Interseccionalidade lacaniana
O que segue não reproduz o encontro, são notas prévias preparadas pelos coordenadores. O evento pode ser assistido no link abaixo:
https://drive.google.com/file/d/1okDGOR_Ddbwff9hHSlvJdE7AMVM0GQtU/view?usp=sharing
Abertura
Marcus
Hoje, pensamos em dedicar nosso encontro a examinar o lugar da interpretação analítica na cidade a partir das premissas avançadas no primeiro encontro. Elas são tomadas de posição, definem em vez de problematizar, para que a gente possa se apoiar nelas afim de problematizar o que queremos, a possibilidade de uma ação política lacaniana. Recapitulo rapidamente:
1) Partimos do aforismo “O inconsciente é o discurso do Outro”, no sentido em que a partir do discurso vigente, o inconsciente é aquilo que nesse discurso não cabe, que resta, em seus desvãos, como virtualidade de transformação em potencial.
2) Estar à altura da subjetividade da época supõe que as épocas mudam e que isso altera a estrutura do Outro, o que altera, assim, o modo de acesso e apresentação do inconsciente.
A essas premissas mais gerais, propomos adicionar duas:
3) Nossa época é marcada pelo declínio do Nome do Pai como estabilização universal do laço. Uma ruptura entre natureza e real (cf. J. A. Miller “A ordem simbólica no s. XXI”).
4) Um de seus efeitos é a “tribalização” generalizada (cf. Maffesoli), ou nos termos de Miller e Laurent, uma “Sociedade de sintomas” (no Curso “O Outro que não existe…”).
Queremos levar essa tribalização a sério. Em nosso primeiro encontro, assumimos a necessidade de sustentar-se em uma identidade e um grupo coo modo de localização subjetiva e mesmo de sobrevivência. Não tomamos esse movimento como o de um rechaço do inconsciente. Do mesmo modo, hoje, não assumiremos a posição cômoda de supor um rechaço do real, ou do inconsciente, e ou da singularidade quando parece imperativo partir de um grupo para entrar em relação com outro. Não apenas para que alguém possa se reconhecer pertencendo a algum grupo quando sua identidade de origem é apenas recusada pela cultura, mas também porque em muitos casos é preciso recusar-se a qualquer universal comum a todos os grupos, uma vez que o universal de referência (o do mestre em nossos termos, e o patriarcal ou colonial, nos termos vigentes) é um universal de extermínio com relação a determinados grupos.
Nosso modo de levar a sério essa recusa é o de não questioná-la, mas tentar pensar qual modo de estar no mundo essa recusa reflete. É tentar pensar nesse mundo e não apenas esse mundo. Por isso nosso tema de hoje, a interpretação no mundo das tribos, da seguinte forma:
5) Em um mundo tribalizado, a ideia de ruptura e de descontinuidade se vê alterada, veremos como. Neste caso, nossa interpretação, marcantemente aproximada do corte e da ruptura por Lacan, muda de figura também.
6) Como? Será nossa discussão de hoje a partir do tema da interseccionalidade.
O inconsciente e o Outro
Renata
Existem mudanças em nossa época, a psicanálise não encontra a cidade da mesma maneira, nem com as mesmas queixas, nem com os mesmos corpos. O que a psicanálise pode fazer, como ler o que é novo no inconsciente atual?
A inconsistência do Outro, a pluralização dos nomes do pai não é sem consequência, sem efeitos sobre os corpos dos sujeitos, sobre a cidade. Ao lidarmos com essa inconsistência verificamos o efeito sobre a cidade. O que podemos ler sobre ela, sobre esse Outro?
Reconhecemos que se a cidade não é a mesma, se o horizonte da época, nosso Outro mudou, então
é preciso delimitar a que ponto a apresentação do inconsciente e configuração dos corpos também mudou.
O essencial, para nós é partir do pressuposto de que apesar de estarmos em um contexto talvez mais refratário à suposição de saber isso não significa que há necessariamente rechaço do inconsciente, mas apenas que precisamos descobrir como trabalhar com ele em um novo horizonte.
