Territórios Lacanianos #004

Coordenação: Glória Maron e Andrea Reis

 

Editorial

 

Projeto GenomaNesta edição de Territórios Lacanianos, vamos apresentar aos leitores o projeto Genoma, que se funda em uma parceria nada usual entre campos de saber e que não raro são considerados como “absolutamente díspares”: a Psicanálise e a Genética.


No texto assinado por Jorge Forbes podemos tomar conhecimento dos fundamentos que orientam o trabalho que acontece na Clínica de Psicanálise do Centro do Genoma Humano da Universidade de São Paulo, que atende prioritariamente pacientes afetados por doenças neuromusculares de origem genética, e verificar de que maneira a psicanálise é capaz de contribuir muito efetivamente para o tratamento destes pacientes.
É interessante notar que tanto para a Psicanálise quanto para a Genética há uma “zona de sombra”, uma dimensão obscura e silenciosa que aponta para uma defasagem de uma escrita possível e sua expressão. Aprendemos com este texto que a clínica que se pratica ali e a presença do psicanalista, ao desautorizarem o sofrimento socialmente padronizado, que tende a valorizar os sentimentos de resignação e de compaixão, abrem espaço para a responsabilização do sujeito e para a construção de respostas singulares e criativas frente ao mal-estar.


Além destes importantes esclarecimentos, o texto e a entrevista que vocês poderão assistir  trazem ainda uma abordagem inovadora sobre esta inusitada parceria, destacando o lugar do silêncio na Psicanálise e na ciência e outras questões muito instigantes. Boa leitura!

 
Andréa Reis Santos e Glória Maron

 

 

Projeto Genoma

Jorge Forbes

 

Solicitado a escrever uma introdução explicativa sobre o nosso trabalho na Clínica de Psicanálise do Centro do Genoma Humano da USP, entendi que melhor responderia selecionando alguns recortes introdutórios de uma de minhas teses de doutoramento, a de Ciências, pela Medicina-USP. Isso porque essa tese foi realizada exatamente a partir da experiência dessa Clínica, com o título acadêmico de: “Desautorizando o sofrimento socialmente padronizado, em pacientes afetados por doenças neuromusculares”. Em breve, ela será publicada pela editora Manole.

 

“Estamos frente a uma nova medicina: a medicina do futuro.


Primeiro, íamos ao médico para saber o que nos aconteceu no passado seja ele recente ou distante. Sofríamos e, só depois, procurávamos o médico. Isso até trinta anos atrás, aproximadamente. Era a medicina tradicional, terapêutica, sustentada no princípio clássico do Restitutio ad integrum. Em seguida, começamos a buscar atendimento para melhorar o nosso presente: foi o surgimento da medicina cosmética, criticada no seu início - por suposta superficialidade – e, em seguida, bastante aceita e difundida.


Agora, nos deparamos com a medicina do futuro, aquela que não mais responde ao que tivemos, ou ao que temos, mas àquilo que vamos ter. Doenças são anunciadas antes de qualquer sensação física, com previsão de cinco, dez anos, incluindo, por vezes, a descendência. Trata-se da medicina do futuro, marcada pela Genética.”

 

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“Há quem possa achar estranha a colaboração da Psicanálise com a Genética, como é o caso aqui. Isso porque a grande mídia tratou de fazê-las absolutamente díspares: supostamente, a Psicanálise seria o reino da subjetividade e a Genética, o da objetividade. Dois mundos não só incompatíveis como em conflito, com aparente vantagem para a Genética que, finalmente, deveria trazer, nos próximos anos, respostas para todas as aflições humanas, especialmente as da esfera do amor, do talento, do gosto, das vocações.

 

Em trabalhos anteriores, já alertamos que a subjetividade estaria condenada à morte pelas letras do código genético de cada um. Maktoub, ali tudo estaria escrito e determinado. Seria o almejado fim da dúvida, a elevação do humano à categoria dos animais que não duvidam; tal qual uma vaca que nunca duvida. Maktoub retira a responsabilidade do sujeito sobre o seu destino. Dependendo da época, sempre o ser humano buscou um lugar onde estaria escrita a sua história. Se, ontem, era nas estrelas, o que o levava, e ainda leva, a consultar astrólogos, hoje, é no genoma, no sequenciamento dos genes humanos que ele busca o conforto do Maktoub. Contudo, nem tudo está escrito. Até mesmo quando está escrito no código genético, existe um gap, uma distância entre o escrito, o genótipo e sua expressão, o fenótipo. Trata-se do que é chamada a ‘expressão gênica’.”

 

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“... detectamos na Clínica de Psicanálise do Centro do Genoma Humano da Universidade de São Paulo, que atende prioritariamente afetados de doenças neuromusculares de origem genética, um vírus social que nomeamos de RC, as iniciais de Resignação e Compaixão. Notamos, com grande frequência, que passado um primeiro momento de revolta do paciente, ao ser notificado de algum distúrbio, rapidamente ele vai da raiva à resignação enquanto sua família, do choro à compaixão. Essas duas reações são muito valorizadas socialmente: a resignação, porque demonstraria maturidade e saber suportar a dureza da vida, e a compaixão, por ser sinal de profunda virtude amorosa, a de aceitar o outro com sua limitação. Nosso trabalho vai à contravertente do RC.


