Espaço da EBP

 

1 de Novembro de 2014

 

Violência e poder

 

 

 O conceito de violência é amplo, diverso e está longe de existir um consenso a respeito. Ademais, o conceito de violência se confunde com o de caos, com o de transgressão, com o de desordem, com o de agressividade e com o de coerção. Portanto, é preciso circunscrevê-lo minimamente. A violência não se encontra na natureza, portanto, ela é um produto da civilização, da linguagem e do humano. Uma rocha que rola e esmaga uma casa habitada ou um tigre que devora o braço de um menino não são atos violentos. Esses fatos são considerados acidentes, mas não violência. Portanto, a violência é um ato interpessoal, sobretudo, calcado nas relações sociais.


Cabe assinalar que a violência é um tema amplo e abre para diversas discussões, como a de violência evitável e inevitável, implícita e explícita, justificável e injustificável, construtiva e destrutiva, violência como defesa pessoal e como ataque ao outro. Num debate mais amplo, temos graduações e classes de violência: violência moral, psíquica, sexual, econômica, ideológica, entre outras.


No assassinato do pai primevo, nessa violência fundadora, está contido o primeiro ato que institui a humanidade (FREUD, 1913/1980). Portanto, no princípio era o ato. Deste modo, a violência é um ato fundador da humanidade. É digno de nota, o papel da violência nos mitos e nas religiões. A bíblia está repleta de exemplos violentos: desde o assassinato de Abel por Caim até a crucificação de Cristo. Nos gregos, de acordo com Platão, a violência é devido a um erro revelado pelo mundo da doxa. O mais justo dos homens, Sócrates, é condenado à morte injustamente e a resposta de Platão para a violência do Estado é a linguagem da verdade, do ideal e da sabedoria. Na idade moderna, com Thomas Hobbes, se instaura o estado de sociedade versus o estado de natureza. Assim, a sociedade tem o papel de civilizar a natureza do homem, que se expressa no aforisma homo homini lupus.


Diferente de Freud, Hobbes não acreditava que os homens se odiavam, mas que eles se invejavam, desejando os bens alheios (AKOUN, 1999, p. 565). Portanto, Hobbes pensava que a sociedade era fruto de um estado de violência natural e tinha a função de organizar os desejos, e submetê-los a uma lei comum, mediante ao Leviatã, detentor da força. Hobbes se inspira no Livro de Jó (Cap. 40-41) para designar o Estado com o nome de Leviatã que significa literalmente crocodilo. Aliás, com a finalidade de coibir a violência, Hobbes pregava que o homem deve seguir o preceito de buscar a paz; segundo, renunciar ao direito natural sobre tudo; e em terceiro, a lei impõe que uma vez renunciado a todo direito natural, que cumpram todos os acordos feitos (REALE, 1990, p. 499).


Contudo, tanto em Totem e tabu como no Mal estar na cultura, Freud é consignatário de Hobbes, de que a violência e a culpa são fundadoras da lei e, portanto, da civilização (FREUD, 1930/1980). Na segunda tópica, Freud ressalta que a pulsão de morte expressa pela instância do supereu se manifesta sob as mais diversas formas de violência, não apenas sobre o mundo externo como sadismo, mas particularmente, retorna sobre o sujeito com tonalidades masoquistas (FREUD, 1919/1980).


A violência que tem no seu substrato a pulsão de morte é expressa em toda sua plenitude com guerra. Freud escrevera dois artigos sobre a guerra. O primeiro, Reflexões para os tempos de guerra e morte (FREUD, 1915), escrito logo após o início da primeira guerra mundial. Um segundo artigo, bem conhecido, denominado Por que a guerra? (FREUD, 1932) foi escrito em resposta a uma troca de correspondência em favor de um convite de Albert Einstein que Freud se juntasse a ele em prol da Liga das Nações para constituir um esforço conjunto para a paz mundial. “A guerra é, pois, um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade” (CLAUSEWITZ, 2010, p. 11). Por essa razão, Freud se sentia pessimista nessa empreitada em virtude da pulsão de morte que se encontra na base do ser humano e ressalta que a leis são feitas pelos governantes e deixa pouco espaço para aqueles que se encontram em estado de sujeição (FREUD, 1932/1980, p.248). Ademais, Freud conclui para Einstein que está destinada ao fracasso toda tentativa de substituir a força real pela força das ideias (FREUD, 1932/1980, p.251). 


A violência é, essencialmente, uma intervenção física de um indivíduo ou grupo sobre um indivíduo ou grupo e também contra si mesmo. Para que haja violência deve haver intenção, pois ela tem a finalidade de coagir, atacar, defender, ofender ou destruir. Um ato não intencional, mesmo que cause dano a outrem, não é violência, como um atropelamento acidental. Contudo, se alguém joga o carro sobre outra pessoa propositalmente, se torna um ato violento.  A violência é exercida contra a vontade da vítima. Um ato cirúrgico não é uma violência, porque mesmo havendo lesão, houve consentimento. Ademais, a violência pode ser direta, quando se atua sobre o corpo da vítima, ou indireta, quando a intervenção ocorre no ambiente físico, como bloquear todas as saídas de um determinado espaço, danificação, destruição ou subtração de recursos materiais. Em ambos os casos, o resultado é o mesmo, o consequente dano e trauma de um indivíduo ou grupo (BOBBIO, 1986, p.1291). 


Um sobrevoo realista na história revela que a violência está na origem da constituição de todo e qualquer poder de Estado, e permanece inseparável dele. Na implantação de todo regime, o poder se apresenta sob a forma da violência (MORA, 2001, p.3024). Porém, o regime, uma vez estabelecido, a violência é autolegitimada como poder. O Estado como aquele que detém o monopólio da violência legítima, de tal sorte que o Estado legitimado purifica e transmuta a violência em poder, de tal sorte que a obediência e a subordinação política pode ser, livremente, aceita e até certo ponto, livremente perdida (WEBER, 1944, p.695).


