Orientação Lacaniana

Julho 2014

 

Trazemos este mês para a EBP, amostra do trabalho realizado no primeiro semestre de 2014 no Seminário de Orientação Lacaniana, pelos colegas da Seção Minas Gerais. "Hamlet e a lógica da fantasia" foi um dos trabalhos apresentados por Jésus Santiago, realizado conjuntamente com Ram Mandil e Sérgio Laia, tendo como tema por sugestão deste último, "O desejo, sua interpretação e o ininterpretável". Procedendo a uma leitura do Seminário 6 de Lacan, Jésus nos apresenta sua leitura de Hamlet baseada na terceira parte do Seminário, intitulada por Jacques-Alain Miller "Sete lições sobre Hamlet". Trata-se de uma leitura de Lacan que, com Miller, vai além de Freud, incluindo esse registro do ininterpretável que adquire para Jésus, a notação de um matema: S(A)barrado.


De grande interesse para toda a EBP, na medida em que localiza em um Seminário de 1958-59, a segunda clínica de Lacan dentro da primeira. A hipótese de Jésus, que vocês lerão a seguir, é que o ininterpretável se confunde com o para-além do Édipo, que emerge com a distinção entre o objeto (a) imaginário e o objeto (a) real. Jésus destaca um Lacan que, em pleno Seminário 6, vai além de Freud e sua leitura realizada na "Interpretação dos sonhos" da tragédia de Shakespeare. Se Freud quer encontrar uma estrutura comum a Édipo e Hamlet, Lacan aponta diferenças fundamentais entre os dois heróis, que lhe permitem já em 1959, ir além do Édipo com sua célebre frase: "não há Outro do Outro".


Jésus nos mostra como Lacan, pouco tempo depois de promover o Nome-do-Pai como fator que regula a relação de um sujeito com o gozo, inicia a elaboração de outra perspectiva clínica, extraída por meio da lógica da fantasia e do desejo que se inscreve no circuito pulsional de um sujeito. É o que podemos verificar no passo dado por Lacan, do Seminário 5 ao Seminário 6, ou de "Uma questão preliminar" a "Subversão do sujeito" dos Escritos.


Aparece assim, a atualidade dessa criação poética que, como aponta Lacan, cativa e marca todos aqueles que entram em contato com ela: atores, espectadores, críticos, leitores, já que toca nas relações de cada um com o desejo. Foi uma ocasião para relermos Hamlet traduzido por Millôr Fernandes, e assistirmos à surpreendente peça encenada de maneira inusitada pelo Berliner Ensemble, no Palácio das Artes.


Nos próximos números deste Boletim, traremos as contribuições de Ram Mandil e Sérgio Laia, além de um estudo sobre a evolução do conceito de interpretação em Lacan. Ainda neste número, continuamos o recenseamento das publicações de Miller no Brasil. Desta vez Mirta Zbrun nos apresenta sua pesquisa sobre os textos de Miller publicados em português, em nossos sites.

 

Elisa Alvarenga
Julho de 2014

 

 

Intervenção no Seminário de Orientação Lacaniana

Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Minas Gerais

Hamlet a lógica da fantasia

Hamlet: para-além do Édipo e de Freud

Por Jésus Santiago

 

Optei por trazer para a discussão de hoje, o tema do lugar fundamental que ocupa a leitura da tragédia de Hamlet, no Seminário 6, O desejo e sua interpretação. Como se sabe, o título deste Seminário de Orientação Lacaniana na EBP-MG, por sugestão de Sérgio Laia, é "O desejo, sua interpretação e o ininterpretável". Pode-se dizer que, tal como exposta nesta leitura do referido Seminário, a análise de Hamlet, por constituir-se no questionamento incisivo da teoria do Édipo, desempenha o papel de introduzir o registro do ininterpretável na clínica psicanalítica. Como se verá mais adiante, o ininterpretável adquire, inclusive, a notação de um matema: S(Ⱥ).


