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19

O QUE SE OPÕE AO DISCURSOS ANALÍTICO

2014

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Editora: CRISTINA DUBA

Editorial

Este número de Latusa, 19, tem como tema SAMCDA, o que se opõe ao discurso analítico. Esta sigla, SAMCDA (sociedade de assistência mútua contra o discurso analítico), tal como inventada por Lacan em Televisão[1], visa a nomear o agrupamento institucional – a IPA – que, naquele momento, representava para Lacan aqueles que se opunham ao discurso analítico. Com seu poder de redução, àquele tempo, evocava mais do que nunca o caráter institucional e organizado das resistências e oposições que paralisavam os psicanalistas face às tentações de hierarquia e de poder.

Trazendo a marca do humor e da ironia de Lacan ao frisar a natureza solidária que marcava sua organização, SAMCDA nos serviu nesse número de Latusa para designar também um campo diversificado de resistências e desvios que se mantiveram e floresceram nessa já longa história da psicanálise e, sobretudo, aquelas que se anunciam nesses novos tempos. Ao tomá-la na força de uma sigla, visamos preservar algo de seu caráter enigmático que nos propõe uma reflexão, uma decifração, ao mesmo tempo que guarda uma face de invenção ao nomear um campo muito próprio.

Assim, ao trazê-la à cena de Latusa, quisemos contribuir com nosso quinhão para o revigoramento entre nós da chama que mantém acesa no mundo a psicanálise lacaniana, ao retomar os fundamentos da invenção freudiana e a crítica de seus desvios, tal como apontada por Lacan. A reevocação desta sigla no discurso de entrada do presidente atual da AMP (Associação Mundial de Psicanálise) Miquel Bassols, por ocasião da XIV Assembleia Geral da AMP em 2014, em Paris, além de nos servir para situar o lugar da AMP nesse contexto, nos põe novamente em alerta para a presença incessante do que se opõe ao discurso analítico, fora de nós e entre nós:

Se a AMP fosse uma corporação de praticantes sabiamente reunidos em torno dos enigmas oriundos da prática inventada por S. Freud, a utilizar bem o poder e as molas propulsoras dessa prática, não vejo o que a distinguiria, finalmente, de um colégio profissional, de uma academia de praticantes formando-se à sombra de supostos experts, também não vejo o que a distinguiria daquela SAMCDA – sociedade de ajuda mútua contra o discurso analítico – que J. Lacan encontrou na instituição herdeira de S. Freud e contra a qual, com seu ensino se lançou à reconquista do campo freudiano.

Reconheçamos de entrada que o contexto do nosso tempo exerce uma pressão constante neste sentido, ou seja, que o Outro com quem a psicanálise tem que se haver neste século aumenta e aumentará progressivamente suas exigências e suas condições para identificar, normatizar, regular, objetivar o humano e suas formas de existência.[2]

Uma palavra sobre a realização desse número. Ele contou com a participação entusiasmada de uma comissão editorial sempre disposta ao muito trabalho e com boas ideias. Além disso, pudemos contar com a contribuição generosa da editora anterior, Ana Lucia Lutterbach-Holck, que, de várias maneiras esteve presente. Mantivemos a prática inaugurada por esta nossa antecessora, realizando uma reunião prévia com colegas convidados, entre os quais Ana Lúcia, e também de Ana Teresa Groisman, Angela Bernardes, Glória Maron, Isabel do Rêgo Barros Duarte, Ondina Machado, além dos membros da equipe editorial, para discussão do tema proposto. Tivemos também outros interlocutores em outros momentos, entre os quais, Marcus André Vieira e Romildo do Rêgo Barros, que contribuíram de forma preciosa para a realização desse número. A estes e muitos outros colegas devemos agradecimentos.

O leitor poderá encontrar ao longo da revista as ricas reflexões de nossos colegas, a quem sobretudo agradecemos, reunidas nas seções Escola, Psicanálise na cidade, Nas instituições, Psicanálise e civilização, O real no coração da psicanálise, Passe. Em seção própria, o Instituto de Clínica Psicanalítica traz sua valiosa contribuição.  Contamos também com a participação dos autores do Campo freudiano, membros da AMP, Clotilde Leguil, François Ansermet, Jean-Claude Stavy, Marina Recalde e Stella Harrison, a quem especialmente agradecemos a gentil e generosa contribuição.

O leitor poderá acompanhar também o fio que percorre a escolha dos artigos, sua disposição nas seções, entrelaçando-os numa trama que os une ao mesmo tempo que os separa, por suas diferenças e propriedades. Trama que só descobrimos a posteriori, pois tudo sofre os efeitos do real.

Esperamos que o leitor possa se servir de Latusa 19 como de um objeto que, mais do que útil e manejável, contribua para sustentar as inquietações que suscitam o trabalho analítico e o frescor da presença da psicanálise no mundo.

Boa leitura a todos.


[1] Lacan, J. Televisão. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 18.
[2] Discurso do Presidente entrante em: www.wapol.org. Acesso: 11 ago 2014.

SUMÁRIO

EDITORIAL

CRISTINA  DUBA

ESCOLA

SAMCDA e o pecado do analista
CARLOS  AUGUSTO NICÉAS

Entre  SAMCDA  e  CAMCDA
ANDREA VILANOVA

O santo que ri
CRISTINA  BEZERRIL

Por uma política da psicanálise além dos salões dos espelhos
MARIA  SILVIA  G.  F. HANNA

Desejo do analista e desejo de Escola
MARIA  ANGELA  MÁRSICO MAIA

Política da diferença
ELZA  MARQUES  LISBOA  DE FREITAS

De que os analistas têm medo?
MARIA DO ROSÁRIO COLLIER DO RÊGO BARROS

PSICANÁLISE NA CIDADE, NAS  INSTITUIÇÕES

Psicanálise na cidade: a arte do encontro
GLÓRIA MARON

Há lugar para o discurso do analista em uma instituição total?
FLAVIA  BRASIL  LIMA

Intocáveis: sobre a marca da deficiência e a psicanálise no campo da reabilitação
FLAVIA  BONFIM

TDAH e burnout: incidências dos discursos capitalista e da ciência na educação
MARINA  SODRÉ  MENDES BARROS

PSICANÁLISE  E CIVILIZAÇÃO

Viva melhor!
PAULO VIDAL

SAMCDA generalizada
STELLA  MARIS  JIMENEZ

Crer no sinthoma: a psicanálise na civilização da ciência aliada ao capitalismo
PAULA LEGEY

SAMCDA: o  discurso cientificista da  terapia cognitivo-comportamental
CHRISTIANO  MENDES  DE LIMA

Contra os estereótipos acerca da psicanálise no século XXI
CLOTILDE LEGUIL

O REAL NO CORAÇÃO DA PSICANÁLISE

E ela escolheu
STELLA  HARRISON

O órgão, o vivo e o parasita
YVES- CLAUDE STAVY

Os filhos da ciência
FRANÇOIS ANSERMET

PASSE

Traço e rede
MARCUS  ANDRÉ VIEIRA

Novo uso do sinthoma
MARINA RECALDE

INSTITUTO  DE  CLÍNICA PSICANALÍTICA

Notas sobre O estádio do espelho como formador da função do eu
MARCIA ZUCCHI

RESUMOS / ABSTRACTS