Disciplina do Comentário – Stella Jimenez

“Sua paixão, a do transexual, é a loucura de querer livrar-se desse erro, o erro comum que não vê que o significante é o gozo e que o falo é apenas o significado” (Lacan, J. O seminário, livro 19… ou pior, p. 17)   Nesta frase Lacan continua trabalhando a questão que o move desde suas primeiras releituras de Freud: o que é o falo de que tanto se fala na teoria psicanalítica. Ele estava preocupado, nos anos 58-60, em se diferenciar da alcunha de falocêntrico que Jones tinha usado para denominar Freud. Assim, no seminário 6, ele explica que para ele o falo não é o órgão peniano, que o falo é um significante, o significante do desejo do Outro. Ele diz: “Porém, nós estamos muito longe de sustentar a posição falocêntrica que me imputam aqueles que ficam na aparência do que estou articulando”. [1] E um pouco antes: “Se há alguma coisa que o falo como significante significa é o desejo do desejo do Outro.”[2] O falocentrismo, então, do qual Lacan procura se diferenciar, seria a confusão do conceito de falo com o órgão peniano, que seria só mais um dos representantes do falo, como teria demonstrado Freud no seu texto: “As transmutações do instinto exemplificadas no erotismo anal”, de 1917.[3] No seu texto “A significação do falo”, um pouco anterior à aula do seminário 6 da qual acabo de falar, ele fazia referência à confusão dos analistas posteriores a Freud, perdidos por achar que este autor falava do pênis. Ele comenta que Jones nega o lugar privilegiado do falo dentro da estrutura psíquica achando que é um problema exclusivamente masculino (a fase fálica nas mulheres só seria secundária), já que a frase clássica de Jones é, mal citando a Bíblia: Deus os criou homem e mulher. Dos culturalistas, como Karen

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O falo e a x…* – Elisa Alvarenga (EBP/AMP)

“Jones girou muito tempo em torno desse problema, encarnado no que se supõe implicado pela perspectiva falocêntrica, a saber, a ignorância primitiva não só do homem, mas da própria mulher, no tocante ao lugar da conjunção, isto é, a vagina. Os desvios percorridos por Jones nesse caminho, em parte fecundos, embora inacabados, mostram a que visavam na invocação a que ele recorre, a famosa ele os criou homem e mulher, aliás muito ambígua”. (Lacan, J. O Seminário, livro 10. A angústia, p. 291). Lacan também girou muito tempo em torno de Jones e de sua posição anti-falocênctrica, na medida em que, junto a outros pós-freudianos, quis opor, ao falo para os boys, a x… para as girls[1]. A esse respeito, Lacan referiu-se a Jones na “Questão Preliminar”, em “A significação do falo”, na “Teoria do simbolismo de Ernest Jones”, em “Diretrizes para um Congresso sobre a sexualidade feminina” e, finalmente, em “O aturdito”. Jones, escolhido por Freud como seu biógrafo e aparentando dizer a mesma coisa que o mestre – que elas passam pela castração – acaba dizendo o contrário, ou seja, que elas nada teriam a ver com o falo, diz Lacan[2]. Por um lado, seu naturalismo invoca o Gênesis e a criação do homem e da mulher; por outro, sua leitura culturalista, como “paladino das feministas inglesas”[3], interpreta o falocentrismo como sustentado nos valores de uma sociedade machista, passando ao lado do falo como estruturante da posição do sujeito[4]. Para Lacan, “o falocentrismo … inteiramente condicionado pela intrusão do significante no psiquismo do homem, é estritamente impossível de deduzir de qualquer harmonia preestabelecida do dito psiquismo com a natureza que ele exprime”[5]. Os efeitos imaginários são discordantes de qualquer suposta normatividade própria ao instinto. Jones pensava que a fase fálica seria secundária e defensiva na mulher[6], desconhecendo a função imaginária do falo como

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Sobre o falo, o saber e as redes sociais