Proponho que ininterpretável possa ser tomado como ponto de partida dessa leitura de Lacan, aspecto que em última instância, se inaugura nas sete lições que ele desenvolve sobre Hamlet. Minha hipótese é que o ininterpretável se confunde com o para-além do Édipo. Nitidamente, o para-além do Édipo emerge, no momento em que se inicia a distinção entre o objeto (a) imaginário e o objeto (a) real. Ao longo das páginas do Seminário 6, o que já se nomeia como objeto (a), deixa de ser pouco a pouco um objeto qualificado de imaginário. E simultaneamente à mutação na apreensão da natureza do objeto, quase como um contraponto, surge uma elaboração, em que a tragédia de Hamlet torna-se uma espécie de negação da tragédia de Édipo. No fundo, como esclarece Miller, "Lacan rivaliza com Freud, uma vez que ele extrai bem mais de Hamlet, faz disso algo diferente do que Freud havia ali encontrado" (MILLER, 2013, p.26). Talvez haja, nesse caso, uma primeira fonte das produções lacanianas concernentes a Hamlet, um para-além de Freud, um para além do retorno a Freud.


Abro neste ponto, um parêntese para uma breve pincelada a respeito da análise que Freud faz de Hamlet. Essa leitura situa-se na elaboração presente na Interpretação dos sonhos, na parte denominada "Sonhos sobre a morte de pessoas queridas", que aproxima a tragédia de Shakespeare da concepção freudiana do Édipo. O ponto central da interpretação de Freud consiste em mostrar que Hamlet é capaz de agir sim, e o faz em duas ocasiões distintas. Assim, na Interpretação do sonhos:"(...) Hamlet está longe de ser representado como uma pessoa incapaz de adotar qualquer ação. Vêmo-lo agindo assim em duas ocasiões: primeiro, num súbito rompante de cólera, quando trespassa com a espada o espreitador que se encontra atrás da tapeçaria, e em segundo, de forma premeditada e mesmo ardilosa, quando, com toda rudeza de um príncipe da Renascença, envia os dois cortesãos à morte que fora planejada para ele próprio" (FREUD, 1900, p. 281).
Para Freud, o que importa é que Hamlet é capaz de assumir qualquer ação, salvo vingar-se do homem que assassinou seu pai e ocupou o lugar deste com sua mãe, do homem que lhe mostra a realização do desejo infantil recalcado. Por isso, escrúpulos de consciência e auto-recriminaçôes adquirem uma importância capital na interpretação de Freud. Como ele próprio concluí: "(...) o ódio que deveria impeli-lo à vingança é nele substituído por auto-recriminações, por escrúpulos de consciência, que o fazem lembrar que ele próprio, literalmente, não é melhor que o pecador que deve punir" (IDEM, p. 281).


Há, consequentemente, evidente equivalência entre, o para-além do Édipo e o para-além de Freud. Isso quer dizer que Lacan não recusa a diretiva de Freud ao proceder à leitura de Hamlet, sob a luz de sua concepção do Édipo. Pode-se concluir que, ao implementar sua leitura da tragédia, Lacan obedece a tal diretiva, mas ao mesmo tempo, suplanta o próprio mestre. Ao meu ver, ele suplanta Freud quando, com sua leitura, aponta para a insuficiência da metáfora paterna: o Nome-do-Pai não é capaz de metaforizar o Desejo da Mãe. Há algo no gozo da mãe que excede o Nome do Pai e é isto que torna o Desejo da Mãe um fator enigmático para o sujeito. Por meio do enigma do Outro materno, movimenta-se Hamlet em suas peripécias heróicas e em suas hesitações. Preciso, no entanto, que o enigmático, o resto de gozo da mãe, resto não metaforizável pelo Nome-do-Pai, é o para-além do Édipo, no sentido de que não se trata do desejo pela mãe, mas do Desejo da Mãe.