O que pretendemos, por meio da psicanálise, mais especificamente da segunda clínica de Jacques Lacan, a chamada Clínica do real, é devolver ao paciente o momento surpreendente pelo qual ele passa ao receber uma notícia incompreensível afetivamente e fazê-lo responsável do que lhe ocorre, levando-o a uma resposta singular, portanto, criativa. Daí afirmarmos, no título desta tese, que pretendemos desautorizar o sofrimento socialmente padronizado...”.

 

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“Destacamos um elemento comum entre a Genética e a Psicanálise, base do nosso trabalho: o silêncio. Pode parecer pouco, mas é fundamental. Essas duas disciplinas se imbricam pelo silêncio, insistimos.


No caso da Genética, o silêncio entre o genótipo e o fenótipo, ou seja, existe um espaço negro, uma zona de sombra entre a disposição genética e a sua consequência no fenótipo. Em nosso primeiro encontro profissional, perguntei à Dra. Mayana Zatz se ela entendia que existia uma relação biunívoca entre Genótipo e Fenótipo. Ela nos respondeu de chofre: - “Mas quem foi que lhe disse essa asneira?”. Pronto, estava selada uma colaboração que seria muito difícil se a resposta fosse o oposto.


No caso da Psicanálise, em que pasmem os desavisados, o ponto fundamental é o silêncio da compreensão. O que nunca tem nome nem nunca terá, como disse o poeta. Na família, o silêncio pode ser uma herança que os pais podem deixar para os filhos, no sentido da impossibilidade de explicar tudo, de justificar suas decisões, que muitas vezes são arbitrárias. Arbitrariedade, não como usurpação de poder, mas como estrutura humana impossível.


A psicanálise é o tratamento pelo diálogo impossível. Fazer uma análise, ao contrário da vox populi, não é saber mais sobre si mesmo, é melhor operar o silêncio do saber de si, uma vez esgotadas todas as tentativas de saber mais. Nos silêncios dos avanços da Genética, na inquietação que isso causa, temos um campo novo e fértil de colaboração clínica. A psicanálise se ocupa do silêncio da ciência. Quanto maior for o aprimoramento da escuta na ciência, mais ensurdecedor será seu barulho.”

 

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“Se na primeira clínica de Jacques Lacan, a mais conhecida, o trabalho se caracterizava por interpretar o não sabido, passível de ser transformado pela significação; na segunda, o trabalho se caracteriza pelo enfrentamento a um não sabido radical, pela mudança necessária na pessoa quanto à sua expectativa de guiar sua vida pelo clássico: primeiro pensa, depois age. Se há um furo inexorável na razão, não existe, a partir daí, nenhum agir que seja totalmente justificado na razão, por conseguinte, nenhum agir sem risco. Por isso escrevemos anteriormente que passamos do “Freud explica”, para o “Freud implica”.
O trabalho do analista passa a ser o de dar consequência ao que o paciente diz, mais que esperança em um ilusório conhecimento escondido da felicidade. Entendemos que a segunda clínica de Lacan é o melhor método para tratar a emoção dos pacientes afetados por alterações genéticas, pela coincidência epistemológica já realçada aqui: por mais que o conhecimento avança, uma sombra de desconhecimento o acompanha e é nela, por vestirem de expressões de sofrimento prêt-à-porter essa sombra, que as pessoas adoecem.


Bem melhor que curativos ilusórios de resignação compadecida, acreditamos na cura pela invenção de soluções singulares e a decorrente responsabilidade do paciente por essas soluções. É a clínica que temos praticado.”

 

 

 

Trabalhos sobre a Clínica de Psicanálise do Centro do Genoma Humano - USP

 

Livros de autoria de Jorge Forbes

 

Desautorizando o Sofrimento (prêt-à-porter). Barueri: Editora Manole, 2013 (no prelo).


Inconsciente e Responsabilidade – Psicanálise do Século XXI. Barueri: Editora Manole, 2012, p. 104-113.

 

Teses defendidas por Jorge Forbes

 

Desautorizando o sofrimento socialmente padronizado, em pacientes afetados por doenças neuromusculares. Tese de Doutorado. Orientadora: Profa. Dra. Mayana Zatz. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Programa de Neurologia, São Paulo, 2011.


Inconsciente e Responsabilidade. Tese de Doutorado. Orientadora: Profa. Dra. Tania Coelho dos Santos. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Psicologia / Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica, Rio de Janeiro, 2010.

 

Trabalhos científicos e artigos

Trabalhos / conferências apresentadas por Jorge Forbes em Congressos de Psicanálise

  • “A ciência pede análise” – trabalho apresentado no VIII Congresso da Associação Mundial de Psicanálise “El orden simbólico en el siglo XXI”. Buenos Aires, 23-27 abril 2012.

