Referências Eixo 2: O analista frente ao discurso de ódio segregador e a nova lógica coletiva – primeira entrega
Colaboradores: Lídia e Paulo
FREUD
- “Teremos de considerar se os grupos com líderes talvez não sejam os mais primitivos e completos, se nos outros uma ideia, uma abstração, não pode tomar o lugar do líder (estado de coisas para o qual os grupos religiosos, com seu chefe invisível, constituem etapa transitória) e se uma tendência comum, um desejo, em que certo número de pessoas tenha uma parte, não poderá, da mesma maneira, servir de sucedâneo. (…) O líder ou a ideia dominante poderiam também, por assim dizer, ser negativos; o ódio contra uma determinada pessoa ou instituição poderia funcionar da mesma maneira unificadora.” (p. 127)
FREUD. S. “Psicologia de Grupo e Análise do Ego”, Obras completas, XVIII, Rio de Janeiro, Imago, 1969.
LACAN
- “Depois de se haverem considerado entre si por um certo tempo, os três sujeitos dão juntos alguns passos, que os levam simultaneamente a cruzar a porta. Em separado, cada um fornece então uma resposta semelhante, que se exprime assim:
(…) “Sou branco, e eis como sei disso. Dado que meus companheiros eram brancos, achei que, se eu fosse preto, cada um deles poderia ter inferido o seguinte: “Se eu também fosse preto, o outro, devendo reconhecer imediatamente que era branco, teria saído na mesma hora, logo, não sou preto”. E os dois teriam saído juntos, convencidos de ser brancos. Se não estavam fazendo nada, é que eu era branco como eles. Ao que saí porta afora, para dar a conhecer minha conclusão”.
(…) “Foi assim que todos três saíram simultaneamente, seguros das mesmas razões de concluir”. (p. 198)
- “Mas, a que tipo de relação corresponde essa forma lógica? A uma forma de objetivação que ela gera em seu movimento, qual seja, à referência de um (eu) ao denominador comum do sujeito recíproco”, ou ainda, aos outros como tais, isto é, como sendo outro uns para os outros (…)” (p. 211)
- (…) “e a coletividade já está integralmente representada na forma do sofisma, uma vez que se define como um grupo formado pelas relações recíprocas de um número definido de indivíduos, ao contrário da generalidade, que se define como uma classe que abrange abstratamente um número indefinido de indivíduos.” (p. 212)
- (…) “apresentada como conclusão da forma aqui demonstrada da asserção antecipatória, ou seja, como se segue: 1º Um homem sabe o que não é o homem; 2º Os homens se reconhecem entre si como sendo homens; 3º Eu afirmo ser homem, por medo de ser convencido pelos homens de não ser homem.” (p.213)
LACAN, J. “O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada”. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1988.
- “Abreviemos dizendo que o que vimos emergir deles, para nosso horror, representou a reação de precursores em relação ao que se irá desenvolvendo como consequência do remanejamento dos grupos sociais pela ciência, e, nominalmente, da universalização que ela ali introduz.” (p. 263)
- “Nosso futuro de mercados comuns encontrará seu equilíbrio numa ampliação cada vez mais dura dos processos de segregação”. (p. 263)
LACAN, J. “Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola”. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 2003.
- (…) “como responderemos, nós, os psicanalistas: a segregação trazida à ordem do dia por uma subversão sem precedentes. Aqui, não se deve negligenciar as perspectivas a partir da qual Oury pode há pouco formular que, no interior do coletivo, o psicótico apresenta-se essencialmente como o sinal, sinal como impasse, daquilo que legitima a referência à liberdade.” (p. 361)
LACAN, J. “Alocução sobre as psicoses da criança”. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.
- “Porque não me parece engraçado e, no entanto, é verdade. No desatino de nosso gozo, só há o Outro para situá-lo, mas na medida em estamos separados dele. Daí fantasias, inéditas quando não nos metíamos nisso.” (p. 532)
- “Deixar esse Outro entregue a seu modo de gozo, eis o que só seria possível não lhe impondo o nosso, não o tomando por subdesenvolvido.” (p. 532)
- “Deus, recuperando a força, acabaria por ex-sistir, o que não pressagia nada melhor do que um retorno de seu passado funesto.” (p. 532-533)
LACAN, J. “Televisão”. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2002, p. 532.
- (…) “Alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época” (p. 322)
LACAN, J. “Função e campo da fala e da linguagem”. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1988.
