21 de novembro 2013 - Hotel Panamericano - Buenos Aires - Calle Carlos Pellegrini 551

 

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Uma leitura de "...Ou pior”, Seminário 19 de Jacques Lacan

Fragmentos selecionados por Marcus André Vieira

 

 

 

O que segue não é um índice. Ao percorrer o seminário na revisão realizada à tradução brasileira, fui anotando proposições (nem sempre citações) memoráveis, algumas por sua limpidez, precisão, outras, por sua dureza. Foram muitas. Decidi então ordená -las segundo alguns eixos que me pareceram atravessar todo o seminário, que começou como dois (em Saint Anne e na Escola de Direito) e termina como Um. Mais certo seria dizer: são os eixos que me atravessaram durante toda a leitura. Espero que sirvam a outras.

 

 

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Castração (o Outro como exceção)
O nãotodo (do Outro ao um-por-um)
Henologia lacaniana I (o Um bífido de Platão)
Henologia lacaniana II (Frege, Cantor e o Um da diferença)
Do Zero ao Um (o vazio como elemento)
Há-um (o um na análise)
Sexo e amor (quatro, dois, Um)
Corpo, gozo e repetição (nosso irmão transfigurado)
Lógica e clínica (da impotência à impossibilidade)

 

 

Castração (o Outro como exceção)

A significação do falo tem a seguinte astúcia: o falo denota exatamente o poder de significar (56.54). No homem (humano), a castração é um meio de adaptação à sobrevivência (78.77). O paratodos tem sempre alguma coisa de bacanal (no sentido de "todos para dentro") (98.96). Vocês gozam com suas fantasias, mas o importante é que suas fantasias gozam com vocês (113.110). Para existir como homem em um nível que escapa à função fálica, Édipo não tinha outra mulher a não ser aquela que não deveria ter existido para ele como tal (104.102). A função do pai é de assombrar [é-pater] a família (208.200). O pai "unega" [Unie] (213.205). O par ativo-passivo está longe de definir a diferença sexual: na caça o homem mostra o que tem de melhor, ou seja, ser passivo (idem para a pesca) (187.177). Lacan antecipa Guimarães Rosa em "Meu tio Iauaretê" (188.178). E mais, a caça leva ao parricídio (204.196).

 

O nãotodo (do Outro ao um-por-um)

Nos dois lados das fórmulas da sexuação não se trata de que um seja a negação do outro, mas que um faça obstáculo ao outro (101.99). As formulas da sexuação só funcionam integradamente (homens e mulheres, uns com relação aos outros) (202.194). O não-todo não resulta de que nada o limite, nele o limite é situado de outra maneira (206.198). É na contingência que a mulher se apresenta, como argumento, na função fálica (48.46) (argumento, 100.98). A mulher não é o lugar do Outro... Ela não existe nessa função, por negá-la. Ela é aquilo que, no meu grafo, inscreve-se pelo significante do Outro barrado (206.198). Mas ela tende a funcionar como o Outro porque o Outro é sempre “entre”. A mulher, na relação entre os sexos, é o que se situa entre centro e ausência. O centro é a função fálica, o homem é aquele que é levado a habitar o gozopresença, a mulher o gozausência (121.117). O homens são inumeráveis (inúmeros) as mulheres são enumeráveis (200.192).

 

Henologia lacaniana I (o Um bífido de Platão)

O conhecimento de si é o que chamamos higiene (223.215). Faço henologia (153.147). A ontologia é a careta [grimace] do Um (223.215). O Um não é o Ser, ele constitui[fait] o Ser (222.214). O um do corpo é apenas uma das formas do um (126.122). O um não se funda sobre a mesmidade (144.139). O Parmênides mostra que só toda a substância do um vem do fato de ser dizível (13o.126). Platão vai mais longe ao mostrar que o discurso cinde, localiza a falha do real (128.124). O um de Platão nem é o binário, nem é o um que engloba (129.125). Esse um vem junto com uma hiância (131.127). Por isso, Platão é lacaniano (131.127). O um, aqui, não tem sempre o mesmo sentido, em seu surgimento não é unívoco, há uma bifididade do Um e é essa equivocidade do Um que permite a Platão distingui-lo do ser (134.130). Já em Aristóteles é a lógica do indivíduo, do eu, que prima, ela é fundada sobre a intuição de um individuo, sobre sua existência (139.130). O um (e quanto a isso Platão em alguns momentos acerta) é um S1, que é como eu prefiro chamar a "essência" (139.128). O um é "de repente", um espanto, uma produção e, nisso se opõe ao uniano, que é permanência e é tédio [ennui] (135.132).

