, associações e reflexões. Reverenciando o dispositivo do Cartel, o texto, o tema, as questões impuseram-se transferencialmente pelo bom funcionamento do nosso escolhido mais um, Heloisa Caldas, que soube bem conduzir os cortes nas identificações imaginárias e paralisantes, pertinentes aos grupos de estudos.  Também fico grata à riqueza do acolhimento de cada Voz dos sujeitos integrantes deste amável e produtivo cartel.

Nos encontros de nossos estudos, recolhi como bem destacado ou sublinhado que Lacan, acrescentando os objetos Voz e Olhar na teoria freudiana, reitera sua leitura de Freud diferenciada dos neofreudianos. Constrói uma outra trajetória e apontamentos. Abandona a leitura de um percurso cronológico, desenvolvimentista e promove lugares pelo jogo da linguagem. Lacan lendo o Inconsciente pesquisado e demonstrável em Freud, nos apresenta que o Inconsciente se estrutura como uma Linguagem.

Enquanto os objetos oral e anal dimensiona a DEMANDA do sujeito ao Outro; o Olhar e a Voz, referem-se a demanda do Outro ao Sujeito. O objeto Voz ressalta sua função invocante do Sujeito dividido, assim como os seus efeitos de ressonância no corpo. Continue lendo “A VOZ HUMANA”

Notas sobre a formação de um cartel

Por Desirée Simões

No meio deste ano de 2021, às voltas com minhas questões de análise e delineamentos sobre o meu desejo de trabalho, comecei a pensar sobre os modos possíveis de participar de uma Escola de Psicanálise. Pouco tempo antes, uma parceira de trabalho, na Rede de Atenção Psicossocial do Rio de Janeiro, havia me falado sobre ter sido convidada a integrar um cartel na Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Rio, a mesma Escola sobre a qual eu há vários anos pensava como um lugar para me inserir caso meu desejo apontasse mais claramente para uma construção minha de psicanalista.

Uma vez que este desejo começou a ser delineado através de contornos mais claros, iniciei um percurso de leitura de textos sobre do que se trata o dispositivo de cartel nas Escolas lacanianas. O primeiro texto que li foi D’Écolage de Jacques Lacan. Prossegui com leituras de textos construídos por outros autores, a fim de elucidação sobre este tema.

Ao entender a dinâmica de funcionamento de cartel e seu lugar privilegiado no aprendizado da psicanálise, conforme apontado por Lacan como um dos principais dispositivos formadores de uma Escola, resolvi visitar o site da EBP-Rio e me colocar na lista de pessoas interessadas na formação de cartel na Seção de Cartéis e Intercâmbio, apontando como temas possíveis a serem colocados a trabalho a Angústia, Objeto a e Exílios. Continue lendo “Notas sobre a formação de um cartel”

Notas sobre um trabalho em andamento

Por Andrea Vilanova
Cartel: Corpo, imagem e tecnologias: (re)leituras do Estádio do Espelho entre arte e psicanálise.
Cartelizantes: Andrea Vilanova (mais-um), Carla Sá Freire Cunha, Cristina Bezerril e Fabiano Fernandes.

 “Aquele que produz uma obra, seja esta uma obra de arte ou não, articula os três registros.”
Stella Jimenez (1997)

A pandemia nos expropriou de nosso cotidiano, subverteu nossos laços, exigindo distanciamento, novos hábitos e muito mais. O trabalho de cartel que seguimos construindo ao longo dos últimos meses nasce dessa experiência de ruptura, mas também de uma convocação a tomar de modo não apenas pragmático o uso dos recursos audiovisuais e a presença das telas em nosso cotidiano.  São muitas vias possíveis de interrogação dentro desse oceano digital. Continue lendo “Notas sobre um trabalho em andamento”

A anarquia individual

Por: Denise Henriques
Cartel: Amor na psicanálise
Cartelizantes: Ana Maria Ferreira da Silva; Denise Ávila; Denise Henriques e Cristina Duba (mais um).

Os estudos do Cartel “Amor na Psicanálise”, formado por mim, Ana Maria Ferreira da Silva, Denise Ávila e Cristina Duba (mais um), conduziu a uma pesquisa sobre o gozo no ensino de Lacan, a partir do interesse pela conexão entre amor e pulsão. Esta me permitiu ampliar o campo de visão e me fazer perceber em outras leituras o que apreendi das facetas do amor.

Nesse trabalho, particularmente, recorto o que pude recolher sobre a questão da não relação sexual no conto “O banqueiro anarquista” de Fernando Pessoa.

O conto é uma crítica à realidade de diversos movimentos sociais e organizações políticas. Uma sátira aos que se agarram a um posicionamento ideológico apenas na teoria, mas não conseguem praticá-la totalmente. O próprio título do conto indica essa contradição, esse paradoxo: como pode um anarquista ser banqueiro, justamente aquele que concentra muito poder, representante-mor do sistema capitalista?

O personagem banqueiro, que se diz anarquista, aponta as falhas da dificuldade de se alcançar plenamente a doutrina em sua análise que prova que ele é, verdadeiramente, um anarquista e os outros anarquistas não o são. A escolha da profissão do personagem, um banqueiro, auxilia no tom satírico do contrastante ideal dele, de ser anarquista vivendo numa sociedade capitalista com a tirânica opressão financeira, onde o dinheiro é tratado como a mais importante das ficções sociais. Chegando a concluir que somente tornando-se rico, pode se tornar livre da força opressiva do capitalismo. O que traduz o sonho universal, um ideal de todos. Continue lendo “A anarquia individual”

“Leituras em Cena – Conversa sobre Sísifo – Texto de abertura.”

Do que não cessa

Por Maricia Ciscato – Pelo coletivo do “Leituras em cena”

Em 2015, fui atravessada pelo livro “Rio – Histórias de vida e morte”, de Luiz Eduardo Soares. A arte literária contrastada com a violência de nossa cidade misturou-se às minhas próprias experiências na tentativa de contribuir com a modificação da devastação que é a política de segurança pública do Rio de Janeiro. Esse livro me lançou a uma pergunta que até então eu não ousava formular: Como é possível, depois de (muitos) fracassos recorrentes, persistir?

Em 1930, Freud já nos dava, com sua clareza explosiva, o fim da esperança de uma sociedade feliz. Ele escreveu:

“(…) o que há de realidade negada de bom grado é que o ser humano não tem uma natureza pacata, ávida de amor e que no máximo até consegue defender-se quando atacado, mas que, ao contrário, a ele é dado o direito de também incluir entre as suas habilidades pulsionais uma poderosa parcela de inclinação para a agressão. Em consequência disso [segue Freud], o próximo não é, para ele, apenas um possível colaborador e um objeto sexual, mas é também uma tentação, de com ele satisfazer a sua tendência à agressão, de explorar sua força de trabalho sem uma compensação, de usá-lo sexualmente sem o seu consentimento, de se apropriar de seus bens, de humilhá-lo, de lhe causar dores, de martirizá-lo e de matá-lo. Homo homini lúpus [o homem é o lobo do homem] (…)”[1]

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