A “queda do falocentrismo” nos interroga tanto como fenômeno em si, como em suas possíveis “consequências para a psicanálise”. Tenho lido, ouvido e aprendido com colegas que exploram as nuances desse tema em torno do exercício do poder e da política, da partilha sexual, das relações econômicas, entre tantos outros. A partir daí, busco aqui explorar uma certa vertente de relação atual com o saber experimentada nas redes sociais, que ocupam um lugar central na compreensão da subjetividade de nossa época. Antes, um breve retorno. Scilicet e Facebook “Você pode saber o que pensa a Escola Freudiana de Paris”. Estampada na capa de Scilicet, a publicação lançada por Lacan em 1968, essa frase traduz o espírito que deveria orientar sua Escola. Me diverti ao pensar que o Facebook se inspirou em Scilicet: “No que você está pensando?” é a sua frase “de capa”, que nos convida permanentemente a publicar o que nos vem à mente. Hoje, você pode saber o que pensam não apenas a Escola Freudiana de Paris, mas também os mais de 2 bilhões de seres falantes que se servem da rede social. Entre a publicação do pensamento de uma Escola e a convocação feita pelo mestre contemporâneo, o que se alterou? Essa distante contraposição poderia jogar alguma luz sobre as mudanças nas dimensões imaginárias e simbólicas do falo? Para buscar isso, é preciso resgatar qual era o Outro de Lacan ao lançar sua revista. O ‘subtítulo’ de Scilicet não era um mero convite ao leitor. Anos antes, em “A situação da psicanálise em 1956”, Lacan havia descrito com acidez e irreverência o funcionamento da IPA, através de alguns personagens anedóticos. Ali, o único gradus a operar era aquele da “Suficiência”, que “encontra-se para-além de qualquer comprovação” e “não tem que bastar para nada, já que basta para si mesma”[1]. Sob elas, encontram-se os “Sapatinhos apertados”, que tampouco têm algo a

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O falocentrismo: cai ou não cai? Tomara que caia*

O falocentrismo: cai ou não cai? Tomara que caia Eis a atual querela do falo? Na maravilhosa canção de Cole Porter, cai-se[1] no amor com a relação sexual generalizada. Let’s do it, let’s fall in love. Como disse Lacan falando com as paredes, o discurso capitalista não leva a cair no amor, mas sim fora dele. Porter não funciona como oráculo do século XXI. Caem os muros, as torres, a Bolsa, os ideais, os imperativos, os SsS e, como sempre as carnes, até as lágrimas de amor. Justamente hoje li no El Pais que “todos os dicionários das grandes línguas têm visto a sua queda”[2].  O isso cai (ça tombe) se substitui pelo isso gira (ça tourne) do discurso capitalista, e a queda é causada pela própria astúcia desse discurso. É uma hipótese de um colega da ECF, Rodolphe Adam, que fala da física do parlêtre[3] sujeito à lei da gravidade. Alguns anos atrás, Gérard Wajcman foi curador de uma exposição sobre o que cai no Palais de Tokyo em Paris: Conversations sur tout ce qui tombe-All that falls[4]. Ele considerou o século XXI como o século do que cai, um século de precipitações. Abundantes, desde o zênite, sobre nossas cabeças. Mas isso nem sempre é uma má notícia. A arte contemporânea aposta na queda, no sublime de baixo. Heloisa Caldas escrevia, faz anos, que a arte não só cai, mas recai, na mesma maravilhosa Latusa 17[5] sobre a sublimação, na qual Marcus André Vieira demonstrava a falácia da maravilhosa canção A girar, que maravilha e o Rio começava a escrever sobre sua queda. Há quedas necessárias: o crepúsculo dos ídolos e a queda do falocentrismo, acho que se inscrevem aí. Um Einfall generalizado e bem-vindo. A Wikipedia diz que o falocentrismo é uma ideologia. Nós supostamente desenvolvemos urticária contra elas. Sai, Weltanschauung! – dizemos em parco alemão freudiano. De bom grado, dizemos: não é um conceito

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Disciplina do Comentário – Carlos Augusto Nicéas (EBP/AMP)

“Já em “Subversão do sujeito e dialética …”, Lacan termina dizendo: a castração significa que o gozo precisa ser recusado, para que possa ser atingido”. Não devemos nos hipnotizar sobre a recusa do gozo, isso é o que acontece, digamos, na lógica da castração. O termo importante é a ideia de que ele pode ser atingido, ou seja, podemos sair do teatro do sacrifício fálico.” MILLER, J.-A. Perspectivas dos escritos e outros escritos de Lacan. Entre desejo e gozo. Rio de Janeiro, Zahar, 2011, p. 183.   A citação está no final da lição 13 do Curso de Jacques-Alain Miller Coisas de fineza em psicanálise, de 2008-09, que queria resgatar “o fio de prumo da prática da psicanálise” por um “retorno a Lacan”. Ela se abre pela lembrança de uma “passagem” de Miller em sua relação ao ensino de Lacan: antes “colado” aos seus termos, ao declará-lo um ensino que encontrou sua finitude, ele se autorizou a ressignificá-lo. A lição prossegue sua elaboração da relação na experiência entre verdade e gozo, “significantes-mestres que ordenam de modo distinto o ato analítico” sobre os quais ele lançará “um outro olhar”. Da verdade, que no começo do ensino de Lacan designava um registro, uma inscrição “na continuidade de uma história”, ele nos lembra que a expressão “história do sujeito” correspondia ao termo “inconsciente”: não podendo se dizer, o inconsciente era “o capítulo de minha história que é marcado por um branco ou ocupado por uma mentira”. Correlação essencial entre inconsciente e uma história como lugar da verdade, “antônimo do recalque”, palavra de “uso completamente exterior à mentira: a verdade ou a mentira”, sobre a qual Miller vai incidir ressignificando o lugar da verdade a partir de um último escrito de Lacan onde se lê a expressão ‘verdade mentirosa’. Ela o conduz a reconfigurar a