Inicialmente Lacan é bastante discreto, ou seja, a maioria de suas referências ao Édipo, na parte do Seminário 6 em que se ocupa de Hamlet, situa-se sob o signo da equivalência. Miller fez um recenseamento da frequência com que o personagem Hamlet é posto, por Lacan, em nível equivalente ao personagem Édipo. Nessa leitura, informa explicitamente, que o "valor de estrutura de Hamlet é equivalente àquele do Édipo" (LACAN, 1959, p. 324). Ou mais precisamente,"se Hamlet tem, para nós, um alcance de primeiro plano, é porque seu valor de estrutura é equivalente àquela do Édipo" (IDEM, p. 324).Ou ainda, propõe que Hamlet encerra "um tema igual ao Édipo"(IDEM, p.347). Por outro lado declara, ao contrário do que sugeria antes, que a peça Hamlet constitui uma variante do Édipo, em que prevalece uma dissimetria de um ao outro. Pergunto-me, contudo, quais as razões, e como Lacan pôde construir essa dissimetria interpretativa, entre as duas narrativas trágicas. Parece-me nítido que o enfoque clínico orientado pelo real, em que a teoria edípica mostra-se insuficiente e mesmo um empecilho, é o móvel essencial da elaboração lacaniana sobre Hamlet.

 

O ato impossível de Hamlet
Logo, aquilo que marca a leitura de Lacan é a dissimetria entre o seu enfoque e o de Freud sobre o herói trágico shakespereano. Na confrontação por ele estabelecida, o primeiro aspecto que chama a atenção, é a posição do sujeito no que concerne ao ato. Hamlet é bem conhecido por protelá-lo, diferi-lo, procrastiná-lo, a tal ponto que a primeira das sete lições sobre Hamlet, denomina-se "O ato impossível". O impossível é a categoria com que Lacan cunha a função do desejo no obsessivo:


"Hamlet (...)não é isto ou aquilo. Não é um obsessivo, pela boa razão de que é uma criação poética. Hamlet não tem uma neurose, ele nos demonstra a neurose, e é uma coisa completamente diferente de sê-lo. No entanto, se Hamlet, sob um determinado prisma, nos parece tão próximo do elemento revelador da estrutura de um obsessivo, é pelo fato de que uma das funções do desejo, no obsessivo, sua função principal(...), é, nesta hora do encontro desejado, de mantê-la a distância e de esperá-la (Idem, p. 349).


Em seguida, Lacan promove uma discussão em torno do uso do termo "espera" [Erwartung], que aparece em Inibição, sintoma e angústia, uso que permite a Freud distingui-lo da expressão "virar as costas". A Erwartung é a esperança, a expectativa no sentido ativo, de se fazer esperar. Esse jogo com a hora do encontro domina essencialmente a relação do obsessivo com o objeto" (Grifo meu, p. 350). Sem dúvida, Hamlet demonstra toda uma trajetória sob muitas outras faces, mas a do "ato do impossível" é a mais evidente, e a que confere o estilo da peça e sempre constitui seu enigma.


Retornando à questão da distinção do ato em Édipo e em Hamlet, ressalto que neste prevalece a procrastinação, palavra que hoje se tornou familiar para os analistas, mas que segundo Lacan, na época desse personagem, era uma palavra erudita, utilizada principalmente por ingleses. No intervalo de tempo configurado, a língua mudou. Há pois, uma nítida distinção entre a época de Édipo e a de Hamlet. Quanto ao Édipo, ele faz o ato do assassinato do pai sem medir esforços e, sobretudo, sem saber. Lacan afirma, mediante recurso a nota explicativa do texto de Freud, que "afinal de contas Édipo não fazia cerimônias (...). Meu Deus, tudo está se degradando; nós, modernos estamos no período da decadência, reviramo-nos seiscentas vezes antes de fazer o que os outros, os bons, os bravos, os antigos, faziam de uma só vez" (IDEM, p. 350). Apesar de levar em conta a observação de Freud sobre tal escansão discursiva na diacronia das épocas históricas em questão, Lacan aponta que "toda referência à ideia de decadência deve nos ser suspeita" (IDEM, p. 350). Para ele, se não hesita trinta e seis vezes frente ao ato, Édipo o faz antes de pensar, sem saber, e essa é a essência da estrutura do mito de Édipo. É possível constatar o fato de que em Hamlet, ao contrário, a estrutura e o mito se apresentam separados. Na discussão ora em desenvolvimento, pode-se averiguar o porquê.