Com isso, nenhuma resposta faz um semblante de universal, os predicados fálicos não deixaram de existir, mas, estão falidos e nenhuma termo responde ao mestre neste momento.
Então, há uma nova leitura dos corpos a partir do identitarismo, da decolonização, da interseccionalidade que mostra a diferença entre as tribos, do feminismo e suas nuances, perguntas e alterações que automaticamente nos fazem questionar o novo lugar do homem e do novo Imaginário. Para lermos os nossos guias vamos investigar a interseccionalidade, as questões identitárias, a decolonização, pois, estes sujeitos precisam ser lidos contando com esse novo da cidade, só desta forma, atentos ao que nossos guias nos ensinam que podemos escutar o que há de diferente em nossa época.
Isso não significa de modo algum perdermos os referenciais necessários e fundamentais para a escuta do inconsciente a partir do desejo do analista, mas, dar lugar para o novo que acomete a cidade pode fazer com que o analista acolha o sofrimento de cada sujeito sabendo da diferença entre os corpos.
Assim, a particularidade das tribos precisa ser levada a sério por aqueles que escutam e podem ler os sujeitos e a cidade e, por aqueles que vivem ou se reconhecem nestas tribos, pois, se não levarem a sério o lugar que estão podem, inclusive, morrer.
A psicanálise pode escutar o que se segrega, a racialização e os modos de gozo das tribos, essa nova escuta, esse “levar a sério” pode revitalizar a escuta psicanalítica. Sem o saudosismo do patriarcado que pode levar, também, à morte.
Assim, vemos a discussão sobre o feminismo das mulheres negras e das mulheres brancas, mostrando-nos que devemos manter a lógica do um a um, do caso a caso, mas, lendo o que pode ser uma mulher negra ou mulher branca na cidade.
Como, nesse encontro, estamos às voltas com o Outro da cidade, essa cidade que muda e nos faz pensar em ler o Imaginário de uma outra maneira, trouxemos alguns exemplos sobre o modo em que as tribos, ou os coletivos se organizam numa radicalidade especifica sobre o seu próprio corpo, não com uma unanimidade, já que, nenhum coletivo é marcado pelo (um) universal, mas, com suas identificações, pois, os únicos a quererem resgatar esses predicados universais são aqueles que possuem o corpo do mestre.
Interseccionalidade
Renata
Esse mundo das tribos, qual o efeito de interpretação? Já que a interpretação é sempre um corte, separa o S1 do S2. Qual o S1 que podemos cortar?
Na atualidade onde vemos o sujeito como consumidor e consumido, consumidor e objeto do capitalismo, podemos afirmar que estamos mais próximos de uma teoria lacaniana da costura que do corte, uma função, então, mais de rearranjo que de corte.
Com isso, pensamos em nos utilizar do conceito de Interseccionalidade, um conceito criado pelo feminismo em que afirma que é preciso interpretar as condições das mulheres, a que elas são subordinadas, incluindo os vários atravessamentos políticos, sociais, capitalistas, em que esse conceito nos mostra as diferentes formas de submissão e inclusão das tribos na cidade.
A Interseccionalidade é
…uma conceituação do problema que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras (CRENSCHAM, 2002, p.177)
ou
A interseccionalidade investiga como as relações interseccionais de poder influenciam as relações sociais em sociedades marcadas pela diversidade, bem como as experiências individuais na vida cotidiana. Como ferramenta analítica, a interseccionalidade considera que as categorias de raça, classe, gênero, orientação sexual, nacionalidade, capacidade, etnia e faixa etária – entre outras – são inter-relacionadas e moldam-se mutuamente. A interseccionalidade é uma forma de entender e explicar a complexidade do mundo, das pessoas e das experiências humanas (Collins, Patricia Hill; Bilge, Sirma. Interseccionalidade (p. 20). Boitempo Editorial).