Assim, a violência de certo modo foi recalcada pelo Estado, mas ela não ficou esquecida, pois ela retorna de diversas formas como sintoma ou como uma espécie de retorno do recalcado. Uma das maneiras do retorno da violência dentro do Estado e fora da lei é conhecida como o estado de exceção. O estado de exceção, geralmente, é autoproclamado por quem se julga acima da lei e pretende poderes excepcionais, portanto, se trata de uma legalidade ilegítima. Com efeito, o estado de exceção constitui estrutura topológica, de tal sorte que o “Soberano é aquele que decide do estado de exceção” (SCHIMITT, 1988). O estado de exceção se inclina a se estabelecer como paradigma dos governos dominantes. Portanto, surge um deslocamento do que era para ser apenas uma medida provisória e excepcional para uma técnica de governo permanente que ameaça a estrutura das diversas constituições. Nesse sentido, o estado de exceção se mostra como lugar de indeterminação entre a democracia e o absolutismo (AGAMBEN, 2004).


Recentemente, num estado de exceção, torturas humilhantes em Guantánamo e Abu Ghraib foram praticadas em nome da democracia (ZIZEK, 2014, p.138). Segundo um estudo publicado em The Guardian, o lado obscuro da psicologia no abuso do interrogatório2 conclui que psicólogos americanos colaboraram intensamente com os interrogadores identificando e explorando os pontos vulneráveis dos prisioneiros. A American Psychological Association (APA), oficialmente rejeita a tortura, mas em contrapartida, apoia o papel de psicólogos nesses interrogatórios forçados 3.


A violência também pode reaparecer como esforço da lei com a finalidade de defesa da ordem pública. Portanto, a violência nega, mas também afirma a lei e a ordem. Ela implica na ideia de uma perturbação da ordem, mas, também surge como um instrumento para a manutenção da mesma ordem. Entretanto, quando a violência está a serviço da lei e da ordem não se pode dizer exatamente de violência, mas em dominação e poder de Estado, salvo os estados de exceção, como o próprio nome afirma. Então, presumimos que violência é o uso ilegítimo da força, particularmente, quando a mesma está abrigada fora do escopo da lei.


Destarte, podemos supor que a violência é um meio e não um fim (SOREL, 1908). O ato violento produz um gozo e, portanto, a violência produz fascinação. A fascinação da violência visa, através de uma intervenção direta, à satisfação pelo sentimento de poder. Embora, violência e poder sejam distintos, visto que o poder muda a vontade e o comportamento do outro, e a violência provoca uma alteração danosa do corpo no outro. Assim, a violência produz fascinação e ilusão de poder, mas não é poder. Ela causa fascinação, pois sugere ser um método para a obtenção do poder. No contemporâneo, no qual impera o declínio dos ideais, prevalecem os pequenos ideais ou os ideais individuais que promovem crescentes paixões fundamentalmente de poder, de posse e de prestígio, como o desejo de notoriedade, mesmo que seja instantânea em pequenos grupos ou comunidades (MILLER, 2013, p.160).


Um ato de violência pode resultar em crime. Os atos de violência que resultam em crimes podem ter leituras distintas sob a ótica do nó de Borromeu. Existem aqueles atos de violência que resultam em crimes do imaginário e que o estádio do espelho pode explicar, particularmente, no campo da psicose quando a projeção e a introjeção estão em jogo; em seguida, existem aqueles atos de violência que resultam em crimes sob o ângulo do simbólico como os assassinatos contra os monarcas, presidentes e grandes líderes que assolaram o século XIX e XX e cuja finalidade era a de atingir e de destruir um ideal; e por último, existem aqueles atos de violência que resultam em crimes do real que vão dos crimes serial killer até os genocídios, como os crimes cometidos pelos nazistas contra a humanidade. Trata-se de crimes que não se compreendem pela razão, que não trazem benefícios a quem os praticam e seus objetivos não se ancoram no sentido (MILLER, 2013, p.153).


As intervenções pelo poder e pela violência obtêm efeitos distintos. Se por um lado, a intervenção pelo poder pode resultar efeitos íntimos ou no comportamento, sejam numa omissão, numa obediência, numa revolta, tanto numa crença como numa descrença, produzindo efeitos duradouros ou não; por outro, a violência produz efeitos imediatos no corpo, impedindo o sujeito de realizar algo socialmente relevante, mas também não conseguindo fazer com que o Outro faça algo socialmente relevante. No que concerne à crença, a violência não se pode fazer com que ele acredite ou impedi-lo de acreditar em algo (BOBBIO, 1986, p.1292). 


Existem casos limites entre o poder e a violência. Nos casos de poder coercitivo, a violência intervém sob a forma de punição. Quando a ameaça da violência não consegue a finalidade desejada, sanciona a falência do poder. Então, se um pai necessita de bater num filho para que ele obedeça, acaba por revelar a impotência de sua autoridade. A violência expressa à superioridade de uma força, mas em contrapartida, revela a impotência de suas ameaças em dobrar a vontade do mártir. Então, quanto maior a violência, menores são a autoridade e o poder legítimo.


O uso da força pode atuar de maneira indireta sob a forma de punição, acarretando sanções econômicas, suspensão do afeto de uma pessoa amada, exoneração de um cargo, destituição do respeito por parte do grupo ao qual o sujeito pertence, entre outros. Amiúde, de maneira coloquial, denominamos tais fatos de violência. Contudo, nesses casos, como não houve violência física, é oportuno designar essas relações de poder como coerção, opressão ou manipulação; reservando a definição restrita de violência apenas quando houver dano físico. Então, é de considerar que as formas do poder coercitivo podem ser designadas de ameaças de violência, mas não violência em ato (BOBBIO, 1986, p.1292). 