 

Ofélia, o barômetro do desejo
A questão do ato impossível apresenta-se ainda, não apenas com relação à vingança do pai, mas também por associação ao desejo que sente por Ofélia. Lacan refere-se a essa vingança, como o barômetro da posição de Hamlet em face desse desejo. Pode-se perguntar então, o porquê do uso, no caso desse instrumento capaz de medir as variações da pressão atmosférica, inventado por Torricelli. A variação da posição do desejo de Hamlet caracteriza-se, de maneira mais evidente, na personagem Ofélia (p. 291). Ou, em outros termos:"Há uma correlação essencial entre a evolução que conhece a posição de Hamlet em relação à Ofélia e o que determina sua posição mais geral a propósito do desejo" (p. 292).


Para Lacan, Ofélia é uma das criações mais fascinantes já propostas à imaginação humana. O drama do objeto feminino, não apenas para o obsessivo pois o feminino encarna o drama do desejo, expressa-se no drama e no infortúnio desta personagem. Um dos pontos culminantes da peça está no diálogo passional e comovente entre Laertes (irmão dela) e Hamlet, que na trama assassina Polonius (pai dos dois irmãos). Este diálogo acontece no momento do sepultamento de Ofélia, cujo suicídio é retomado inúmeras vezes pela criação artística, seja por poetas, seja por pintores. Ressalte-se que, no contexto da encenação teatral, esse suicídio é ambíguo.Tal ambiguidade revela-se na discussão entre Laertes e o sacerdote, sobre a forma como Ofélia deveria ser sepultada.


Freud esclarece que, considerando-se o drama propriamente dito, se observa nessa peça um horror à feminilidade, cujos termos são articulados pelo próprio Hamlet quando aponta, diante de Ofélia, todas as possibilidades de degradação, de variação, de corrupção, que se ligam ao desenvolvimento da vida dela. Esse horror à feminilidade se confirma ainda mais, quando o feminino se confunde com a figura da mãe, Gertrudes, e Hamlet a rejeita de maneira sarcástica e cruel. A reação de indignação e sofrimento de Hamlet, antes de saber que seu pai fora assassinado, explica-se menos por essa morte, do que pelo casamento precoce, de Gertrudes com Claudius.

 

Hamlet sabe...
Portanto, entre os dois heróis -Édipo e Hamlet - há também, uma posição diferente no que concerne ao saber. Édipo não sabe e o pai menos ainda. Édipo não sabe que é o filho e o pai não sabe que é o pai desse desconhecido que o mata. Hamlet, desde o primeiro ato da peça, sabe. Ele sabe por que o pai morto sabe e lhe diz. Ao fazer intervir na peça a figura do espectro, do fantasma, Shakespeare busca revelar o laço íntimo entre o pai e a morte, entre o pai e o crime primordial.


Assim sendo, o pai morto sabe que foi traído e o informa ao filho, encarregando-o de uma missão de vingança. É precisamente sobre esse ponto que se institui a diferença entre Hamlet e Édipo, pois o primeiro sabe e, por isso, situa-se no horizonte do sujeito moderno. Hamlet sabe da desgraça do pai, sabe que a traição "apagou"o guerreiro exemplar que, ao vencer Fortinbrás, tornara-se um pilar do reino da Dinamarca.  É o saber da desgraça do pai, que sustenta esta afirmação de Lacan a propósito de Hamlet: "[...] o que constitui o valor da peça" é que ela dá acesso "ao sentido do símbolo S(Ⱥ) (p. 352). Na perspectiva de Miller, o conteúdo do parágrafo final desta página que se conclui na página seguinte, é o que há demais precioso no Seminário 6. Nesse parágrafo estabelece-se uma confrontação entre s(A), que caracteriza o "discurso simples", e o S(Ⱥ), que concerne ao que está para-além desse discurso.