 

Henologia lacaniana II (Frege, Cantor e o Um da diferença)

A lista mais louca (um débil mental, uma gripe, uma gaveta, um fiu-fiu, uma fumaça, um bonjour de ta catherine, uma civilização, uma meia liga) isso constitui oito, mas sempre do mesmo um (133.129). Na teoria dos conjuntos, todos os elementos são equivalentes e é exatamente assim que se pode gerar a unidade. Um elemento na teoria dos conjuntos é equivalente a um conjunto vazio, uma vez que ele pode desempenhar este papel. Tudo aquilo que se distingue da mesma maneira é o mesmo elemento. Distinto significa apenas diferença radical, já que nada pode se assemelhar. Não existe espécie (164.158). O um nem sempre tem o mesmo sentido (134.130). Com a teoria dos conjuntos podemos aprender este Um que é distinto do Um da classe, do Um que unifica. Ele é o Um da diferença (191.181). O Um da classe é o Um clássico, é o universal comum, ele é diferente do Um da teoria dos conjuntos. É o Um do atributo, e como tudo que é rotulado como atributo, tem a ver com a relação sexual (189.181). A teoria dos conjuntos separa a função do elemento de qualquer predicado ou atributo. Um elemento não é elemento por pertencer a uma classe (189.182).

 

Do Zero ao Um (o vazio como elemento)

A inexistência não é o nada, o zero cria a inexistência (53.50). O conjunto vazio é a porta cuja transposição constitui o nascimento do um (146.140). O fundamento do Um é o lugar do vazio, o conjunto vazio (158.152). O Um surge como efeito da falta como, por exemplo, na comparação de duas séries: cada número corresponde ao cardinal que o precede acrescentando-lhe apenas o conjunto vazio (assim se define a série dos números inteiros) (159.153). O um que procede do conjunto vazio é o da reiteração da falta (161.155). Se assimilamos o par 1-0 ao par errado-falso, isso aparece como uma loucura (porque do falso, segundo Aristóteles, jamais pode surgir o verdadeiro), mas é exatamente o que ocorre, se seguimos Cantor e Frege (175.169). Além disso, no Um da diferença há duas coisas: o um que surge do zero, o do elemento, e o um do somatório dos subconjuntos (das partes) de um conjunto (171.164). Quando se trata de articular sua consequência, o Um da diferença tem que ser contado como tal no que se enuncia daquilo que ele funda, que é conjunto e que tem partes. O Um de diferença é não apenas contável, como tem que ser contado nas partes do conjunto (191.181). O alicerce da teoria dos conjuntos é que o um, que há, o do conjunto das partes, é distinto do um do elemento, o singleton é o que marca o um do elemento (143.138).

 

Há-um (o um na análise)

A partir de Frege: para que haja números, é preciso haver zero e havendo zero, há-um (133.129). Com meu Há-um quero encarnar o Um da teoria dos conjuntos, tirá-lo da distância erudita, de onde ele tende a lhes aparecer (133.129). Para começar, ele assinala que é contra um fundo de indeterminação que surge a possibilidade do "há" (128.124). Há-um (127.123). O Um que encontramos na análise nunca é o que procuramos. O melhor é fazer como Picasso: em vez de procurar, achar, partir do achado. A maneira, a única maneira de não nos enganarmos, é, a partir do achado, nos perguntarmos o que havia para procurar, se o tivéssemos desejado (170.163). A pergunta começa, então, sobre o "algo de um" [de l'un] (129.125). Há-um não significa há um indivíduo, a existência desse Há-um é puramente matemática, ou seja, totalmente desprovida de sentido (189.181). Ele aponta para o Um da diferença. O Um da diferença é o Um do número, este Um pode nada ter a ver com a realidade (a de Aristóteles, do um do eu, da classe e do atributo). É neste Um que se apoia a ciência, na existência lógica e não na existência natural (140.135). A teoria analítica vê despontar o Um em dois de seus níveis. Primeiro nível: o Um é o Um que se repete. Está na base de uma incidência suprema no falar do analisando, que ele denuncia por certa repetição, em relação a uma estrutura significante (é o Um do número). Por outro lado, ao considerar o esquema que dei do discurso analítico, que é que se produz a partir da instauração do sujeito no nível do gozo de falar? O que se produz no chamado estágio do mais de gozar é uma produção significante, a do S1, Outro nível do Um, cuja incidência me imponho o dever de fazê-los perceber. É o do Um sozinho [un tout seul] (165.159). Vamos do semblante de Um ao Um sozinho: Nas entrevistas preliminares o importante é a confrontação dos corpos (228.220). O analista “en corps” instala o objeto no lugar do semblante (231.222). O analista não finge [fait semblant], ele ocupa a posição do semblante (172.165). O semblante surte efeito por ser manifesto (cf. exemplo do ator e do cinema) (172. 165).

