Da aridez à leveza de ter um Lula no fim do túnel

Por Sandra Landim

Primeiramente gostaria de agradecer imensamente a Maricia Ciscato pelo convite para participar da Diretoria de Cartéis. Queria agradecer também a cada uma que compôs essa diretoria atravessada pelo desejo, Ana Luisa Rajo, Cristina Duba, Maria Antunes e Renata Martinez.

Estava há muitos anos na comissão de mídias, ali havia algo “dado”, uma vez que todas as atividades passavam de antemão por mim. Havia um automaton naquele modo de operar, estava ali numa zona de conforto.

A experiência de estar na diretoria de Cartéis trouxe a possibilidade de circular em outros espaços da Escola. Sacudiu esse automaton e foi necessário ressignificar o modo de estar e de fazer Escola. Foi um trabalho que suscitou muita angustia para poder me recolocar. Posso adiantar que houve muitas confusões de horários e datas para participar das atividades. Haja análise!

Passaram-se dois anos! De um lado é tanto tempo, de outro parece que passou num piscar de olhos. Tive que voltar ao nosso grupo para relembrar por onde começamos.

O funcionamento proposto foi de que formássemos um cartel, esse dispositivo que Lacan propôs desde a fundação de sua Escola. Trabalho de pequenos grupos que, a meu ver, é uma forma de fazer uma Escola viva. No texto O lugar do cartel na formação do analista, Nohemí Brown nos diz: “Trata-se não mais de um saber Suposto, senão de um saber a produzir. E mais do que produzir um saber, trata-se de produzir uma mudança de posição com relação ao saber.

Nesse sentido, o cartel é um lugar de formação permanente, o lugar de formação que se centra na produção do sujeito, sobre seu desejo de saber.”[1]

Eram muitas as atividades da diretoria. No procura-se cartel, pude pela primeira vez me servir deste espaço. Nunca tinha participado de um, mas por estar agora fazendo parte da comissão, me interessei por um tema, entrei em contato e já tinham outras duas pessoas interessadas, ou seja, éramos 4, pensamos no +1, o convidamos e começamos o cartel.

Entre manhãs de cartel, noites de cartel, procura-se cartel, tivemos também a jornada de cartéis. Acredito que a pandemia nos trouxe um novo funcionamento de trabalho: por um lado não temos mais o encontro dos corpos, mas já estamos voltando aos poucos a isso, por outro, o isolamento possibilitou o trabalho com colegas de outros espaços que não chegariam à nossa casa por uma questão geográfica. Imagino que, também por essa razão, tivemos tantos trabalhos inscritos nas Jornadas. Em tempos tão áridos poder se reunir em pequenos grupos chega a ser um privilégio…

A jornada de cartéis foi um acontecimento, mais de 40 trabalhos inscritos! Foi preciso ler os trabalhos, separar os temas e dividir em mesas. Houve enunciações muito importantes sobre a formação do analista e o desejo do analista entre outros.

No nosso pequeno grupo, entre arregaçar as mangas e se colocar ao trabalho prático, havia também o próprio cartel. A partir dos tempos que estávamos vivendo e a partir do ponto de onde Lacan criou o cartel, o nosso tema não poderia ser outro senão o Cartel e a guerra. Retomamos textos fundamentais. Não por acaso foram textos que fizeram parte da bibliografia das 29ª Jornadas Clínicas da EBP – Seção Rio e ICP RJ “Lógicas coletivas nos tempos que correm[2], e continuam sendo questões fundamentais à formação do “analista cidadão”.

Do funcionamento de um cartel, Lacan em D’écolage também diz que “não se espera nenhum progresso além daquele de uma exposição periódica, tanto dos resultados quanto das crises do trabalho”[3]

Não consegui circunscrever bem meu tema, estava às voltas com a lógica do cancelamento a partir da guerra das narrativas. Parece que esta guerra não tem fim… Teria?

Com o país dividido, o desejo do cancelamento do Outro não dá só por parte dos opositores. Quando o Roberto Jefferson e o ex-vereador Gabriel Monteiro são presos, quando Guilherme de Pádua morre, há um contentamento que me assusta. Estaríamos nos assemelhando a eles pela lógica do ódio, pela pulsão de morte? Maria do Rosário Collier do Rêgo Barros em seu texto A escolha pela democracia (2018) diz “A escolha da democracia implica em ter que fazer algo com esse ódio que habita em cada um de nós e que em certos momentos históricos é ativado da pior maneira possível.” Deixo aqui uma pergunta da Rosário que me faz questão “Como fazer para sair do empuxo à guerra, nós contra eles?” Isto é possível?


[1] https://www.ebp.org.br/correio_express/005/lugar_cartel.html
[2] Jornadas que aconteceram nos dias 4 e 5 de novembro de 2022.
[3] D’écolage – https://www.ebp.org.br/wp-content/uploads/2020/02/22DE%CC%81colage22-Jacques-Lacan.pdf
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