O tapa (que não corta)
Renata
Para lermos o que vem acontecendo, por onde circulam os corpos e o gozo na cidade, trouxemos dois exemplos. Estes fragmentos podem transmitir a importância das tribos e, aquilo que se compartimentou impossibilitando que o trabalho entre as tribos possa acontecer ou se acontece não
é sem as dificuldades, não só a da linguagem, do mal-entendido, mas, pela diferença, os diferentes modos de estarem no mundo e do modo como gozam.
Em relação aos coletivos e suas diferenças algo ficou evidente na cidade no último Oscar. O acontecimento inesperado foi o ator Will Smith bater no rosto do comediante Chris Rock quando esse faz uma piada sobre a mulher de Smith que sofre de Alopecia. Uma doença que causa “a perda de cabelo em áreas em que normalmente ele deveria crescer. É um problema que acomete homens e mulheres, podendo ser causado por influências genéticas, processos inflamatórios locais ou doenças sistêmicas” http://hospitalsaomatheus.com.br/blog/voce-sabe-o-que-e-alopecia/ O que nos interessa neste fato é a reação das feministas. Nos mostrando evidentemente a diferença entre as tribos ou entre os coletivos, como nos avisou Lélia Gonzalez e Ângela Davis, há uma diferença entre a militância das mulheres negras e das mulheres brancas.
Coloco aqui a frase do Instagram de Marcia Tiburi: “entre quem deu o soco e quem levou o soco está a mulher vítima da brincadeira cretina. O soco escancara a misoginia consensual que sustenta o machismo, a saber, que uma mulher pode ser tanto objeto de brincadeira quanto de desforra. Jada Pinkett-Smith é a questão” Não vou colocar os vários comentários feitos a essa frase, mas, vou incluir aqui a posição de Djamila Ribeiro, para demonstrar a diferença das tribos, ela afirma: “Mulheres negras NUNCA foram vistas como donzela frágil, a construção do feminino negro é distinta” e cita Sueli Carneiro em “Enegrecendo o Feminismo”: “Quando falamos do mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres, de que mulheres estamos falando? Nós, mulheres negras, fazemos parte de um contingente de mulheres, provavelmente majoritário, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito, porque nunca fomos tratadas como frágeis. Fazemos parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas….
Mulheres que não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar”(…) “fácil julgar Will Smith. Difícil é olhar no espelho e enxergar o próprio racismo, difícil é admitir porque incomoda tanto ver uma mulher negra sendo defendida”
Claro que não estamos aqui defendendo ou não a posição do Senhor Smith, mas, esse acontecimento nos mostra de forma evidente a diferença entre as tribos, a diferença entre os coletivos, o que é novo, em que o universal, uma identificação, está em cada tribo, de forma frágil, mas, não sem consequência.
O nome que corta
Renata
O segundo exemplo é de um Quilombo em Belo Horizonte, o coletivo Ocupação está a trabalho fazendo conversações neste Quilombo desde 2020. O que trago aqui é uma história que antecede a entrada da conversação e do Ocupação, mas, foi escutado por ele. Esse aglomerado de pessoas, essa comunidade, está instalada, existe em um bairro considerado nobre, importante de BH e, antes da pandemia, estas pessoas foram convidadas a saírem de suas casas, com propostas financeiras, com ameaças, violências veladas e não veladas inclusive do Estado. Essas pessoas se uniram, pois, entendiam que as casas tinham uma história importante. Elas afirmam “sempre moramos aqui”, gerações e gerações: filhos, mães, pais, avós e bisavós.
Ao se perguntarem sobre como lutar pelos seus direitos, ao investigarem como seus ancestrais chegaram, se instalaram e construíram seus lugares, perceberam a partir de documentos, que eles são um Quilombo. Com essa formalização, nasce um novo modo de nomeação e laço social. Os sujeitos ali se localizam simbolicamente de uma nova maneira. Apesar do trauma da violência, apoiada pelo estado de vigilância policial, ter produzido modos próprios de sofrimento, o nome quilombola ressoa no corpo. Esses sujeitos passaram a ter direito àquilo que já era deles, ocuparam um novo lugar na cidade, com muitas dificuldades, inclusive racistas, mas, fazem parte, lutam diariamente com as questões internas do Quilombo, as questões de cada sujeito e pela sobrevivência deste modo de vida.