  • “L’homme déboussolé et la Psychanalyse au XXIème siècle”- conferência apresentada no Envers de Paris, 10 de outubro de 2011.

  • “A saúde para todos, não sem a loucura de cada um” – conferência apresentada no V Encontro Americano de Psicanálise de Orientação Lacaniana (ENAPOL). XVII Encontro Internacional do Campo Freudiano. Rio de Janeiro, 11 e 12 de junho de 2011.

  • “A agulha, a linha e o tecido: o traço da psicanálise no século XXI” – conferência apresentada no I Congresso de Psicanálise do Agreste. Caruaru, 19 de maio de 2011.

  • “Para uma nova bússola” - conferência de abertura no IX Congresso da Escola Brasileira de Psicanálise: “Os limites do simbólico na experiência analítica”. Tiradentes, 29 de abril de 2011.

  • Conferência de encerramento no VII Congresso da AMP Paris, 26 a 30 abril 2010.

  • “Desautorizando o Sofrimento Padronizado”- conferência apresentada no VIII CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOPEDAGOGIA - São Paulo/SP – UNIP, 10 de julho de 2009.

  • “Não tenho a menor ideia” – Conferência apresentada no VIII CONGRESSO da EBP -ESCOLA BRASILEIRA DE PSICANÁLISE: “O ANALISTA E OS SEMBLANTES” - Florianópolis, 3 abril 2009.

  • “Maktoub? A influência da psicanálise sobre a expressão dos genes” - Conferência apresentada no VI CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DE PSICANÁLISE – Buenos Aires, 22 de abril de 2008

  • “Por que a psicanálise provoca o avanço da genética?” –conferência apresentada na EBP- Delegação Geral de Mato Grosso do Sul / Mato Grosso, 1 de agosto de 2008.

  • Primeiros resultados da pesquisa ‘Desautorizando o Sofrimento’ " – trabalho apresentado no VII Congresso da EBP, em Salvador/BA, abril de 2007.

    Primeiros resultados da pesquisa ‘Desautorizando o Sofrimento’ " – trabalho apresentado nas  XXXVI° Journées dÉtude de lECF - Notre Sujet Supposé Savoir – Paris, 6 e 7 de outubro de 2007
    http://www.jorgeforbes.com.br/br/jorge-forbes/agenda/739.html

 

Trabalhos / conferências apresentadas por Jorge Forbes em Congressos de Psicanálise

  • “A ciência pede análise” – trabalho apresentado no VIII Congresso da Associação Mundial de Psicanálise “El orden simbólico en el siglo XXI”. Buenos Aires, 23-27 abril 2012.

  • “L’homme déboussolé et la Psychanalyse au XXIème siècle”- conferência apresentada no Envers de Paris, 10 de outubro de 2011.

  • “A saúde para todos, não sem a loucura de cada um” – conferência apresentada no V Encontro Americano de Psicanálise de Orientação Lacaniana (ENAPOL). XVII Encontro Internacional do Campo Freudiano. Rio de Janeiro, 11 e 12 de junho de 2011.

  • “A agulha, a linha e o tecido: o traço da psicanálise no século XXI” – conferência apresentada no I Congresso de Psicanálise do Agreste. Caruaru, 19 de maio de 2011.

  • “Para uma nova bússola” - conferência de abertura no IX Congresso da Escola Brasileira de Psicanálise: “Os limites do simbólico na experiência analítica”. Tiradentes, 29 de abril de 2011.

  • Conferência de encerramento no VII Congresso da AMP Paris, 26 a 30 abril 2010.

  • “Desautorizando o Sofrimento Padronizado”- conferência apresentada no VIII CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOPEDAGOGIA – UNIP – São Paulo/SP, 10 de julho de 2009.

  • “Não tenho a menor ideia” – Conferência apresentada no VIII CONGRESSO da EBP -ESCOLA BRASILEIRA DE PSICANÁLISE: “O ANALISTA E OS SEMBLANTES” - Florianópolis, 3 abril 2009.

  • “Maktoub? A influência da psicanálise sobre a expressão dos genes” - Conferência apresentada no VI CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DE PSICANÁLISE – Buenos Aires, 22 de abril de 2008.

  • “Por que a psicanálise provoca o avanço da genética?” –conferência apresentada na EBP- Delegação Geral de Mato Grosso do Sul / Mato Grosso, 1 de agosto de 2008.

  • Primeiros resultados da pesquisa ‘Desautorizando o Sofrimento’ " – trabalho apresentado no VII Congresso da EBP, em Salvador/BA, abril de 2007.

  • Primeiros resultados da pesquisa ‘Desautorizando o Sofrimento’” – trabalho apresentado nas  XXXVI° Journées dÉtude de lECF - Notre Sujet Supposé Savoir – Paris, 6 e 7 de outubro de 2007.
    http://www.jorgeforbes.com.br/br/jorge-forbes/agenda/739.html

 

Participação em congressos internacionais de genética

 

Filmes e Vídeos no YouTube

 

 

Trabalhos gerados por outras pessoas