REVISTA AGENTE
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NÚMERO / EDIÇÃO
21
ANO
2024
ISSN
2318-6054
SUMÁRIO:
Editorial
Marcela Antelo & Luiza Sarno
LEITURAS O seminário, livro 16
Saber Gozo
Fátima Sarmento
Gödel, o teorema da decidibilidade e Lacan: Articulações a partir do Seminário 16, De um Outro ao outro (1968/1969)
Graziela Pires
A extasiante ignomínia da Homela
Iordan Gurgel
Um caniço pensante e sua aposta
Milena Nadier
Por que a debilidade interessa à Psicanálise?
Mônica Hage
DESEJOS
Desejo: mostra a sua cara! Argumento para a XXVII Jornada da EBP-BA e XXIII Jornada do IPB
Aléssia Fontenelle
Outro Ex Machina
Bruno Emanuel Ramos de Oliveira
O desejo na cidade
Giovana Reis Mesquita
O desejo e a bola de ferro: uma leitura topológica do desejo
Luiz Mena
SILÊNCIOS
O silêncio das sereias
Gerardo Battista
A erótica do silêncio de Robert Fliess
Juan Julián Lastra
LOUCURAS
Laranjas são a Única fruta
Joanne Conway
“O Peito de Andy”, ou “Nada Especial”
Pamela King
Separação em Ato
Peggy Papada
ENSAIOS
A criança, entre a despatologização e o diagnóstico
Alice Delarue
Qual uso possível dos nós lacanianos?
Anne Colombel-Plouzennec
“Como pode alguém se dedicar a satisfazer esses casos de urgência?”
Luiz Felipe Monteiro
Ódio e segregação
Marcela Antelo
A psicanálise nas instituições na era da despatologização e da generalização do déficit
Mathieu Siriot
SESSÃO NOTURNA
Bruta aventura em versos Sessão Noturna: Psicanálise & Audiovisual
Ana Lucia Lutterbach
AUTORES AGENTE 21
TRADUTORES AGENTE 21
NORMAS DE PUBLICAÇÃO
EDITORIAL
Marcela Antelo
Com este número 21, número de virada de década, queremos testemunhar da nossa simpatia pelos 500.000 catadores de matéria registrados no Brasil. Resíduos sólidos ressoam no conceito da letra lacaniana. Chamamos letra “a estrutura essencialmente localizada do significante”[1].
A partir da homofonia de Joyce, Lacan enuncia: “A letter, a litter; uma letra, um lixo”[2]. Dizemos simpatia, mas constatamos identificação. A Agente se faz catando resíduos sólidos que poderão ou não ser recicláveis se comovem um leitor. De apresentações, debates, congressos, leituras, conversações, exibições, lá vamos nós a catar, selecionar e colocar a rodar. Como coordenadas de navegação nesse mar de significantes, propomos seis eixos: Leituras do Seminário 16, Desejos, Silêncios, Loucuras, Ensaios e Sessão Noturna.
A travessia realizada através da leitura do Seminário 16 no decorrer do Seminário de Formação Permanente da Seção Bahia permitiu delinear o deslocamento que Lacan realiza em direção ao seu último ensino. Fátima Sarmento localiza duas subversões introduzidas por Lacan no capítulo XX, “Saber Gozo”: primeiro, uma leitura lógica da fórmula “o significante representa o sujeito para outro significante”, localizando a origem do sujeito como um efeito de gozo; depois, a elaboração do objeto a como enforma do Outro, ou seja, como molde, que fixa condições tanto do desejo como da satisfação pulsional. O texto de Graziela Pires apresenta o uso realizado por Lacan, no Seminário 16, do teorema da incompletude de Gödel, que possibilitará a elaboração, no Seminário 20, das fórmulas da sexuação. Iordan Gurgel delineia no comentário do capítulo XXV, “A extasiante ignomínia da homela”, a relação da mulher com seu outro gozo, com sua posição de objeto a, causa do desejo, além de sinalizar elaborações que possibilitarão a construção dos quatro discursos no seminário seguinte. Milena Nadier se debruça em outro pensador evocado nesse seminário, tratando a aposta de Pascal através dos conceitos de repetição e perda. Orientada pela pergunta “Por que a debilidade interessa à Psicanálise?”, Mônica Hage situa a introdução do termo “Debilidade” como conceito a partir do Seminário 16. Seguindo os rastros dos deslocamentos realizados por Lacan sobre esse tema, Hage localiza no Seminário 24 uma generalização ao afirmar que se não formos loucos, seremos todos débeis.
No eixo Desejo, temos o Argumento escrito por Aléssia Fontenelle para as Jornadas da EBP – Seção Bahia e do IPB, que ocorreram em 2023 sobre o desejo. Realizando um percurso cuidadoso sobre as concepções do desejo no decorrer da obra de Freud e do ensino de Lacan, o argumento suscita diversas questões sobre o paradeiro do desejo em nossa época e como isso reverbera na nossa clínica. Bruno Oliveira questiona o lugar na Psicanálise, num mundo em que o avanço da IA promete constituir um “Outro ex machina” onipotente e onipresente. Giovana Mesquita escreve um ensaio sobre as correlações entre Psicanálise e cidade, principalmente no que tange à questão do desejo. Ao refletir sobre a subjetividade na cidade organizada a partir do discurso capitalista, a autora toma a cidade de Seul como paradigma. Finalizando esse eixo, Luiz Mena propõe uma leitura topológica do desejo, apontando que “a psicanálise revela que os caminhos tortuosos do falasser em sua relação com o desejo seguem uma perspectiva não euclidiana, mas moebiana, quando as fronteiras não são claras, quando não sabemos definir qual é o objeto, nem se ele está dentro ou fora, e nem se ele é bom ou ruim”.