MILLER
- “Ora, o agalma desse dito é uma fórmula, ‘O inconsciente é a política’. Podemos ao menos observar que se trata de uma fórmula da competência de um psicanalista, enquanto que a outra, que propõe uma definição da política, é certamente mais arriscada quando é enunciada por um psicanalista, cuja tarefa não é definir a política. Por isso mesmo Lacan diz ‘Não digo [´a política é o inconsciente´], mas simplesmente [´o inconsciente é a política´]’.” (p. 2)
- “O inconsciente é tão pouco representável e sabemos tão pouco sobre ele que é inverossímil e muito arriscado definir o que quer que seja a partir dele: pelo contrário, é sempre ele, o inconsciente, que deve ser definido, porque não se sabe o que é” (p. 4)
- “A definição do inconsciente pela política tem raízes profundas no ensino de Lacan. ‘O inconsciente é a política’ é um desenvolvimento de ‘O inconsciente é o discurso do Outro’. Essa relação com o Outro, intrínseca ao inconsciente, é o que anima desde o início o ensino de Lacan. É a mesma coisa quando estabelece que o Outro é dividido e não existe como Um.” (p. 6)
- “O inconsciente é a política” radicaliza a definição do Witz, do chiste como processo social que tem seu reconhecimento e sua satisfação no Outro, enquanto comunidade unificada no instante de rir. (p. 6)
[Sobre a terceira reflexão: o inconsciente é político]
- “A análise freudiana do Witz justifica o fato de Lacan articular o sujeito do inconsciente a um Outro, e qualificar o inconsciente como transindividual. É possível passar de ‘o inconsciente é transindividual’ para ‘o inconsciente é político’ desde que fique claro que esse Outro é dividido, que ele não existe como Um.” (p. 6-7)
- “Por isso ‘o inconsciente é a política’ não diz absolutamente a mesma coisa que ‘a política é o inconsciente’. ‘A política é o inconsciente’ é uma redução, e quando Lacan formaliza o discurso do mestre ele diz, ao mesmo tempo, que se trata do discurso do inconsciente. Fazendo isso ele oferece uma chave para inúmeros textos de Freud. Ao passo que ‘o inconsciente é a política’ é o contrário de uma redução, trata-se de uma amplificação, do transporte do inconsciente para fora da esfera solipsista para colocá-lo na Cidade, fazê-lo depender da ‘História’, da discórdia do discurso universal a cada momento da série que nela se cumpre.” (p. 7)
- “Hoje não há mais a cidade” (p. 7)
- (…) é certamente marcado por esses tempos, sofre suas consequências”. (p. 12)
MILLER, J-A. “Intuições milanesas”. In: Opção Lacaniana On-line, Ano 2, nº 05, Jul 2011. Disponível em: http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_5/Intui%C3%A7%C3%B5es_milanesas.pdf
AUTORES DO CAMPO FREUDIANO
- “A melhor maneira de enfrentar a violência contra o feminino como hétero, que se dirige às mulheres, não é colocar nelas uma máscara masculina, por um lado, nem fazer delas objetos, vítimas do Outro masculino por outro lado, mas permitir a cada uma encontrar sua maneira de localizar-se como Outra para si mesma.” (p.11)
ALVARENGA, Elisa. “As mulheres e a violência de nossos tempos”. Opção Lacaniana On-line, n. 17, Jul 2015.
- “A escola é um comentário vivo sobre a democracia…” (p. 68)
- “A melhor figura do chefe, salvo Deus, é o pai.” (p. 55)
BARROS, Romildo do Rêgo. “Da massa freudiana ao pequeno grupo lacaniano”. In: Psicanálise na favela projeto Diga aí Maré: a clínica dos grupos. Rio de Janeiro: Associação Digaí-Maré, 2008.
- (…) a dialética do desejo não é jamais individual.” (p. 26).
- (…) exige-se do analista que ele se interesse pela dimensão do político e da cidade.” (p. 28)
- “Não podemos conceber a análise sem a dimensão do ato. E nesse nível apresenta-se também a questão do político.” (p. 30)
- Trata-se de uma neutralidade política?” (p. 33)
- (…) “ a psicanálise é um laço social, portanto um tratamento do gozo, que o psicanalista está necessariamente envolvido com a questão do político.” (p. 34.)
BROUSSE, Marie-Hélène. O Inconsciente é a política. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise, 2018.
