Por Desirée Simões
No meio deste ano de 2021, às voltas com minhas questões de análise e delineamentos sobre o meu desejo de trabalho, comecei a pensar sobre os modos possíveis de participar de uma Escola de Psicanálise. Pouco tempo antes, uma parceira de trabalho, na Rede de Atenção Psicossocial do Rio de Janeiro, havia me falado sobre ter sido convidada a integrar um cartel na Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Rio, a mesma Escola sobre a qual eu há vários anos pensava como um lugar para me inserir caso meu desejo apontasse mais claramente para uma construção minha de psicanalista.
Uma vez que este desejo começou a ser delineado através de contornos mais claros, iniciei um percurso de leitura de textos sobre do que se trata o dispositivo de cartel nas Escolas lacanianas. O primeiro texto que li foi D’Écolage de Jacques Lacan. Prossegui com leituras de textos construídos por outros autores, a fim de elucidação sobre este tema.
Ao entender a dinâmica de funcionamento de cartel e seu lugar privilegiado no aprendizado da psicanálise, conforme apontado por Lacan como um dos principais dispositivos formadores de uma Escola, resolvi visitar o site da EBP-Rio e me colocar na lista de pessoas interessadas na formação de cartel na Seção de Cartéis e Intercâmbio, apontando como temas possíveis a serem colocados a trabalho a Angústia, Objeto a e Exílios.
Em poucos dias, recebi um e-mail de uma psicanalista residente em São Paulo dizendo-se interessada no mesmo tema que eu para suas investigações e onde disponibilizou seu contato de celular. Começamos a nos falar através do WhatsApp e lá ela perguntou se eu me interessava em compor um grupo no mesmo aplicativo onde haviam algumas outras pessoas, de diversas partes do Brasil, pensando em como viabilizar uma montagem de um cartel, a partir do tema comum a todos como desejo de investigação.
Após vários dias de conversa, com cada um expondo seus interesses e possibilidades de horários para organizar os encontros inaugurais de trabalho, ficamos três mulheres. A terceira psicanalista a se juntar a nós reside no Estado do Ceará. A partir daí, já tínhamos um número possível de pessoas para iniciar o trabalho e marcamos um encontro online. Neste momento, o que se passava para mim eram as possibilidades inauguradas pela pandemia no mundo e seu impacto na comunicação e encontros possíveis entre as pessoas. Ao mesmo tempo, um tempo impossibilitador de encontros e reuniões presenciais com os as pessoas próximas a nós e possibilitadora de encontros virtuais entre pessoas de partes distintas do país desejosas de se colocar a trabalho.
Fizemos alguns encontros, já tendo decidido pela leitura conjunta do Seminário X – a Angústia de Jacques Lacan, e após algum tempo surgiu a quarta pessoa interessada em participar da atividade conosco. Esta quarta integrante reside, assim como eu, no Rio de Janeiro e é alguém que eu já conhecia e que em um reencontro após alguns anos me falou sobre seu desejo de retorno à clínica.
Conversei com as integrantes do cartel, que já estava em funcionamento, e prontamente aceitaram a proposta da entrada de mais uma pessoa. Lembro de uma frase que emergiu de uma das parceiras de trabalho: “Quatro mais um é o número perfeito para Lacan em cartel, ótimo”.
A partir deste momento, começamos a nos reunir, as quatro, quinzenalmente, lendo o Seminário X. Inicialmente lembro que nem falávamos sobre quem poderia ser nosso Mais-um. Estávamos ainda nos conhecendo e em construção de nossa transferência de trabalho. Foi um tempo interessante, em que nos dispusemos a algumas experimentações de leitura, apresentações de casos acompanhados por nós que se articulassem ao tema investigado e fala.
Passados alguns meses de trabalho, começamos a falar sobre a importância da chegada do Mais-um. Estava incluída nesta questão não só quem convidaríamos, mas também a região do país de atuação dessa pessoa, uma vez que nosso grupo passa por três estados do Brasil. Sobre isso, o primeiro ponto decidido foi que nossa escolha se dava pela EBP-Rio, com a qual nós quatro nos entendemos em transferência de trabalho com a transmissão de alguns membros da Escola. A partir daí falamos sobre alguns nomes e eu comecei a realizar os contatos através dos e-mails disponíveis na página de membros da Escola.
A primeira pessoa convidada a cumprir a função de Mais-um em nosso cartel, falou sobre seu interesse no tema, mas também de uma impossibilidade de agenda para cumprir com o que entende ser o exercício desta função em um cartel.
Esse fato se abriu para nós como questão, uma vez que percebemos que em tempos de pandemia com sua consequente modificação nas organizações de vida pessoal e trabalho, no tempo dos sujeitos e relações virtuais, poderia ser complicado encontrar alguém que aceitasse este convite prontamente. Como ponto dificultador, tínhamos o fato de não estarmos frequentando a Escola presencialmente, o que impossibita o contato pessoal e troca mais orgânica entre as pessoas.
Diante disso, achamos que o passo seguinte poderia ser entrar em contato com a Diretoria de Cartéis e Intercâmbio da Escola. Seguindo este caminho, liguei para Maricia, diretora de Cartéis e Intercâmbio da Seção Rio, que prontamente se colocou em interlocução comigo para pensar essa construção. Inicialmente, sugeriu que poderíamos novamente falar com a primeira pessoa contactada, na enunciação de nossa transferência com o trabalho dela. Em seguida, perguntou os outros nomes que pensamos e sugeriu que se com a primeira pessoa com quem entramos em contato de fato não conseguíssemos caminhar, poderíamos entrar em contato com esta ou aquela outra pessoa.
No meio deste caminho, pelo menos uma de nós se organizou para estar presente nas noites de conversas de “Procura-se cartéis”, promovida pela EBP-Rio. Vale dizer que participar destes encontros até hoje é um importante recurso em nossa construção de cartel.
Ao entrar em contato com outro membro da Escola, houve receptividade e disponibilização do contato telefônico. Liguei para ela e após a colocação do que poderia ser um impasse para a sua entrada no trabalho conosco, falou sobre nossa história ter lhe despertado interesse, igualmente ao tema e ao modo como nosso trabalho vinha acontecendo.
Após o aceite, entramos em expectativa de sua chegada ao grupo, mas sua agenda sempre cheia foi postergando este momento. Até que por algum tempo, houve um silêncio entre nós quatro e aquela que já considerávamos nossa Mais-um.
Ao contrário de ser um tempo ruim, se mostrou também interessante. Foi um tempo em que para cada uma de nós quatro foram se abrindo questões e modos de lidar com a espera e o silêncio. Foi um período de colocar a trabalho o que foi surgindo para cada uma sobre a função do Mais-um. Em meu ver, já havia começado o trabalho do Mais-um, que pelo fato de ainda não se fazer presente, já nos colocava dentro de um trabalho.
Neste mês de dezembro, a partir de uma outra ligação que fiz para nossa Mais-um com o intuito de entender como poderíamos avançar, a mesma falou um pouco sobre as razões de sua ausência, e reiterou seu desejo de estar conosco. Sua primeira ação foi nos enviar um texto que escreveu sobre o que entende sobre o exercício desta função, deixando para nós, a ideia de trabalharmos este ponto que parece inicial na montagem do cartel, o que me possibilitou olhar para o não fechamento de questões e entendimentos diante de um tema seja ele qual for.
Para mim se colocou que, como todas as construções da vida, o cartel carrega em si um caráter dinâmico e desafiador.
Sigo em frente.