Com isso, podemos afirmar, que é preciso levar a sério a sua tribo, pois, não dar ouvidos, não levar a sério, pode inclusive te matar. Quando vemos o exemplo do quilombo podemos afirmar que não escutar essas tribos levando a sério suas dificuldades, pode excluir os psicanalistas desta nova existência, do que é novo na subjetividade de sua época.
Corte e costura
Marcus
O tema da interseccionalidade fala de um dos efeitos do abalo sofrido pelo universal patriarcal, pelo nome do pai como elemento transcultural. A isso responde o que chamamos rapidamente de tribalização do mundo (cf. Maffesoli).
Em outra ênfase, Miller e Laurent já descreviam esse processo como a da uma “sociedade do sintoma” em “O Outro que não existe…”, entendendo que cada tribo se definia por um aspecto sintomático que se tornava identitário (como por exemplo, Mulheres que Amam Demais). Um traço passa a identificar uma comunidade e as comunidades entre si, se tem que se ou não buscando a vida coletiva agora sem universal comum de referência. É o que J. C. Milner chamou de “universal fraco”.
Nós, aqui, porém, não partimos dessa constatação como se isso fosse o problema. Partimos dessa cidade fragmentada como um dado, para investigar, nesse cenário, o que é a interpretação. Assumimos, por exemplo, no primeiro encontro a necessidade de partir de um particular, o pertencimento a uma tribo, por exemplo, sem questionar, sem querer desidentificar para que a experiência do inconsciente se dê. Não é o caminho clássico de uma análise. Com o tema da interseccionalidade queremos discutir agora a noção de corte.
Corte é caro ao psicanalista, especialmente com Lacan. Corte é a ruptura que o material inconsciente realiza com relação à consciência quando se apresenta. Se é inconsciente é porque foi recalcado e se foi recalcado é porque faria ruptura com o tecido do eu (a gente diz rapidamente que ele “fura” a consciência).
Em outro plano, econômico, podemos dizer que a experiência do inconsciente é a de um material que se apresenta na consciente composto de um tanto de libido que até então estava investida nas representações inconscientes e que agora se apresenta na consciência como um “a mais”, um excesso sem corpo, uma carga, que vem perturbar o corpo identitário. Esse excesso também pode ser corte.
É o básico da teoria freudiana e segue valendo. Porém, na situação clássica, parte-se de uma consciência relativamente estável por se situar a partir de uma referência comum, o universal da tradição, por exemplo: “sou assim, porque sempre foi assim”.
No mundo das tribos como isto fica? Ligeiramente diferente. Algo como “sou assim porque minha gente é assim”. Desta forma, cada uma das tribos precisa contar com meus hábitos e rituais próprios para se situar, mas as tribos entre si perdem um universal comum e tendem a uma guerra ou tensão generalizada.
No mundo paterno, o que não se sabe e surpreende pode ficar em cena como alguma coisa a ser sabida, um enigma, porque pode-se acreditar que alguém em algum lugar (O pai) saberá entender, explicar. É isso a suposição de saber, um furo. São essas também as zonas erógenas, furos no conhecido do corpo e até por isso mesmo, mais interessantes.
Quando não há a crença na tradição, paterna, que funciona como um vazio estruturante a tendência
é a fragmentação. Tanto dos grupos, em tribos, quanto dos corpos, em várias partes que podem ser remodeladas e recosturadas como se queira. O excesso, não mais enigma, tende a se apresentar como angústia, ou ser lançado para fora, como gozo do Outro, tornado inimigo.
É nesse contexto que surge o conceito de interseccionalidade. Ele vem justamente compor buscar a composição, um laço, entre coisas que tendem a ficar separadas por parte de quem as vive.
Vale a contraposição com a fragmentação da clínica psiquiátrica realizada pelas edições progressivas do DSM, assim como a solução encontrada pelos psiquiatras para o tema da costura. Ali também a multiplicação de doenças em síndromes gerou um esquartejamento. A histeria, por exemplo, foi implodida em “transtornos somatoformes”, “transtornos dissociativos” e outros tantos quadros tidos como “transtornos idiopáticos”.
