

o livro Baba de Moço do também autor pernambucano
Raimundo de Moraes. Flávia, junto a outros escritores
locais, participou da coletânea
Recife e outras partes
baixas do corpo
, lançada este ano. Atualmente, trabalha
na produção de uma fotonovela baseada numa de suas
crônicas eróticas chamada
Nhac
.
Flávia destaca nessa entrevista que “a literatura erótica
mobiliza as pessoas porque tem compromisso com a
verdade, quebra o pacto social do silêncio sobre algo que
é natural, é humano.”. Ela acrescenta: “Acredito que a
literatura sempre teve o seu lugar e penso também que
esse ‘boom’ das imagens, do livre acesso a conteúdos
pornográficos contribuiu para que as pessoas percam o
medo de acessar tais conteúdos e de mostrar que consome
esse tipo de produção para a sociedade. O interesse por
esse segmento literário sempre existiu, antes ele precisava
ser mantido em segredo. Agora as pessoas têm menos
“grilos”. E essa ruptura me parece que se deve à exposição
dos corpos, ao excesso de imagens e à liberdade que se
tem para acessar isso.”
Pudemos ainda compreender que, para alguns dos
escritores e consumidores deste segmento literário,
principalmente do gênero feminino, a mobilização que
se tem produzido nas pessoas deve-se exatamente ao
fato de essa produção apontar para questões como o
fortalecimento do feminino e o desejo pela liberdade
de conhecer e explorar as possibilidades de prazer no
próprio corpo. Outros ressaltam a contribuição social
desse ramo literário: a quebra de preconceitos, e a ruptura
entre o amor e o sexo, ampliando as possibilidades de
experiências. Em resumo, apontam que suas obras
permitem a desmistificação da atividade sexual, e
contribuem para o aumento de poder da figura feminina.
Nota-se como a autora acredita atender ao anseio
de liberdade do público e, ainda, mobilizá-lo com a
possibilidade de quebra da norma social sobre algo
natural e humano. Um compromisso com uma verdade
nua e crua. É interessante notar que a autora associa a
possibilidade dessa ruptura ao fato de que as pessoas
estejam menos “griladas” e à mercê da exposição dos
corpos, do excesso de imagens e do livre acesso a tudo
isso.
Mas, sabemos que essa cisão é sustentada na tentativa de
lidar com o fracasso de ter um contentamento perfeito
na junção do amor com o sexo. A literatura erótica
está presente no campo das artes desde o período da
Antiguidade Clássica e se apresenta como fonte de
fantasias, de esclarecimento quanto às práticas sexuais
e, além disso, coloca em destaque questões próprias
a cada época e cultura. Nos tempos atuais, contudo, a
busca desenfreada pelas ‘liberdades individuais’ produz
efeitos contraditórios na vida dos sujeitos, esvaziando os
semblantes que humanizam a sexualidade.
Miller 1, ao apresentar o tema do X Congresso da
Associação Mundial de Psicanálise, destaca que a clínica
da pornografia é característica do séc. XXI. Ele aponta
que “a difusão planetária da pornografia teve efeitos dos
quais o psicanalista recebe testemunhos. O que diz, o
que representa a onipresença do pornô no começo deste
século? Nada senão: a relação sexual não existe.” É isso
que se coloca em evidência nessa empolgação sobre a
exposição das práticas sexuais. E se reflete nos “costumes
das novas gerações, quanto ao estilo das relações sexuais”
em que apresentam “desencantamento, violência e
banalização”.
Assim, acreditamos que a indústria pornográfica
contemporânea tende a contaminar a literatura erótica, no
sentido de atuar como uma tentativa de tamponamento
do vazio que se instaura frente ao fracasso da relação
sexual. Compreende-se que essa liberdade sexual, buscada
com tanto afinco nos tempos de hoje e, supostamente,
encontrada no maior número de experiências sexuais
possíveis, desprovidas de qualquer significação, tem se
apresentado como um imperativo mortífero de gozo.
Entretanto, o livro de Flávia Gomes é pura poesia, com as
sonoridades e as rimas que guardam toda a força telúrica
do cordel. Assim – engano de Flávia – ela reveste de poesia
a verdade crua e nua da satisfação sexual desvinculada de
sentido e de fantasia.
Haveria por essa via, esse esforço de poesia, a possibilidade
de conjugar amor com sexo, no contexto contemporâneo
do império das imagens e da exposição dos corpos?
Cínthia Mendes
[Psicóloga/ Participante do Núcleo
de Pesquisa em Saúde Mental e Psicanálise]
1 Conferência pronunciada por Jacques-Alain Miller por ocasião do
encerramento do IX Congresso da Associação Mundial de Psicanálise
(AMP), 17 de abril de 2014.
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