No que concerne à ameaça de violência, sua eficácia reside na crença do grau de sofrimento que o ato violento pode ocasionar no sujeito e, em contrapartida, do grau de credibilidade do sujeito em reconhecer que o Outro possui meios para efetuá-lo e está determinado a fazê-lo. Existe um aumento da eficácia da ameaça, caso o elemento ameaçador, o Outro mal, tenha concretizado sua ameaça em casos anteriores e análogos. A violência pode ser utilizada como exemplo de demonstração de força para instaurar, consolidar ou ampliar o controle coercitivo. A violência, nesse caso, é usada como uma advertência geral, pois tende a consolidar todas as ameaças futuras. Por fim, dentro do bojo da violência, numa dimensão temporal, temos três situações distintas: a ameaça da violência, a violência em ato como punição e a violência demonstrativa usada como advertência.
A violência se manifesta sob uma gama de apresentações: a delinquência, a guerra, grupos com práticas violentas, etc. Deve-se considerar o conceito de anomia para pensar a violência. A anomia se caracteriza pela dissolução e decomposição do laço social em virtude do aumento de valores, que engendram e incitam uma violência capaz de reinventar, a partir de signos pequenos os laços grupais, como as gangues de delinquentes que permanecem à margem do laço social. O laço social, para a psicanálise, é construído a partir de uma estrutura de linguagem. Portanto, o laço social é efeito da linguagem e onde há declínio do diálogo e do uso da palavra, existe esgarçamento do laço social, no qual os signos se superpõem aos significantes. Onde há violência, temos o matema: signo > significante. 


A civilização busca meios se não de neutralizar, pelo menos de coibir a violência. A oposição a toda violência, particularmente, de Estado se expressa pela política da não violência ou pela política de não resistência, como a proposta da Desobediência Civil de Henri Thoreau. Opondo-se ao senso comum, que considera a obediência às leis e às normas sociais como súmula da moral, Thoreau defendia que o dever para com a própria consciência está acima do dever de um cidadão para com o Estado. Dois exemplos marcantes de Desobediência Civil foram os de Mahatma Gandhi e de Martin Luther King. A desobediência civil não visa romper com todas as instituições, mas resistir às normas de natureza não democráticas, em situações ocasionais e limitadas.


A guisa de conclusão, a violência é uma das máscaras da pulsão de morte que vai de encontro à cultura. Como suas causas são múltiplas, possivelmente, suas respostas também serão várias, de todos os tipos e nuances. Além do investimento na esfera da Segurança Pública pelo Estado que visa coibir a violência, fica a pergunta o que cada um tem ao seu alcance para lidar com a violência. Então, indago se não é, justamente, nesse ponto que a psicanálise pode inserir a sua cunha, fazendo valer o seu discurso. A psicanálise não oferece saídas coletivas, mas pode seguramente dar a palavra ao parlêtre, um a um, para que ele faça bom uso dela com a finalidade de circunscrever o trauma e civilizar a pulsão de morte.

 

Referencias bibliográficas:

AGAMBEN, G., Estado de exceção, São Paulo: editora Boitempo, 2004.
AKOUN, A. Dictionnaire de Sociologie, Le Robert, Paris: Seuil, 1999.
CLAUDSEWITZ, C., Da Guerra, São Paulo : editora Matins Fontes, 2010.
FREUD, S., (1913). Totem e tabu, Edição standard brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro: Editora Imago, Vol. XIII, 1980.
FREUD, S., (1919). O problema econômico do masoquismo, Edição standard brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro: Editora Imago, Vol. XIX, 1980.
FREUD, S., (1930). Mal estar na civilização, Edição standard brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro: Editora Imago, Vol. XXI, 1980.
FREUD, S., (1932). Porque a guerra?, Edição standard brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro: Editora Imago, Vol. XII, 1980.
GARCIA, G. La extraneza curricular o la fuga de Eros, in: Violencia en las escuelas, 2011, Buenos Aires: Grama ediciones, 2011.
MILLER, J.-A., Piezas Sueltas, Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller, Buenos Aires: Paidós, 2013.
MORA, F., Dicionário de filosofia, IV Tomo, São Paulo: Edições Loyola, 1994.
REALE, G., Thomas Hobbes: o corporeísmo e a teoria do absolutismo político, In: História da Filosofia, Vol. II, São Paulo: Editora Paulus, 1990.
SCHIMITT, Carl. Théologie politique. Paris: Gallimard, 1988.         
SOREL, G., (1908), Reflexões sobre a violência, São Paulo: Martins Fontes, 1992.
WEBER, M. Economia y Sociedade, v. II, México: Fondo de cultura económica, 1944.
ZIZEK, S., Violência, São Paulo: Editora Boitempo, 2014.

 

2 www.theguardian .com , acessado em 06 de outubro de 2014.

3 Torturas e interrogatórios: o lado negro da psicologia, publicado na revista PSICANÁLISE, N. 24, São Paulo, Editora Mytos, 2014, p. 52.

 

 

LA ACCIÓN HACE LAZO

 

La Escola Brasileira de Psicanálise

Marcelo Veras, Director de la EBP

 

La Escola Brasileira de Psicanálise, que tendrá veinte años en el 2015, se caracteriza por ser un verdadero continente. Su territorio es diecinueve veces mayor que Francia. Las distancias entre las ciudades son muy grandes, lo que hace que la EBP tenga que constantemente innovar y revivir la cuestión de lo Uno y lo Múltiple. Tenemos seis secciones en actividad, además de una viva actividad en otras cinco ciudades. Es preciso, en ese sentido, establecer líneas de trabajo que hagan avanzar la Escuela sin que ella pierda los pilares que garantizan la formación del psicoanalista. En el campo epistémico, la elección de un tema común de trabajo, generalmente anual, facilita el intercambio de colegas internos que visitan las diferentes ciudades y que a su vez comunican cómo estas ciudades están trabajando en el tema. El Encuentro Brasileño del Campo Freudiano entra en noviembre próximo en su vigésima edición con el tema "Trauma en los cuerpos, violencia en las ciudades." Poco a poco, este evento se ha convertido en una gran encuentro de la EBP. Sin duda, y con una expectativa de superar 1.300 participantes, es el mayor evento de psicoanálisis en Brasil. Sin embargo, es importante llamar la atención sobre el hecho de que nuestro tema entra en diálogo con la situación de la gran mayoría de los países latinoamericanos. Esperamos así que el material producido pueda servir a nuestros colegas de la NEL y de la EOL.