 

Sexo e amor (um, dois, três)

Resumo do Banquete para mostrar que não é o Um que reina sobre Eros (127.124). O zero leva ao Um, mas isso não leva ao Dois, para o Dois é preciso fazer valer um outro Um (o do somatório das partes) e aí vamos para o três diretamente. O dois, aqui, será sempre o três-menos-um (176.169). O sexo é real e sua estrutura é o dois. Apesar de quererem colocar aí também o caipira [lauvergnat], só há homens e mulheres (155.149). O Há-um é diferente do aomenozum (140.135). O traço unário nada tem a ver com o Há-um (167-160). O "não há exceção à função paterna", o "não há um sujeito que diz que não à função fálica" concerne a virgem (204.196). A virgem não é enumerável, por isso, a referência à "Onze mil virgens" - o nãotodo não é enumerável (205.197). Uma análise não faz um amor ter sucesso (154.148). Na análise, através do S (uma fórmula simbólica) um R (impossível) é demonstrado em I (realidade) e isso põe um termo à fantasia (realidade psíquica) (173.167). A análise aborda o amor no que ele tem de estranheza (174.167). O ato sexual afirma o lugar do real como impossível (173.167). Dois não é derretido em Um nem o Um fundado por dois deles (181.173). O Um, quando é verídico, quando diz o que tem a dizer, podemos ver aonde isso leva: em todo caso, à recusa total de qualquer relação com o Ser (185.177). Ou bem — e, como digo eu, Há-um  —, ou bem não dois, o que se interpreta imediatamente por nós: não existe relação sexual (186.177). No discurso do mestre os afetos são a jurispridênca (228.220).

 

Corpo, gozo e repetição (nosso irmão transfigurado)

Fazer um modelo da neurose é, em suma, a operação do discurso analítico. É a introdução do modelo que consuma essa repetição vã. Uma repetição consumada o dissolve, por ser uma repetição simplificada (152.145). Não há, para cada um, duas maneiras de se haver com o gozo. Toda reduplicação o mata. Ele só sobrevive desde que a repetição seja vã, isto é, sempre a mesma (153.146). Se há uma possibilidade de o corpo aceder ao gozar de si mesmo é quando ele bate em alguma coisa, quando se machuca. É isso o gozo. O sono suspende a ambiguidade da relação do corpo com ele mesmo, que é o gozar (217.209). O único desejo fundamental no sono é o desejo de dormir (217.209). A essência do sono é a suspensão da relação do corpo com o gozo (234.225). Só que o significante continua a saltitar durante esse tempo. É por isso que, mesmo quando estou dormindo, preparo meus seminários (228.220). Quando partimos do gozo, o corpo não é Um só, há um outro (225.217). O dizer causa efeitos dos quais a fantasia, ou seja a relação entre “a” e o sujeito. O objeto a, que é o que se concentra por efeito do discurso para causar o desejo, e esse algo que se condensa em volta, como uma fenda, e que se chama sujeito. É uma fenda porque o objeto a, por sua vez, está sempre entre cada um dos significantes e o que se segue. É por isso que o sujeito está sempre não entre, mas, ao contrário, hiante (230.217). O sujeito suposto saber é um pleonasmo, porque sujeito é sempre suposto (170.163). O real não está nos discursos, sua emergência, a partir do corpo, como gozo, se faz sempre a partir de quatro pólos (226.218). O real é que o 4 existe por si só (229.221). O real é o limite do que há de avanço em um discurso. Quando isso se demonstra não é mais necessária a transgressão (119.116). O objeto a é a que costumamos chamar de alma (169.162). Nosso irmão transfigurado é o que se produz nessa conjuração analítica a partir desse pensar com sua alma-dejeto que é o objeto a, a merda que o objeto a lhe propõe na figura domseu analista (235.227).

 

Lógica e clínica (da impotência à impossibilidade)

O analista tem uma relação complexa com o que sabe, de foraclusão (será a base da teoria da foraclusão generalizada) (196.188). A análise só progride pelo veio da lógica, da extração de articulações daquilo que foi dito (do que é dito e não do dizer) (232.224). O significante se distingue por não ter nenhuma significação (225.217). O significado de um significante vem sempre do lugar que este significante ocupa em outro discurso que não aquele em questão (77.75). A psicanálise é o balizamento daquilo que se compreende como obscurecido por obra de um significante que marcou um ponto do corpo e que se obscureceu pela compreensão (151.145). Não há discurso sobre a origem afora abordar a origem de um discurso. O par representamen-objeto tem sempre que ser reinterpretado, é disso que se trata na análise. O interpretador é o analisando (232.224). Não se deve nunca pular um significante, é na medida em que um significante não nos para que compreendemos (151.145). A lógica é a arte de produzir uma necessidade discursiva (50.48). Vocês poderiam me objetar: para dizer que a relação não se escreve você escreve. Sim, mas o que eu tento é colher em uma rede de escrita a questão sexual (100.98). O que é escrito é pensado, senão a escrita precederia a palavra (Derrida). Mas ele não é pensado por aquele que escreve. A análise é re-pensar, é retomar um pensamento, que é perceber, ao escrevê-lo, que eram apenas pensamentos (115.111). Ou bem a relação com o impossível é uma relação de pensamento, ou bem é um impossível discursivo, ou não há psicanálise (116.112). Por isso, é o fato de dizer que age sobre a Coisa para que ela possa rodar de outro jeito (115.113). E é por isso que todo pensamento se pensa, por suas relações com a escrita. Se não não haveria psicanálise (116.112).  Da impotência à impossibilidade (243.235), da transgressão é demonstração (119.116). Relação: existência, contradição, indecidível, falha (a) Circulação: necessário, possível, contingente, impossível (o possível será descartado depois) (209.227).