É no entorno do Silêncio, questão difícil, porém inerente à clínica, que apresentamos o terceiro eixo com os trabalhos de Gerardo Battista e Juan Julián Lastra. Battista recorre à pintura A voz, de Edvard Munch, e ao conto de Franz Kafka, “O silêncio das sereias”, para apreender as tramas que constituem o Supereu contemporâneo. Lastra destaca que nem todo o silêncio em análise é equivalente, ocorrendo diferentes tipos de silêncio. Para avançar sobre o tema, propõe tomar o texto de Wilhelm Fliess, “Silêncio e verbalização. Suplemento à teoria da ‘regra analítica’”, como orientação para apreender algo do objeto voz no silêncio em análise e no ensino de Lacan.
Uma leitura clínica sobre a biografia de Andy Warhol e dois casos clínicos compõem os textos do quarto eixo: Loucuras. Seguindo os traços da biografia de Andy Warhol, Pamela King busca apreender seu percurso enodando, desenodando e re-enodando a imagem, o corpo e a sua obra, visando elevar o Nada à dignidade da Coisa. Joanne Conway tangencia um impasse da clínica através de um caso de anorexia: “Como extrair o sujeito de um ideal tão delirante simultaneamente defendendo sua própria solução delirante?”. O caso clínico apresentado por Peggy Papada aponta como um acting out, que quase interrompeu o processo analítico, pôde ser manejado, levando a analisante a dar um contorno a sua “loucura”.
O quinto eixo, denominado Ensaios, nos permite avançar em águas profundas, possibilitando acompanhar as elaborações dos autores sobre questões atuais e cruciais. Alice Delarue, utilizando os conceitos de alienação e separação como bússolas, realiza uma reflexão crítica sobre a mudança de perspectiva no tratamento da psicose infantil. Anne Colombel-Plouzennec busca ler um caso clínico, cuja queixa era os ciúmes, através da teoria lacaniana dos nós, pautando seu texto na interrogação “Qual uso possível dos nós lacanianos?”. O texto de Luiz Felipe Monteiro traz contribuições sobre os modos de apreender a urgência na clínica psicanalítica, através de uma leitura minuciosa do “Prefácio à edição inglesa do Seminário 11”, de Lacan. Marcela Antelo mapeia os deslocamentos realizados por Freud e por Lacan em torno de dois temas presentes no mal-estar contemporâneo: ódio e segregação. Finalizando os ensaios, temos Mathieu Siriot evidenciando, a partir do último Lacan, que a “nova conduta clínica” pautada numa abordagem neuronal é apenas uma repetição de uma abordagem iniciada há dois séculos.
O sexto e último eixo apresenta uma Sessão Noturna, onde Marcela Antelo e Ana Lucia Lutterbach, orientadas pelo tema do XIV Congresso Mundial da AMP, “Todo mundo é louco”, comentam um documentário sobre Ana Cristina Cesar e sua obra. Ana Lucia Lutterbach aponta que algo de um despertar provocado pela obra de Ana Cristina se aproxima dos efeitos da experiência de transmissão do passe.
A capa deste número volta a trazer o significante identificação à baila. A artista isola um traço na figura de Jacques Lacan, primeiro movimento da arte da caricatura, e na contracapa, voltamos a praticar um corte, uma extração, fazendo das volutas do cigarro torto de Lacan o objeto bússola. Freud fala da caricatura e seu efeito cômico submetido a uma condição: “Esse efeito sujeita-se à condição de que não nos mantenhamos em atitude reverente na presença real do objeto eminente”[3]. A força da caricatura[4] e seus segundo e terceiro movimentos – a fragmentação e a reconstituição idealizada – nos fazem descobrir a diferença cômica, fonte de nosso prazer.
Ao que parece, as caricaturas constituíam um regozijo para Freud. Como podemos ler na página 526 dos Escritos, “Para interpretar o inconsciente como Freud, seria preciso, como ele, ser uma enciclopédia das artes e das musas, além de leitor assíduo das Fliegende Bliitfe”[5], pasquim de Munique ilustrado com caricaturas.
A contracapa quer testemunhar nossa modéstia face ao contingente que perturba as coordenadas que se pretendem precisas. Encontramos umas volutas da fala ou filacteras, pergaminhos ilustrados a denotar falas ou outros tipos de som. Alegrou-nos encontrar os Amantes de Gotha, realizado provavelmente por volta de 1480 e de autor indefinido. Primeiro retrato alemão de diálogo entre profanos que ilustra que as volutas de fala giram ao redor do mal-entendido, excelente periscópio para o próximo número de Agente, que provavelmente girará convulsionado ao redor de nosso hashtag A relação sexual não existe. #RSNE.