 

Es preciso, sin embargo, regresar un poco a nuestra historia. Después de dos décadas, un fenómeno generacional puede ser constatado y que muestra una maduración del concepto de Escuela. En su origen la EBP se formó a partir de dos grupos de psicoanalistas ya existentes en Brasil, algunos ya organizados como instituciones psicoanalíticas lacanianos, que aceptaron la propuesta de Jacques-Alain Miller de encaminarse hacia la creación de una Escuela de Lacan en Brasil. Por lo tanto, los comienzos de los noventa estuvieron marcados por un movimiento formidable llamado Iniciativa Escola, en el que Miller recorrió personalmente todas las ciudades donde había un deseo de participar en la Escuela de Lacan.

 

La creación, sin embargo, mostró que lo difícil de esos primeros años era pasar de la lógica del grupo, que tenía en muchos casos la presencia de fuertes líderes locales, hacia la lógica de la Escuela. Pocos años después de su creación, la crisis del 98 fue un importante divisor de aguas. En algunas ciudades, como Curitiba, Río de Janeiro y Salvador, la oposición entre la lógica de grupo y la lógica de la Escuela culminó en salidas colectivas, con evidentes señales de una elección por la identificación. Se salían los líderes y sus discípulos se salían de inmediato. Me tomó un tiempo entender estas salidas. En ese momento, la crisis dividía amigos y colegas en la lucha por la creación de la Escuela. Sólo que ahora, 16 años después de Barcelona, ??contemplando las dimensiones continentales de la EBP, podemos decir con certeza que nuestra Escuela no es una escuela de líderes; es una Escuela que tiene la orientación lacaniana como hilo conductor, y no la palabra de un maestro. Ahora tenemos una generación de psicoanalistas que se han formado dentro de la EBP y no en otra institución psicoanalítica anterior. Yo mismo me hice miembro de la Escuela sin tener una vinculación formal con la institución local de Bahía. Hice mi formación en París y pude continuar mi formación al regresar a Brasil en el momento justo de la creación de la EBP.

 

Esto hizo cambiar, por ejemplo, cómo se realizan las invitaciones entre nosotros. Antes, sólo un miembro de la EBP elevado al lugar de maestro era invitado a dictar un seminario o participar de una Jornada en otra ciudad. Hoy en día muchas invitaciones se realizan debido a que el miembro está en el Consejo, en la Dirección, como en mi caso, o por ser Ex-AE o AE. ¿Qué indica esta diferencia? Indica que las instancias de la EBP están bien, que la comunidad confía en sus dispositivos y está interesada en saber sobre la vida institucional y no sólo en una búsqueda de saber. Gradus y Jerarquía establecen un nuevo equilibrio. ¿Esto implica decir que nos estamos burocratizando? Mi opinión es que no; estamos en una verdadera consolidación de nuestras instancias.

Continuando mi razonamiento, creo que hay una enorme diferencia entre las demás instituciones psicoanalíticas en Brasil y la EBP. A mi modo de ver, el dispositivo del pase promueve un reordenamiento que impide que la Escuela se cristalice alrededor del discurso del amo, alrededor de una burocracia en contra del discurso psicoanalítico. Los AE tienen una relación de extimidad respecto del binomio gradus-jerarquía. Hay un nuevo saber en juego, y cada vez más este saber, extraído de los testimonios de los AE brasileños, atrae a las nuevas generaciones que ingresan a la EBP.

 

Sin duda, gran parte del momento actual se debe al direccionamiento firme hacia el pase adoptado por la EBP. En Brasil, esta es la mayor diferencia con las otras instituciones que estudian a Lacan; para la Escuela el dispositivo del pase es muy dinámico. En algunas de estas instituciones, el pase se considera un dispositivo prescindible e incluso perjudicial, tal como un psicoanalista de otra institución me lo decía hace poco.

Por último, creo que Brasil y la NEL pueden y deben desarrollar lazos más frecuentes. Ambos sabemos que necesitamos un mejor uso de las nuevas tecnologías para superar las enormes distancias. No se trata simplemente de un mejor uso del internet. Hay una necesidad real de integración e intercambio de las experiencias en materia de salud mental, leyes, acciones y políticas relacionadas con temas tales como adicciones, autismo, violencia doméstica, etc. El ENAPOL, que se celebrará el próximo año en la ciudad de São Paulo, debería ser un momento ideal para crear el mayor número posible de redes transversales dirigidas a la integración de la orientación lacaniana en las Américas. A modo de ejemplo me gusta citar las propias listas de La AMP. Antes la información circulaba por un modelo vertical de información. Un emisor que enviaba la información a un número determinado de e-mails registrados en un determinado correo particular. Hoy en día la información circula en internet mucho más a través de un dispositivo horizontal, cruzado y caótico, para la cual no encuentro mejor representación que Facebook. La extensión de esta red cruzada es incalculablemente mayor. Su potencial de conectividad no puede ser despreciado.

 

Recientemente, durante la grabación de un breve comentario para Radio Lacan, quería hablar en portuñol. Como dije en la grabación, el portuñol es una especie de Esperanto para el Campo Lacaniano en las Américas. Mis opiniones a veces difieren de algunos colegas. Muchos me dicen que para entrar en los Estados Unidos es necesario que la AMP hable inglés. Me parece una excelente idea que se pueda hablar más inglés en la AMP, pero estoy lejos de pensar que tendremos más penetración en los Estados Unidos a causa de la lengua. Si el lenguaje del psicoanálisis fue originalmente alemán, posteriormente el inglés para luego ser el francés y el español, creo que el portuñol puede ser una buena lengua para el siglo XXI, al menos para la AMP America.

 

 

 

1 de outubro de 2014

 

O Boletim Diretoria na Rede inaugura uma nova rubrica para que os membros da EBP que queiram enviar um artigo o façam diretamente. Nesse espaço, os membros são convidados, um a um, a fazer parte com comentários, cartas, textos ou mesmo sugestão de livros, filmes etc. O envio deve ser feito para o seguinte e-mail: diretorianarede@gmail.com


DECLÍNIO DO NOME DO PAI E ALGUNS EFEITOS

Cartel: Nome do Pai 2007-2009

Silvia Emilia Espósito
        
Dedicado a minha querida colega e amiga Vanessa Nahas

 

O que é um pai?
Para Freud o Édipo como mito, trata das relações parentais da entrada na cultura. Assim, é função do pai transmitir a tradição de uma comunidade em particular, via régia identificatória que articula passado e presente e conseqüentemente funda a irmandade, base da exclusão. Articulação que ao mesmo tempo demarca um lugar de sentido e aponta moderar, pautar, adequar, conduzir os modos de satisfação. Por outro lado, a função do pai só é eficaz na medida em que se autorize na aliança com Deus. Entretanto, confiarmos no Outro é confiar no Deus que promulga as leis e garante um sentido e, por conseguinte dizer o verdadeiro sobre o real que garante também a ausência de imprevistos, de acasos.