Mas para dar conta da fragmentação excessiva, cria-se uma nova noção que passa a fazer muito sucesso, a de comorbidade. Como por milagre, muitas doenças parecem agora vir juntas, como depressão e alcoolismo, por exemplo.
No plano dos estudos raciais, em que se pensam mais nas pessoas que nas raças, vamos encontrar outra coisa fazendo às vezes de costura no plano conceitual, a interseccionalidade. (Não é à toa que Angela Davis considera que Lelia Gonzalez sempre trabalhou neste plano, mesmo sem o conceito, é que ela justamente tinha como referência a pessoa). A interseccionalidade parte do corte do tribalismo, mas ela é costura, pois afirma que a separação pode ser eventual, local ou estratégica, mas nunca absoluta. Não se pode pensar a mulher, no Brasil, por exemplo, sem pensar a mulher negra.
O corte da interpretação
Marcus
E nós, analistas? Como fica nosso corte interpretativo? Nosso corte é entre S1 e S2. Entre uma cadeia de pensamento e a cadeia de experiência de um corpo continuidade de vida e o que ele vem como de sua própria vida, mas isto interiorizado pelo recalque escondido gravado pelo recalque.
Só que o resultado nunca foi o de cindir um texto, ou um corpo de saber, em dois.
Primeiramente, trata-se de cortar uma cadeia, consciente, trazendo uma terceira que é apenas representação e carga, não tem corpo, é um pensamento sem persona. Nós é que atribuímos a ele uma identidade, dizendo que é a criança em nós falando, por exemplo. Só que isso ocorre já quando essa cadeia de pensamento ingressou na consciência, trazendo com ela cenas e outras lembranças que vão compor o personagem.
Então o corte que conta não é como o inconsciente separa em um pai o good cop e bad cop, por exemplo, ou entre anjo e diabo, mas sim, como o diabo, trazido à tona, rompe a cadeia da consciência e permite novas composições.
O corte entre S1 S2 introduz uma nova cadeia, mas sobretudo uma presença sem corpo, a presença de uma ausência, a de um excesso libidinal. Ele pode, inclusive, ganhar uma nomeação nova, como foi o caso do termo Quilombo. Por isso Lacan indica que o discurso analítico produzir um S1, ou visa a produção de um S de A barrado.
É o caso na ocupação. Surge um significante, Quilombo, que em si não vem com uma cadeia de pensamento inconsciente pronta. No início ele remete, claro, aos quilombos históricos, mas não apenas, sobretudo não se sabe bem o que ele quer dizer ali naquela situação, mas por isso mesmo vem nomeas o vivo da comunidade, a libido que mantém todos unidos.
Ele é um significante vazio nos termos de Mouffe e Laclau. Vazio de sentido, entenda-se, não vazio de vida, ao contrário, é cheio de vida. Vazio de significado prévio. E é em torno desse significante vazio que vão se entrelaçar as mais variadas experiências de Aquilombamento, que podem agora até tornarem-se verbo e não apenas substantivo. Surge a possibilidade de aquilombar-se.
Esse me parece ser o corte da interpretação psicanalítica, que como vemos continua valendo e que, talvez, tenha todo seu valor em situações mais coletivas. Lembrando que quem interpreta não é o analista, um analista apenas guarda um lugar para o excesso, o sem-sentido, ele convoca o inconsciente e garante um espaço para o sem-sentido, o tempo necessário para aquilo que não tem sentido venha e possa, por seu efeito, ganhar lugar e ser nomeado.
É bem verdade que um saber será construído a parti dali. Quilombo aos poucos vai ganhando significações estáveis, o que pode levar à um coletivo por demais estabilizado, uma tribo espacialmente rígida, mas isso pode também levar a uma nova ruptura ou propiciar uma nova interpretação, por um novo significante vazio que venha instaurar uma descontinuidade e respiração.