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XXVII Jornada de Cartéis da EBP-MG – ARGUMENTO

ARGUMENTO

Lacan, em seu Ato de Fundação, postula que o trabalho de Escola seria o trabalho em cartel.  Pautado por essa baliza, no início do funcionamento da Escola, a dissolução de um cartel implicava na permutação dos seus membros para outros cartéis. Contudo, nas Escolas da Associação Mundial de Psicanálise, o trabalho é mobilizado por uma diversidade de atividades, sendo o cartel uma delas. Alguém pode se colocar a trabalho na Escola sem estar a trabalho em cartel, assim como as instâncias de direção e funcionamento sustentam a permutação como princípio regulador, fora do âmbito dos cartéis. Se podemos dizer que a dissolução de um cartel se descolou do princípio da permutação, como situar a dissolução na atualidade do trabalho de Escola?

A dissolução é um conceito central do campo da física, designando um processo no qual um soluto se dispersa em um solvente para formar, então, uma solução. Por sua vez, no campo da química, a dissolução pode referir-se, por exemplo, a casos em que uma reação química ocorre. Ou seja, quando a ação do solvente no soluto produz uma nova substância. Apenas nessas condições pode-se dizer que houve um fenômeno químico.

Lacan faz um uso particular desse significante ao propor a dissolução como solução para um problema de Escola. Com a dissolução, ele visa a dispersão dos efeitos de grupo para, logo em seguida, convocar a formação de novos cartéis, dispositivo que abriga em seu próprio funcionamento a dissolução. Nesse contexto, Miller pontua que a dissolução havia começado “há muito tempo”[1], desde quando a presença de Lacan se fez notar no meio psicanalítico. A partir dessa leitura, questionamos: a dissolução estaria em jogo desde o começo de um cartel? Como a dissolução se coloca como uma solução? E quanto ao ato de dissolver um cartel, trata-se de um encargo exclusivo do Mais-Um?

Para pensar a estrutura lógica implicada no ato de uma dissolução, destacamos sua relação com ao menos três elementos do processo: o tempo, a crise e o produto.

A articulação entre dissolução e tempo nos impulsiona a questionar: quando um cartel se dissolve? Se Lacan diz que seria “ao final pré-fixado de um ano, no máximo dois”[2], isso abriria um intervalo de tempo indeterminado, em que algo pode se precipitar.

Contudo, verificamos que, na Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Minas Gerais, a maior parte dos cartéis se encerra no momento em que se completam dois anos de funcionamento. Esse automaton excluiria a dimensão interpretativa da dissolução? Poderíamos considerar que há uma temporalidade lógica para o fim de um cartel, tal como se estabelece para formalizar o final de uma análise?

Quanto à relação entre crise e dissolução, partimos da hipótese de que o cartel comporta a crise como fator de estrutura. A etimologia da palavra “crise” remete a um momento crítico, quando algo oscila e uma decisão se impõe. Na perspectiva da psicanálise, poderíamos dizer que uma crise é o real desencadeado, impossível de dominar. Miller denomina a crise como “o equivalente, na civilização, àqueles furacões com que a natureza vem periodicamente lembrar à espécie humana sua precariedade, sua debilidade fundamental”[3]. No contexto de nossa investigação: a dissolução de um cartel é sempre efeito de uma crise? Poderíamos abordar a crise como o que, na química, faz função de catalisador, ou seja, elemento que acelera a dissolução, sem ser dissolvido no processo. E o mais importante: de que maneira as crises de trabalho e a própria dissolução podem produzir efeitos de formação?

Por fim, quanto à relação entre dissolução e produto, poderíamos dizer que há algo de insolúvel no dispositivo do cartel? Como nos ensina a química, um precipitado é um sólido que se forma dentro de uma solução, a partir da mistura de reagentes, e cuja característica principal é sua insolubilidade. Trata-se daquilo que se assenta após o acontecimento “dissolução” e que nos reenvia ao que resta. Lacan nos dá a fórmula: “Há-um[4]. Podemos pensar o produto de um cartel como o precipitado dessa “diz-solução”? Um produto, cuja heterogeneidade convoca uma enunciação, um depositado da experiência[5] que permite relançar ao trabalho?


[1] Miller, J-A. (1981) “Cinq minutes”. Paris: Acte de l’ECF, Actes du Forum, p.6.

[2] LACAN, J. (1980/ 2010). D’Écolage. Manual de cartéis. Belo Horizonte: Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Minas Gerais, Scriptum, p. 14.

[3] Miller, J-A. (2008). La crise financière vue par Jacques-Alain Miller. Entrevista concedida à revista Marianne, Paris.

[4] Lacan, J. (1971-72/2012). O Seminário, livro 19: … ou pior. Rio de Janeiro: Zahar, p. 151.

[5] Alberti, C. (2011). “Lacan homme de revues”. La Cause freudienne, 79, 83-87. Disponível em: https://shs.cairn.info/revue-la-cause-freudienne-2011-3-page-83?lang=fr

Neste texto, Alberti refere-se aos Escritos de Lacan, dizendo que eles “se dedicam a articular aquilo que se deposita da experiência” (p. 84, grifos nossos, no original: « ce qui se dépose de l’expérience »).

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