O pai para Freud, agente da castração, ou seja, da proibição do incesto e do auto-erotismo, assume uma figura hostil, ameaçante em que o preço a pagar para ganhar o amor é a obediência. Como conseqüência sacrificar o gozo permanece solidário da culpa e da idealização que toma o lugar inesquecível desse não.  Instala desse modo a renúncia e o retorno na forma do imperativo categórico do supereu.


Jacques- Alain Miller destaca que em contraposição ao pai freudiano que diz não, o pai lacaniano diz não e sim. No Seminário 5 Lacan, com o recurso dos três registros coloca a função proibitiva do Nome do Pai no segundo tempo do Édipo, enquanto no terceiro tempo o pai doador se opõe ao anterior. Quando discorre sobre o papel do witz, Lacan acrescenta à função do pai que aceita algo novo, algo da ordem do particular.  Estabelece nessas duas funções do sim e do não tanto a autoridade como aquele que transmite ideais, que possibilitam a sublimação.


É a partir do Seminário 10 que Lacan começa sua caminhada em direção ao além do pai freudiano. Dirá que Freud tenta salvar o pai em declínio por meio do amor. Eric Laurent define o mais além do Édipo como:” uma  destruição sistemática do pai como ideal ou como universal". Como pai não se trata de proibir a mãe universal, mas de se haver com o gozo de uma mulher que é sua causa. Desse modo, Lacan aponta a saída pela via do desejo para o pai freudiano prescindindo do Ideal na tentativa de amenizar o supereu feroz.


A desnaturalização da figura paterna produz, na obra de Lacan um deslocamento progressivo: não se trata da presença ou ausência, mas de uma função simbólica, para depois concluir que o Édipo é uma narrativa que supõe ser o pai responsável pela proibição.


Cada vez mais Lacan destaca o gozo como o que escapa de qualquer significante, o que equivale a dizer que escapa a qualquer nomeação que venha do pai. O declínio do pai na sua função retoma a problemática do gozo como cerne do sintoma do sujeito.


Vemos então que a lógica do “para todos” do Édipo freudiano desemboca fatalmente num impasse relativo ao “todos iguais” que para existir precisa o surgimento do um da exceção. A legitimação do pai se faz na medida em que ele fala em nome do Um. Daí o nome de Totalitarismo aos regimes que buscam a coesão identificatória de todos, com as conseqüências destrutivas que a história nos ensina. Assim, minha pergunta sobre as conseqüências da queda do Nome do Pai é orientada pela proposição  “não há clinica do sujeito sem clinica da cultura”,

  
Democracia

Desde sua invenção pelos Gregos, a democracia sofreu múltiplas definições, mas para nós é importante destacar o modo em que foi resgatada, ressignificada no século XVIII. À luz da modernidade o sistema democrático se contrapõe ao autoritarismo e instala a idéia do estado de direito, da igualdade perante a lei. O Estado de Direito se sustenta no equilíbrio dos três poderes e no consenso em suas deliberações. Deliberações, aliás, que implicam a participação de aqueles que detectam a autoridade, assim, segundo Ricardo Nepomiachi em: a “Representação”  ...” foi a grande invenção democrática do século XVIII”. Confiar significa entregar algo, um voto a alguém sem receio de perder ou sofrer dano. Porém, fazer-me representar por Outro supõe confiar nele, ou confiar no meu poder de discernimento, confiar no meu único núcleo de verdade que legitima qualquer representação.  


A antiga pergunta que ao longo dos séculos cutuca os filósofos e não tão filósofos, sobre o que é  que verdadeiramente existe, se o mundo material  ou espiritual ou os dois, sofre uma guinada.As teorias que pretendiam chamar-se científicas e, por conseguinte atestar enunciados verdadeiros, encontram uma saída; não é necessário uma “teoria” para alcançar a verdade, mas sobretudo um “método”. A questão que tentava descobrir a verdade do existente, desloca a pergunta dos objetos e do que eles são para a relação que os move.
Émile Durkheim, fundador da Escola Francesa de Sociologia parte do suposto de que certos fenômenos sociais não podem ser entendidos como produto de um indivíduo, e acredita que os processos individuais se regem por leis diferentes dos coletivos.  Desse modo o conceito de representação coletiva em Durkheim, contemporâneo de Freud, tentava “expressar os conhecimentos, as crenças e sentimentos do grupo social, a partir de certos saberes, experiências e idéias que vindas do exterior tivessem um valor coercitivo, unificador e estável, como a religião, os mitos e a ciência.” Pragmatismo significa prática, feito, e por extensão a experiência que decanta. Daí podermos concluir que a novidade do pragmatismo é elevar o homem como sujeito fundamental da experiência com o mundo.


O que se destaca aqui é que a escolha do método é relativa à experiência de vida, aquela que levará ao conhecimento das melhores formas de se orientar no mundo.


 Posteriormente num exercício de autocrítica, revê suas posições anteriores, “considerando que o papel do indivíduo é o de um verdadeiro criador e que o principal fator de renovação do social é a consciência”. Ele acredita que a ortodoxia que marca o antigo racionalismo deve ser substituída por um racionalismo que considere a verdade a partir de um quadro histórico e, necessariamente, social.

 

Neoliberalismo

A crise contemporânea é, a olhos vistos, o resultado da queda do pai, que abala as bases da organização social e como efeito o fracasso dos partidos políticos e de suas organizações de realizar esse ideal de representação política, e, sobretudo do fracasso do paradigma da revolução francesa: liberdade- igualdade- fraternidade, cujo correlato é apatia,  desencanto, luto e o retorno sobre si mesmo.