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Sobre o destino do falo na perspectiva do sinthoma

A função do Pai mudou e com isso a “bússola fálica perdeu seu brilho e seu caráter operatório”[i]. Nesse sentido, os semblantes que costumavam acolher um modelo de identificação regulado pelo pai da tradição, e pelo Ideal, tornaram-se precários para abordarmos os modos de situar a pulsão na atualidade. “Novos modos de respostas surgem, novas formas de viver a pulsão, novas maneiras de conexão com o Outro que não passam apenas pelo falo, pelo Édipo e pela castração… tal operação parece se servir menos da identificação como um modelo e mais da presença real de um encontro contingente, entre palavras e corpos, cujo modo de inscrição abre alas para passagem do que é próprio de cada um”.[ii] Quer dizer que, para cada um, há um real inassimilável, um limite do pai. A descrença no universal do Pai modifica a clínica e o falo tem se mostrado menos eficaz em sua função de significante da diferença sexual. O que é ser homem ou mulher, como criar os filhos, como amar, como viver a pulsão na atualidade, tudo isso questiona a ordem fálica. Pergunto sobre as consequências dessas mudanças, onde a sinthomatização do sexual não está referida apenas à castração. Há de fato um novo paradigma, que evidencia que algo do objeto resta fora da significação sexual dada pelo fálico. O falo apresenta diversas leituras ao longo da obra de Freud e de Lacan, desde a sua condição de significante, presença e ausência, entre ter e ser, deslizando quanto à posição do sujeito, quanto ao seu desejo e ao desejo do Outro. Inicialmente, em seu texto “A significação do falo” [iii], Lacan demonstra que o complexo de castração inconsciente tem uma função de amarração fundamental. O falo como produto da operação “Nome do Pai” enlaça o Édipo, a castração, o sintoma, a linguagem e

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Que nomeação advém da queda do falocentrismo?

Freud anunciou que a clínica psicanalítica teria que se haver com os restos irredutíveis do gozo e com a presença de um supereu feroz. O caminho de Lacan seguiu essa direção e depois de construir a estrutura da supremacia do significante com seu efeito de sujeito, terminou colocando a relação com o gozo como central na experiência psicanalítica e formulando que todo é mundo louco. No seminário 21 ele formula um “recomeço” com a valorização do imaginário como modo de abordar o real e uma maneira nova de tomar o simbólico parasitário. Uma das maneiras de pensarmos essa mudança na clínica é dizer que estamos diante da queda do falocentrismo. Partimos da constatação de que o discurso do neurótico para se defender do real não é mais a norma e não nos basta, em nossa prática, enlaçar o sintoma, o inconsciente e o gozo fálico. Quando a metáfora paterna é inoperante, a libido deixa de se concentrar na significação fálica. Ela se dispersa em distintas localizações no corpo, provoca uma série de acontecimentos desordenados, e às vezes se concentra num nome que é índice do ser do sujeito, o que encontramos em Schreber com o nome de voluptuosidade da alma. Temos uma clínica orientada pela fantasia, clínica masculina, do Outro e da significação fálica e outra que não dispõe desse recurso, clínica do sinthoma, clínica feminina do não-todo, clínica sem o Outro, do Um sozinho, na qual o enlaçamento transferencial e com a palavra vai se fazer pela nomeação e não pela construção de cadeias significantes que permitam o retorno do recalcado e a localização de um sujeito e um objeto. Marie-Hélène Brousse retoma a indicação de Lacan de que encontramos no contemporâneo uma lei de ferro onde o Nome do Pai deu lugar ao nomear para, um novo lugar

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Uma precisão sobre o gozo fálico no Seminário 23