No trecho em questão, Lacan afirma: "O que Hamlet aprende com esse pai (...), é a irremediável, absoluta, insondável traição do amor (...). É a falsidade absoluta do que apareceu (...). Há ali a resposta. A verdade de Hamlet é uma verdade sem esperança" (IDEM, p. 352). E continuando, ele acrescenta: "Devemos poder, dessa resposta, dar uma fórmula que cinge o mais perto possível o que motivou a escolha desta sigla S (A)barrado". O que significa que"em A, o lugar da fala, o lugar em que repousa (...) o conjunto do sistema dos significantes (...), falta alguma coisa (...)" (IDEM, p. 352). Segundo Miller, pode-se dizer que o grande segredo da psicanálise enuncia-se na página 353, de que "não há Outro do Outro". É preciso pois, tentar situar de novo esse conhecido enunciado, no lugar exato em que ele foi introduzido, lugar em que se verifica haver alguma coisa de podre, não apenas no reino da Dinamarca, mas também no rei da Dinamarca.

 

A segunda clínica na primeira clínica
Para se saber o que é a existência do Outro do Outro em Lacan, é preciso levar em conta a passagem exemplar do Seminário 5, As formações do inconsciente, em que tal formulação é forjada e utilizada por ele, nos tempos que precedem a elaboração do Seminário 6:


"Creio lhes haver indicado suficientemente, que a dimensão do Outro como lugar do depósito, do tesouro do significante, comporta, para que ele possa exercer plenamente sua função de Outro, que ele tenha também o significante do Outro como Outro. Também o Outro tem, além dele, esse Outro capaz de dar fundamento à lei. Essa é uma dimensão que, é claro, é igualmente da ordem do significante, e que se encarna em pessoas que sustentam essa autoridade. Que essas pessoas faltem, vez por outra, ou que haja carência paterna, por exemplo, no sentido de o pai ser imbecil demais, não é o essencial. O essencial é que o sujeito, seja por que lado for, tenha adquirido a dimensão do Nome-do-Pai."  (Grifo meu, LACAN, Sem 5, cap. 8, p. 162)


Em suma, o que se apreende desta passagem do Seminário 5, é que o Nome-do-Pai é concebido como a própria existência do Outro do Outro, considerado o significante da lei, fator ordenador da cadeia significante. A partir da distinção introduzida por ele entre o Outro da linguagem e o Outro da lei, constitui-se a posição do Outro do Outro: o Outro da lei como o Outro do Outro da linguagem.


Miller esclarece assim, que, com base em Hamlet, o grande segredo da psicanálise se revela para Lacan: o primeiro na verdade, é precisamente que não há Outro do Outro, a saber, o Outro mostra-se furado, inconsistente. Ele então, faz saltar a rolha do Nome-do-Pai e isso é transposto, muito claramente, no grafo do sujeito que ele volta a trabalhar no transcurso deste Seminário.


Esse grafo não se detém no alto à esquerda, onde poderia estar escrito S(A), já que o A é barrado e a flecha continua mais abaixo, até a localização da fantasia. É essa distância, esse segmento entre S(Ⱥ) e a fantasia, de um a outra,  que Lacan ganha no Seminário 6 (na preparação deste, imagino) e oferece a seus leitores. Com efeito, implica um passo maior e ele vai repetir exatamente esse movimento no Seminário 16, "De um Outro ao outro" em que o Outro, com A maiúsculo se situa em S(Ⱥ) e o outro com a minúsculo é o objeto (a)da fantasia.
Segundo Miller, é notável que sobre esse ponto Lacan faça silêncio. Ele não fornece a seus ouvintes nenhuma indício de que se trata de uma reorientação de sua perspectiva. Nesse sentido, vale considerar as três páginas já citadas do Seminário 6 e o Seminário do ano precedente, para perceber que o (2+2=4), significa que o Nome-do-Pai não é a pedra angular da arquitetura linguística, social, dialética e outras. Lacan não diz que, por essa via, acaba por degradar o que no ano anterior ele próprio promovera: esse Nome-do-Pai que faz regozijar uma parte importante de sua audiência, que nele encontra os ecos da tradição cristã.  