Assim, a definição de“Hannah Arendt diz:  “a política baseia-se no fato da pluralidade dos homens, portanto, ela deve organizar e regular o convívio dos diferentes e não dos iguais.” ,só se aplica na política tradicional, que funciona com a lógica do transcendente, do simbólico.


Contrariamente o neoliberalismo se define como um conjunto de idéias políticas e econômicas capitalistas que defende a não participação do Estado na economia. De acordo com esta doutrina, deve haver total liberdade de comércio (livre mercado), pois este princípio garante o crescimento econômico e o desenvolvimento social de um país.  A Escola Monetarista do economista Milton Friedman, surge como uma solução para a crise que atingiu a economia mundial.


Como nos ensina Modesto Carvalhosa diferentemente do liberalismo clássico, o neoliberalismo pressupõe  a intervenção maciça dos  recursos do Estado em momentos de crise sem, no entanto, admitir nenhuma alteração no dogma do “Estado mínimo”. Quando o Estado não cobre o prejuízo, a devastação sistêmica ocorre... O neoliberalismo atribui ao mercado financeiro características quase “divinas”, que  combinam com a revolução tecnológica e a sua engenharia financeira. O mercado passou a ser imaterial, imediato e planetário. A teologia do neoliberalismo, propugnando pelo “Fim da História” (Fukuyama), afirma que a economia mundial não conhece mais o regime dos ciclos. E não é mais submetida a mutações no tempo, graças aos ganhos de produtividade trazidos constantemente pelas novas tecnologias, acrescidos da erradicação da inflação e da entrada em cena dos grandes países emergentes com os seus milhões de novos consumidores. Esse pensamento neoliberal do “Fim da História” culmina por afirmar que a economia mundial está vocacionada para uma expansão contínua e infinita, sem maiores sobressaltos.


 Reagan foi quem libertou a “magia demoníaca” do mercado norte-americano: assim a economia dos EUA não precisava de poupadores, mas apenas de agentes econômicos permanentemente endividados. E fez crer, com essa regulação “desregulamentadora”, que as instituições financeiras daquele país poderiam viver assim por longo tempo: oferecendo crédito farto e barato aos contribuintes e, em troca, apostando o dinheiro da poupança pública no cassino mundial.


Por conseguinte o Estado chamado de  bem–estar social é declarado  incompetente, mau patrão, burocrático,  autoritário, etc.  O trono vazio foi preenchido por administradores. Desse modo a subjetividade  pós-moderna vazia de autoridade paterna e de identidade – promove as identificações horizontais- e deixa o gozo à deriva.
No paradigma do capitalismo tradicional, os significantes opostos são externos um de outro, um exemplo seria a da guerra fria, do CapitalismoXComunismo onde cada um tem seu lugar na repartição, mesmo que a saída seja a destruição, há a preponderância do bem sobre o mal. No neoliberalismo mundial,ao contrário, não existe exterior, o terror é ”exterior íntimo” segundo Jorge Alemán.


Se o “Fim da História” culmina por afirmar que a economia mundial está vocacionada para uma expansão contínua e infinita, sem maiores sobressaltos é porque julga que sem amarras, sem limites, sem tempo nem espaço, não terá surpresas. É o “definido como do “não lugar geral” no livro “Império” de Antonio Negri e Michael Hardt.


Expulso o Um da identidade, (uniano), o mercado se autorregula; quer dizer, se despolitiza, e assim sendo a ciranda financeira pode jogar à vontade sem fim e sem a preocupação de ter que pagar por isso.
Miller no seminário Iluminações Profanas 2005-2006 se refere ao gozo absoluto como aquele que está além do desejo, sendo sua “determinação essencial a exclusão do simbólico em razão de sua infinitude. Por outro lado, Leonardo Gorostiza na apresentação do curso sobre o Seminário 17 diz: “Os quatros discursos talvez sejam a última grande tentativa de Lacan de apressar um real que não se pode capturar”, e inclusive porque nesse seminário também questiona a primazia do simbólico. Portanto, se no mundo da produção de mercadorias vale a lógica da mais-valia e do mais de gozo, no mundo financeiro, em que nada se produz, a devastação ocorre solta sem possibilidade da mediação e, por conseguinte sem a possibilidade de lembrar a mentira-verdade  que faz acreditar que há algo ali onde não há”.


E falando em  mentira-verdade  talvez possamos concordar com a piada que diz: a operação foi um êxito, conseguimos que pareça crise o que foi um saqueio.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Litaiff,A.  Pragmatismo e Sociologia Ed.UFSC. e Ed. Unisul 2005
Mazzuca,R.  “O pai freudiano e o nosso” - Scilicet dos Nomes do Pai - Textos preparatórios para o Congresso de Roma. 13 a 17 de julho de 2006-AMP pag.108
Gorostiza,L.  “O Pai e a Autoridade” idem - pag.23
Yunis, J.     “Pós- Modernidade e Nome-do-Pai”  idem - pag.141
Musachi,G. “Não – Todo”  idem- pag. 101
Nepomiachi,R. “Democracia” idem-  pag.38
Andreotti Ramos, B. L. texto A Desmaterialização do Imperialismo: O conceito de império de Antonio Negri  internet :http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/viewFile/2272/1365
Carvalhosa, M. O neoliberalismo e o Estado. internet:
http://jornaldeangola.sapo.ao/19/46/o_neoliberalismo_e_o_estado_regulador
Maia,M.A. Pontuações ‘a luz do curso de Jacques-Alain Miller: Iluminações profanas- Opção lacaniana Online
Mozzi,V. Curso avanzado de Leonardo Gorostiza  Electronico- El relatório Del Instituto de Buenos Aires-N1 –año 1 abril de 2002
 Alemán, J. El discurso capitalista según Lacan: La guerra que está viniendo –internet: http://www.hartza.com/afganistan.