“O gozo peniano advém a propósito do imaginário, isto é, do gozo do duplo, da imagem especular, do gozo do corpo. Ele constitui propriamente os diferentes objetos que ocupam as hiâncias das quais o corpo é o suporte imaginário. O gozo fálico, em contrapartida, situa-se na conjunção do simbólico com o real. Isso na medida em que, no sujeito que se sustenta no falasser, que é o que designo como sendo o inconsciente, há a capacidade de conjugar a fala e o que concerne a um certo gozo, aquele dito do falo, experimentado como parasitário, devido a essa própria fala, devido ao falasser” LACAN, J. [1975-76] O seminário, livro 23: o sinthoma. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2007, p. 55) Uma precisão sobre o gozo fálico no Seminário 23 Nessa passagem do Seminário 23, Lacan faz uma diferença entre o gozo peniano e o gozo fálico. Essa diferença, no entanto, deve ser situada considerando o esquema que ele apresenta na página anterior, no qual ele faz surgir três campos centrais resultantes do enlaçamento dos registros do Real, do Simbólico e do Imaginário. O primeiro desses campos, (J de A barrado), situado entre Real e Imaginário, designa o gozo do Outro barrado e não só demonstra a inexistência do Outro, mas demarca que essa inexistência também recai sobre o gozo: “O gozo do Outro do Outro, não é possível pela simples razão de que não existe”[1]. Assim, no que diz respeito ao gozo, não encontramos aqui, em J de A barrado, nenhuma ordem de existência, e é sob o fundo dessa não existência que devemos entender todo o resto. Em outras palavras, essa não existência é o suporte do que pode existir, é o suporte do inconsciente tomado como falasser. Assim, por força dessa inexistência, com relação ao falasser, restam apenas duas existências possíveis para o gozo:

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Que nomeação advém da queda do falocentrismo?

Freud anunciou que a clínica psicanalítica teria que se haver com os restos irredutíveis do gozo e com a presença de um supereu feroz. O caminho de Lacan seguiu essa direção e depois de construir a estrutura da supremacia do significante com seu efeito de sujeito, terminou colocando a relação com o gozo como central na experiência psicanalítica e formulando que todo é mundo louco. No seminário 21 ele formula um “recomeço” com a valorização do imaginário como modo de abordar o real e uma maneira nova de tomar o simbólico parasitário. Uma das maneiras de pensarmos essa mudança na clínica é dizer que estamos diante da queda do falocentrismo. Partimos da constatação de que o discurso do neurótico para se defender do real não é mais a norma e não nos basta, em nossa prática, enlaçar o sintoma, o inconsciente e o gozo fálico. Quando a metáfora paterna é inoperante, a libido deixa de se concentrar na significação fálica. Ela se dispersa em distintas localizações no corpo, provoca uma série de acontecimentos desordenados, e às vezes se concentra num nome que é índice do ser do sujeito, o que encontramos em Schreber com o nome de voluptuosidade da alma. Temos uma clínica orientada pela fantasia, clínica masculina, do Outro e da significação fálica e outra que não dispõe desse recurso, clínica do sinthoma, clínica feminina do não-todo, clínica sem o Outro, do Um sozinho, na qual o enlaçamento transferencial e com a palavra vai se fazer pela nomeação e não pela construção de cadeias significantes que permitam o retorno do recalcado e a localização de um sujeito e um objeto. Marie-Hélène Brousse retoma a indicação de Lacan de que encontramos no contemporâneo uma lei de ferro onde o Nome do Pai deu lugar ao nomear para, um novo lugar

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Uma precisão sobre o gozo fálico no Seminário 23

“O gozo peniano advém a propósito do imaginário, isto é, do gozo do duplo, da imagem especular, do gozo do corpo. Ele constitui propriamente os diferentes objetos que ocupam as hiâncias das quais o corpo é o suporte imaginário. O gozo fálico, em contrapartida, situa-se na conjunção do simbólico com o real. Isso na medida em que, no sujeito que se sustenta no falasser, que é o que designo como sendo o inconsciente, há a capacidade de conjugar a fala e o que concerne a um certo gozo, aquele dito do falo, experimentado como parasitário, devido a essa própria fala, devido ao falasser” LACAN, J. [1975-76] O seminário, livro 23: o sinthoma. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2007, p. 55) Uma precisão sobre o gozo fálico no Seminário 23 Nessa passagem do Seminário 23, Lacan faz uma diferença entre o gozo peniano e o gozo fálico. Essa diferença, no entanto, deve ser situada considerando o esquema que ele apresenta na página anterior, no qual ele faz surgir três campos centrais resultantes do enlaçamento dos registros do Real, do Simbólico e do Imaginário. O primeiro desses campos, (J de A barrado), situado entre Real e Imaginário, designa o gozo do Outro barrado e não só demonstra a inexistência do Outro, mas demarca que essa inexistência também recai sobre o gozo: “O gozo do Outro do Outro, não é possível pela simples razão de que não existe”[1]. Assim, no que diz respeito ao gozo, não encontramos aqui, em J de A barrado, nenhuma ordem de existência, e é sob o fundo dessa não existência que devemos entender todo o resto. Em outras palavras, essa não existência é o suporte do que pode existir, é o suporte do inconsciente tomado como falasser. Assim, por força dessa inexistência, com relação ao falasser, restam apenas duas existências possíveis para o gozo:

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