- (…) “o pai evapora, seu predomínio vai decaindo. … a metáfora perde potência no discurso e com ela o semblante.” (p. 8)
BROUSSE, Marie-Hélène. “As identidades, uma política, a identificação, um processo, e a identidade, um sintoma”. In: Opção lacaniana online, nº 25/26 , março/julho 2018. Disponível: http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_25/As_Identidades_uma_politica_a_identificacao.pdf
- “Uma coletividade não começa por um traço identificatório que constituiria uma classe, mas por uma rejeição, uma exclusão… que não tem outro nome que um traço de segregação. É por isso que Lacan fala da ‘assimilação humana como assimiladora de uma barbárie’.” (p. 24)
- “Os discursos serão quatro maneiras de apresentar uma posição coletivizante para o sujeito a partir da extração primordial de um gozo.” (p. 29)
- (…) o termo desejo do psicanalista para designar o advento inédito do lugar do psicanalista na civilização…” (p. 32)
LAURENT, Éric. “Sete problemas de lógica coletiva na experiencia da psicanálise segundo o ensinamento de Lacan”. In: Opção Lacaniana, 26/27, abril 2000.
- “Os analistas têm de passar da posição de especialistas da desidentificação para a de analista cidadão. Um analista cidadão no sentido que esse termo pode ter na moderna teoria democrática. Os analistas precisam entender que há comunhão de interesses entre o discurso analítico e a democracia, e precisam entendê-lo verdadeiramente! Há que se passar do analista reservado, crítico, a um analista que participa, a um analista sensível às formas de segregação, a um analista capaz de entender qual foi sua função e qual lhe corresponde agora.” (p. 143)
- “O analista esmaecido de meu professor Leclaire, o analista vazio, tem uma face que deve ser criticada, mas possui outra que deve ser relembrada, porque foi mal interpretada: a de que, em vez de se manter nessa posição crítica, pode intervir com seu dizer silencioso. O analista vazio, chamado também, em algumas teorias, de ‘o analista furado’, não deve, em uma instituição, em qualquer discurso institucional, de maneira alguma mostrar-se um analista esmaecido. É ele quem sabe participar com seu dizer silencioso, distinto do silêncio. O dizer silencioso implica tomar partido de maneira ativa, silenciar a dinâmica de grupo que rodeia toda organização social. Como se diz em determinado discurso que não é o nosso, ‘quando três se juntam, o vigor está com eles!’ Do ponto de vista analítico, quando três se juntam, instala-se a dinâmica de grupo, ou seja, desencadeiam-se determinadas paixões imaginárias.” (p. 143)
- “Nesse sentido, o analista, mais que um lugar vazio, é aquele que ajuda a civilização a respeitar a articulação entre normas e particularidades individuais. O analista, mais além das paixões narcísicas das diferenças, tem de ajudar, junto de outros, sem pensar que é o único que está nessa posição. Assim, com outros, há de contribuir para que não se esqueça, em nome da universalidade ou de qualquer outro universal, tanto humanista quanto anti-humanista, a particularidade de cada um.” (p. 144)
LAURENT, E. “O analista cidadão” in A sociedade do sintoma – a psicanálise hoje. Rio de Janeiro: ContraCapa, 2007.
- “A lógica desenvolvida por Lacan é a seguinte. Não sabemos o que é o gozo a partir do qual poderíamos nos orientar. Só sabemos rejeitar o gozo do Outro. Com o fato de nos meter, Lacan denuncia o duplo movimento do colonialismo e da vontade de normalizar o gozo daquele que é deslocado, emigrado em nome de um dito ‘bem dele’.”
- “De fato, o racismo muda seus objetos à medida em que as formas sociais se modificam, mas, conforme a perspectiva de Lacan, sempre jaz, numa comunidade humana, a rejeição de um gozo inassimilável, domínio de uma barbárie possível”
- Para Freud, o ódio e a rejeição racista se unem, porém permanecem conectados ao líder que toma o lugar do pai ou, mais precisamente, do assassinato do pai. O ilimitado da exigência permanece no grupo e o estabelecimento do laço social é fundamentado no assentamento pulsional da identificação. O grupo estável compõe nele mesmo o mesmo princípio de ilimitação produzido pela multidão primária. Assim Freud pôde dar conta do exército como multidão organizada e do poder de matança selvagem que a acompanha. O ódio comum pode unificar a multidão, ligada a uma identificação segregada ao líder.