 Publicado na revista Arteira número 3

 

SEXTAPES: a sexualidade dos corpos falantes sem a Rainha Vitória

Tania Coelho dos Santos

 

A invenção da psicanálise foi a derrota da Rainha Vitória? Nada é mais discutível do que esta afirmação. Michel Foucault em “A Vontade de Saber” já havia denunciado “a orelha mais famosa do mundo” pela habilidade virtuosa de colocar o sexo em discurso, expandindo os poderes repressivos da confissão. Prática que incitou à edipianização do desejo sexual. A psicanálise, seria uma  das modernas tecnologias de poder arquitetadas para ensinar à família burguesa como aprisionar o desejo na via incestuosa, protegendo-se da mistura perigosa com a massa confusa da população amontoada nas cidades. Freud, e não apenas a Rainha Vitória, teria sido o artífice da moral sexual burguesa e de suas doenças nervosas.


Lacan por sua vez, sem fugir a essa mesma orientação, formalizou e reforçou o mito edipiano, reduzindo-o às quatro letras [S1, S2, $ e a] que se arranjam em quatro lugares respectivamente [agente, saber, produção e verdade]. As letras permutam-se ordenadamente nos quatros lugares de acordo com o sentido horário. O discurso do mestre ou o discurso do inconsciente, constitui-se com o significante mestre [S1] no lugar do agente. Esta é também a fórmula do desejo edipiano.


Diferentemente do que pensava Foucault, a difusão da psicanálise na cultura não conduziu à edipianização do desejo. Ao contrário, as fórmulas lacanianas revelam que quando o sexo é colocado em discurso, o objeto a, causa do desejo pode assumir o lugar do agente. O discurso analítico, diferentemente do discurso inconsciente, coloca o objeto a no lugar de agente. Por esta razão, o discurso analítico não alcança submeter o desejo sexual ao recalque. O discurso analítico – funda-se mais além do Édipo - libera as pulsões parciais das amarras do Nome do Pai.


Por esta razão, desde a invenção freudiana, não cessamos de contemplar o crescimento das sexualidades que transbordam a norma edipiana.  Cresce nas profundezas do gosto – parafraseando Lacan em “Kant com Sade” – a incitação à exibição e à contemplação dos corpos nus ou em atividades sexuais. Gosto que se difunde velozmente no cyberspace A pornografia na internet é viral. Tornou-se uma epidemia altamente contagiosa, abalando mais ainda as barreiras do pudor.


Extraio da minha clínica alguns modestos flashs do fenômeno. Rodrigo é jovem, tem 32 anos, quer se casar e ter filhos. Mas, não consegue renunciar à tentação de experimentar mulheres diferentes. Diz que sua sexualidade foi “playboyzada” durante a adolescência. Hoje, as trocas de fotografias de mulheres nuas entre amigos, na rede do What’sApp, o incita a buscar relações efêmeras com desconhecidas. Felipe tem dez anos. Seu pai me diz que lhe ensinou a “respeitar as mulheres”. Não compreende como seu filho chegou a ser suspenso da escola por compartilhar com os colegas imagens pornográficas obtidas através da internet do celular. O aumento da liberdade sexual não mudou o comportamento masculino. Os meninos, cada vez mais cedo, tornam-se “playboyzados”.


Quanto às adolescentes, podemos verificar que agora almejam o status de símbolos sexuais. Vitória tem 14 anos e está assustada porque uma foto seminua, que compartilhou com uma amiga, caiu na rede da internet. Sua mãe, porém, relata que a mocinha costuma manter conversas eróticas com colegas do sexo masculino por Skype. De vez em quando, alguém sai da conversa para ir “far-far”, isto é, masturbar-se. Para a mãe, a prática da masturbação não é proibida. Mas o fato de ter se tornado um assunto despudoradamente público, lhe causa uma imensa perplexidade. Marcela, 21 anos encara com naturalidade seus blind dates com rapazes que ela conhece através do Tinder, para praticar um sexo casual. Nada parece mais distante das preocupações tradicionais com a sagrada reputação feminina, do que estes comportamentos tipicamente masculinos.


Em sua conferência de apresentação do tema do próximo Congresso da AMP/2016, Miller (2014)1 observa que a psicanálise muda, isto é um fato e não um desejo. Razão pela qual, foi preciso atualizar nossa abordagem da ordem simbólica e do real no século XXI, nos dois últimos congressos. O que dizer agora sobre as relações entre sexualidade e inconsciente no século XXI, visto que Freud inventou a psicanálise sob a égide da Rainha Vitória, paradigma da repressão? A difusão maciça da pornografia, graças a um simples clique do mouse na internet, demonstra que passamos da interdição à permissão, à incitação, à intrusão, à provocação, ao forçamento. Miller termina por perguntar: - o que é a pornografia, senão um fantasma filmado para satisfazer toda uma variedade de apetites perversos? Nada exibiria melhor a ausência da relação sexual no real, do que a profusão imaginária de corpos que se oferecem e se deixam capturar.

 
Proponho que uma clinica da pornografia no século XXI, pode nos ensinar alguma coisa sobre o padrão de subjetividade dos dias de hoje. E, mais ainda, defendo que a política de nomeações pelo passe, praticada nos últimos anos pela AMP, já vem levando em conta este padrão. O desejo de exibir-se e, eu acrescentaria, a curiosidade pelo corpo e pela vida íntima alheia, é o padrão de resposta ao real em voga em nossa sociedade hipermoderna.


A comédia Sextape entrou em cartaz aqui no Rio de Janeiro há três semanas. Estrelada por Cameron Diaz e Jason Segel, conta a história de um casal com filhos e sem vida sexual. Utilizando uma cópia do livro “The Joy of Sex”, eles experimentam várias posições durante o ato sexual e se fazem filmar por uma câmera. O marido, acidentalmente, sincroniza diversos IPads e o vídeo caseiro cai na rede. Em seguida, a comédia se desdobra em torno das manobras que eles efetuam para recuperá-lo, levando a episódios de chantagem e roubo.


