“Jones girou muito tempo em torno desse problema, encarnado no que se supõe implicado pela perspectiva falocêntrica, a saber, a ignorância primitiva não só do homem, mas da própria mulher, no tocante ao lugar da conjunção, isto é, a vagina. Os desvios percorridos por Jones nesse caminho, em parte fecundos, embora inacabados, mostram a que visavam na invocação a que ele recorre, a famosa ele os criou homem e mulher, aliás muito ambígua”.
(Lacan, J. O Seminário, livro 10. A angústia, p. 291).
Lacan também girou muito tempo em torno de Jones e de sua posição anti-falocênctrica, na medida em que, junto a outros pós-freudianos, quis opor, ao falo para os boys, a x… para as girls[1]. A esse respeito, Lacan referiu-se a Jones na “Questão Preliminar”, em “A significação do falo”, na “Teoria do simbolismo de Ernest Jones”, em “Diretrizes para um Congresso sobre a sexualidade feminina” e, finalmente, em “O aturdito”. Jones, escolhido por Freud como seu biógrafo e aparentando dizer a mesma coisa que o mestre – que elas passam pela castração – acaba dizendo o contrário, ou seja, que elas nada teriam a ver com o falo, diz Lacan[2]. Por um lado, seu naturalismo invoca o Gênesis e a criação do homem e da mulher; por outro, sua leitura culturalista, como “paladino das feministas inglesas”[3], interpreta o falocentrismo como sustentado nos valores de uma sociedade machista, passando ao lado do falo como estruturante da posição do sujeito[4].
Para Lacan, “o falocentrismo … inteiramente condicionado pela intrusão do significante no psiquismo do homem, é estritamente impossível de deduzir de qualquer harmonia preestabelecida do dito psiquismo com a natureza que ele exprime”[5]. Os efeitos imaginários são discordantes de qualquer suposta normatividade própria ao instinto. Jones pensava que a fase fálica seria secundária e defensiva na mulher[6], desconhecendo a função imaginária do falo como pivô do processo simbólico em ambos os sexos.
Se o problema se coloca em 1958 na “Questão preliminar”, em 1960, em “Diretrizes”, Lacan dedica o item V à obscuridade do órgão vaginal. A fisiologia se confessa incapaz de desvendar o gozo feminino e a oposição trivial entre gozo clitoridiano e satisfação vaginal acaba gerando a reivindicação do orgasmo vaginal, cuja natureza, diz Lacan, “guarda invioladas suas trevas”[7]. Jones, aderindo aos conceitos kleinianos, teria reduzido o desconhecimento primário do sexo feminino, constatado por Freud, ao preconceito da dominância do natural, atestada pela citação do Gênesis, fazendo recuar a feminilidade até a agressão oral[8].
Que consequências para a psicanálise? Voltando ao Seminário 10, Lacan introduz seu comentário sobre Jones em 05.06.63, evocando as preocupações dos psicanalistas com o problema da união do homem e da mulher. Acabamos de ver os desvios percorridos por Jones no caminho da perspectiva falocêntrica e da ignorância da vagina como lugar da conjunção sexual. Se ele invoca uma perspectiva naturalista – Deus os criou homem e mulher, essa a partir da costela daquele[9] – ou culturalista machista, porque Lacan considera esses desvios fecundos?
No campo abarcado pelo homem e pela mulher, no sentido bíblico do seu conhecimento um do outro, diz Lacan, a zona a que seus desejos os levam caracteriza-se pela falta do que seria seu meio: o falo, quando atingido, aliena um do outro. O homem toma a mulher como símbolo fálico justamente quando ela não é mais a mulher. E a mulher, com o Penisneid, toma o falo pelo que ele não é: o objeto a ou o pequeno phi dela, que lhe dá um gozo aproximado do que ela imagina do gozo do Outro. Ela só pode gozar de (j) por ele não estar onde seu gozo pode realizar-se[10]. O falo não está onde é esperado, exigido, para a mediação genital, ele só aparece como falta, e é aí que surge a angústia[11]. A ilusão da reivindicação gerada pela castração encobre a angústia prezentificada pela atualização do gozo, confundida com os instrumentos do poder. Mas a impotência destina o ser humano a só poder gozar com uma potência enganosa[12]. Ou seja, “o suporte do desejo não foi feito para a união sexual”[13]. Por mais que Jones e alguns pós-freudianos queiram fazer existir um equivalente feminino, complementar ao falo, para a conjunção genital.