- “ O racismo muda seus objetos à medida em que as formas sociais se modificam, mas, conforme a perspectiva de Lacan, sempre jaz, numa comunidade humana, a rejeição de um gozo inassimilável, domínio de uma barbárie possível.”
- (…) “a lógica pela qual Lacan constrói qualquer conjunto humano que seja, opera uma torção na Psicologia de Grupo freudiana.”
- “O crime fundador não é o assassinato do pai, mas a vontade de assassinato daquele que encarna o gozo que eu rejeito.”
LAURENT, Éric. “O racismo 2.0”. In: Lacan Quotidiane nº 371, janeiro. 2014. Disponível: http://ampblog2006.blogspot.com/2014/02/lacan-cotidiano-n-371-portugues.html
LAURENT, Éric. “Racismo 2.0”. In: Opção Lacaniana, n. 67, dezembro 2013.
- “… o sintoma como acontecimento de corpo não condena a nenhum solipsismo ou individualismo. Ele advém num corpo tomado pela linguagem, isto é, num corpo tomado no laço social com os outros. Porque o corpo que se trata não é aquele do indivíduo. Ao passo que a Massenpsychologie freudiana estava fundada na identificação. É uma nova psicologia das massas que se esboça a partir do acontecimento de corpo” (p. 23)
- “A nova forma política assim produzida não é aquela do sentimento, como se diz com muita frequência, e sim aquela dos afetos, no sentido do acontecimento de corpo” (p. 23)
- “Tal abordagem pelo falasser permite retomar, de modo renovado, o comentário ‘o inconsciente é a política’. A identificação, mecanismo político por excelência, pode ser relida a partir da inscrição sobre o corpo, a partir do acontecimento de corpo.” (p. 212)
- “Esse mal-estar era, Para Freud, um sentimento ético partilhado no seio da ‘civilização’, perspectiva que se opõe justamente à moral liberal que concebe a comunidade apenas como um agregado de decisões individuais, exterior à dimensão de um corpo político como tal. Foi a extensão da ótica individualista neoliberal contemporânea que relançou a busca por tudo o que pode ser qualificado de comum no espaço político.” (p. 212)
- “O acontecimento de corpo pode ser generalizado como um traço inscrito no corpo do falante.” (LAURENT, 2016, p. 213)
- “O corpo falante vem sempre fazer contrapeso ao corpo do indivíduo, no sentido do corpo como propriedade de cada um, separado dos demais outros. O corpo que fala testemunha o discurso como laço social que vem se inscrever sobre ele: é um corpo socializado. Essa dimensão coletiva aparece em seus desarranjos e nomeações. A subjetividade que está aí é individual, mas também de uma época, como manifestado nas patologias recobertas pelo sintagma ‘sofrimento no trabalho’.” (p. 213)
- “…a crença numa comunidade ideal poder acompanhada, como por sua sombra, pela comunidade do acontecimento de corpo” (p. 214)
- “Há aí um gozo especial que, paradoxalmente, permite ao sujeito encontrar o mundo comum em que nós vivemos, um mundo no qual o Ideal do eu empalidece, como disse Lacan, diante da elevação ao zênite do objeto a, do gozo. (p. 214)
- “Com o acontecimento de corpo, retira-se a identificação ao Pai e se desnudam, como para Schreber, os acontecimentos de gozo, mais além da castração” (p. 219)
LAURENT, Éric. O avesso da biopolítica. Uma escrita para o gozo. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016.
- “O sujeito do inconsciente é de fato, diz Lacan, não apenas contraditório e vão, mas vazio e evanescente. Isso é, sem dúvida, o que os discursos buscam nomear de uma maneira ou de outra. O discurso político, o discurso do mestre, faz da identificação a chave de uma captura.” (p.2)
- “Um corpo, para Lacan, é um corpo em um sentido próximo ao de Spinoza. É ao mesmo tempo o corpo do sujeito e o corpo político. Um corpo não é biológico e por essa razão pode estar vivo ou morto. Um corpo é o lugar que experimenta afetos e paixões, tanto o corpo político como o corpo individual. Paixões políticas novas surgem como acontecimentos de corpos políticos novos, e logo se transformam.” (p.14)
LAURENT, Éric. “O traumatismo do final da política das identidades”. In: Opção Lacaniana On-line, Ano 9, nº 25 e 26, Mar/Jul 2019. Disponível em: http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_25/O_traumatismo_do_final_da_politica_das_identidades.pdf