O filme é uma boa paródia de como a exibição narcísica da intimidade se transformou em diversão coletiva, violando as barreiras do pudor.  Este filme  redescobre “The Joy of Sex” (“Os prazeres do sexo”), livro que desempenhou um papel importante na liberação da sexualidade da minha geração, há 40 anos. A tecnologia hoje pode servir igualmente ao propósito de intensificar os prazeres do sexo. Editado pelo Dr. Alex Comfort, este livro foi apresentado como o primeiro manual cordon bleu do ato sexual. Era dividido em entradas, pratos principais, molhos e conservas, seguidos de problemas (incluindo "sistema hidráulico" e bissexualidade). Ele prometeu mostrar "ao novato como lidar com uma lagosta viva". Publicado pela primeira vez em 1972, vendeu milhões de exemplares. Nesta época, a reivindicação ao "amor livre", expandiu-se juntamente com o movimento pela liberação da sexualidade, a emancipação feminina, a pílula anticoncepcional e o combate pela legalização do aborto. Para assegurar a sobrevivência da monogamia, o combate à infidelidade conjugal apostava todas as fichas na qualidade da vida sexual.


Nada mais distante da exibição da vida íntima que assola os novos costumes na atualidade. Não se trata mais de apostar na qualidade da vida sexual do casal monogâmico, que consitui uma família e luta contra a entropia tediosa do cotidiano. O universo da fantasia sexual nos dias de hoje, tanto masculino quanto feminino, incita à estrelização. A fama e o status de símbolo sexual são os novos objetivos sexuais. A celebridade se alcança graças à capacidade que a imagem do corpo de cada um tem de provocar o desejo dos outros. O contrário também é verdadeiro. Consentir em ser afetado pela provocação sexual de qualquer um, também pode levar alguém à consagração. Ceder à curiosidade sexual, entregar-se a qualquer estímulo, não recuar ante uma oportunidade de dar prazer ou de sentir prazer, é a nova moral do século XXI. Teria Sade, o libertino, finalmente, triunfado sobre Kant, o ranzinza?
Penso que sim. A moralidade hipermoderna é o avesso da moralidade sexual burguesa e também daquilo que Freud chamou de supereu. O supereu era uma instância que resultava da identificação ao ideal do eu, à metáfora do Nome do Pai. Vivemos, talvez, na época daquilo que Lacan nomeou de supersocial. O supersocial é uma instância horizontalizada. É efeito da identificação ao grupo de pares e não aos semblantes do Nome do Pai. É a época do Outro que não existe e de seus comitês de ética. O supersocial, hoje, advoga que ninguém é de ninguém. Todo mundo tem direito, já dizia Andy Warhol, aos seus 15 minutos de fama. Somente a fama dá satisfação. A AMP vem reconhecendo que o gosto hipermoderno pelo estrelismo, pela fama e pela celebridade é a resposta ao real no século XXI.  Reconhecer o estrelismo como a resposta padrão ao real, vem orientando, inclusive a política de nomeações pelo passe.


Miller (2014) aposta que os testemunhos de passe hoje provam que o sintoma/castração (inconsciente/desejo/Nome do Pai) foi substituído pelo sinthoma/escabelo (narcisismo/sublimação). Esta aproximação da sublimação com o narcisismo é alguma coisa relacionada com a época do falasser.  O escabelo é a sublimação que se funda no estado primordial do falasser, o “eu não penso”. É a negação do inconsciente. É aquilo por meio de que alguém se acredita o “belo mestre de seu ser”.


O sinthoma de um falasser é um acontecimento de corpo, uma emergência de gozo. A palavra escabelo, emprestada de “Joyce o sintoma” (2003) é uma ironia. Ainda menor que uma escadinha, tem degraus, isto é, serve para elevar-se. O escabelo psicanalítico é alguma coisa sobre a qual o falasser monta para se apresentar como belo. É o seu pedestal, que lhe permite elevar-se à dignidade/coisidade2 (dignité, dingté) da Coisa. É um conceito transversal. Traduz por meio de uma imagem a sublimação freudiana num cruzamento com o narcisismo.
Sextape pode ser esclarecido pelo novo padrão dos AEs, reconhecido pela AMP, graças aos testemunhos de passe. Para demonstrar minha tese, nada como recorrer a Miller (2010b, p. 186)3:  “Qual é este padrão? Eu vou lhe dar um nome muito comum, é “estrelizar”4 o passante. No tempo de Lacan havia uma nomeação definitiva do AE sem outra exigência. Na ECF, como era uma nomeação transitória, acrescentou-se o trabalho, de modo que a questão “haveria passe?” se tornou “vamos selecionar este passante para ser uma estrela da psicanálise?”. Miller (2010b:p.184-196) prossegue esclarecendo qual é a política das nomeações pelo passe que foi adotada recentemente pela AMP:


Há, no fundo, uma pequena tendência de que o júri do passe seja como o de uma audição ou de um casting, na medida em que ele não leva em conta somente o passe 1, mas também o passe 3, no interesse da Escola, da Escola Una, do Campo freudiano, no interesse superior da psicanálise [...] Este fator, é necessário dizer, é um pouco embaraçoso, pois, como resultado, há também uma retroação do passe 3 sobre o passe 1. Há como uma obrigação de ter o desejo de falar, o desejo de trabalhar. Eu diria até que seria necessário que uma análise leve ao desejo de se exibir, quer dizer que o passe tem alguma coisa do desejo do ator.


Nomear é também “normear”, “normar”, normativizar. As respostas ao real no século XXI - nós já sabemos disso faz bastante tempo - não se coordenam de forma dominante pela metáfora do Nome do Pai. O desejo da mãe, nomeia -para (nomme-à) e, em nossa prática, não podemos mais ignorar nem lamentar,   seus efeitos narcísicos. Nosso desafio é fazer alguma coisa com isso. Resta saber se só nos resta a regra do bom senso que o velho ditado nos ensina: “ na terra do sapo, de cócoras com ele”.

 

1 Miller, J.A. L’inconscient et le corps parlant, in :http//www.wapol.org/Template.asp, 2014

2 Jogo de homofonia em francês – forjado com o termo alemão Ding (Coisa) – entre dignité e dingté.

3 Miller, J.A. Haveria passe? aSEPHallus Revista de Orientação Lacaniana, v. V, n. 10, maio-outubro de 2010b.

4 No texto original, um anglicismo, starifier.