Territórios Lacanianos #008
Coordenação: Glória Maron e Andrea Reis
Editorial
Na primeira edição de 2014, Territórios Lacanianos apresenta um laboratório do Cien, coordenado pela colega Cinthia Busato, que está desenvolvendo um trabalho de conversação em uma escola da rede pública em Florianópolis.
Em seu texto de apresentação, Cínthia nos conta sobre as origens desta experiência e de que maneira está sendo possível transformar a demanda de saber endereçada por uma escola, em um dispositivo de conversação conduzido por psicanalistas. Dispositivo este que vem permitindo ultrapassar a inibição e o sentimento de impotência dos professores e criar uma nova relação com os impasses que são vividos cotidianamente na prática com os alunos.
Além destas importantes consequências, o laboratório busca formalizar seu trabalho, articulando teoria e prática de forma a poder endereçar à comunidade analítica o que vem sendo extraído desta experiência na cidade.
Um Laboratório de Psicanálise e Educação em Florianópolis
Por Cínthia Busato
A partir de uma solicitação da coordenação de um Núcleo de Educação Infantil (NEI) de Florianópolis, onde já tinha sido realizada uma aproximação com a Seção Santa Catarina da EBP há alguns anos atrás, o laboratório começou a se constituir. A Diretora e a Supervisora Escolar apresentaram como demanda a dificuldade dos professores em estabelecer limites às crianças: "Fica difícil trabalhar só na linha pedagógica".
Limite foi um significante que logo se evidenciou: tanto em relação à atuação dos professores quanto ao comportamento das crianças: ou as crianças podiam tudo e elas não podiam nada, ou elas podiam tudo e as crianças não podiam nada. Limite era o nome do ilimitado. Também a dificuldade com a agressividade e a sexualidade dos alunos, todos da pré escola, já estavam evidentes . Passar de um pedido pela mestria para uma conversação sempre foi nossa orientação de trabalho.
O " Isso pode traumatizar", tão recorrente na fala das professoras, se revelou como imobilização. O espaço para o saber da equipe apareceu "amarrado" sob a impotência. A conversação possibilitou a simbolização para além dos manuais pedagógicos e o surgimento de algumas invenções: "Eu descobri que eu tenho um instrumento, a observação", foi outra fala recolhida na conversação sobre como lidar com o que sai fora do planejado, com as contingências, e foi possível atribuir saber ao que estava na ordem de puro ato. O registro das atividades, atividade exercida diariamente, saiu da burocracia dirigida ao grande Outro para ser um relato da própria atuação, antes inibida pelo medo de errar.
Os encontros na escola acontecem mensalmente e, mesmo não sendo obrigatório, a grande maioria dos professores e a coordenação do NEI participam. Flávia Cera e Jussara Jovita conduzem esses encontros e quinzenalmente se reúnem com a coordenação do laboratório para conversar sobre o que foi realizado e tentar fazer uma articulação teórica com o que foi recolhido na conversação, trabalho que estamos construindo juntas. Essa estrutura foi pensada para nos apropriarmos com mais rigor dos efeitos de uma conversação, pois pretendemos divulgar o que estamos aprendendo ali para nossa comunidade analítica e também para outras escolas. No próximo dia 20/03 vamos realizar na sede da EBP Santa Catarina uma noite, onde, juntamente com algumas representantes do NEI, falaremos sobre o trabalho realizado e as questões que nos suscitam.
Em todas essas etapas, encontros no NEI, reuniões de coordenação e divulgação do trabalho, sempre nos encontramos com o indizível da experiência íntima, portanto há sempre um esforço de tradução. O saber pedagógico, assim como o psicanalítico, tem um limite. Para o sujeito dividido pela linguagem, há algo que fica fora do ideal. E é exatamente por isso que podemos conversar, trocar experiências e questões, que ao se depararem com o não sabido podem criar novos espaços, novas palavras e questões em torno desse furo. Nos ocuparmos “disso” que fica fora sem tentar incluir nos nossos manuais é o nosso desafio.