Entendo essa referência ao Nome-do-Pai como uma ferramenta da primeira clínica, que em decorrência da tradição cristã, torna-se índice da importância conferida ao universal da metáfora paterna e do Édipo. Em outros termos, o Nome-do-Pai é tomado como fator que regula e normaliza a relação do sujeito com o gozo que, necessariamente, deve ser metaforizado pelo simbólico, visto como uma ordem universal, na qual o Nome-do-Pai ocupa um lugar de ordenação. No Seminário em foco, Lacan inicia a elaboração de outra perspectiva clínica, ou seja, a da singularidade, que se extrai por meio da lógica da fantasia e do desejo que se inscreve no circuito pulsional de um sujeito. Portanto, não é o Nome-do-Pai que reina, mas o desejo articulado à fantasia, articulação que exige captar a relação do sujeito com seus significantes. Antes de tudo, isso consiste em dizer que se trata de uma verdade, sem o universal do Outro e do simbólico. Em outros termos, é preciso admitir que a clínica psicanalítica lida com uma "verdade sem verdade".


Ao se estruturar pela via do simbólico, caracterizado pela potência criadora inerente ao fator ordenador do Édipo e do Nome-do-Pai, o inconsciente confunde-se com a verdade. O Nome-do-Pai passa a ser detentor de um segredo sobre a verdade recalcada do inconsciente. Quando o que está em jogo é a singularidade do desejo incrustado na fantasia, a verdade perde seu caráter absoluto e torna-se essencialmente relativa. Evidencia-se, no presente Seminário, que Lacan rompe com a perspectiva do Outro do Outro, rompimento que propicia a dissolução de uma concepção do inconsciente calcada na verdade, e em função de um inconsciente marcado pela relação com o gozo da fantasia. De uma clínica do Nome-do-Pai passa-se, portanto, a uma clínica da lógica da fantasia.

 

Notas:
(1) Freud, S. (1900/1976) "A interpretação dos Sonhos. In Edição Standard Brasileira da Obras Completas de Sigmund Freud. Vol. V. Rio de Janeiro, p. 281.
(2) Lacan, J. (2013[1958-59]). O Seminário, livro 6: Le désir et son interprétation. Paris: Éditions de La Marinière.
(3) Miller, J.-A. (dezembro-2013). "O Outro sem o Outro" (2013). Opção Lacaniana. Revista Brasileira Internacional de Psicanálise (67): 26.

 

 

Jacques – Alain Miller -Textos on- line

Por Mirta Zbrun

 

Conferência de Jacques-Alain Miller em Comandatuba / 2004
IV – Congresso -AMP – http://www.congresoamp.com/pt/template.php?file=Textos/Conferencia-de-Jacques-Alain-Miller-en-Comandatuba.html

 

Conferencia de Jacques-Alain Miller 2012, Presentación del IX° Cogresso da AMP

https://www.youtube.com/watch?v=EMb3z2kApQg

O real no século XXI por J.- A. MILLER. Apresentação do tema do IX Congresso da Associação Mundial de Psicanálise (AMP) wapol.org/pt/articulos/Template.asp?intTipoPagina

 

Jacques-Alain Miller  Conclusão do PIPOL V - VI ENAPOL

www.enapol.com/pt/template.php?
 

Jacques-Alain Miller. Uma reflexão sobre o Édipo e seu mais além - Escola Brasileira de Psicanálise.

www.ebp.org.br/dr/orientacao/orientacao006.asp‎                  http://www.wapol.org/images/invisible

Apresentação do tema do IX Congresso da AMP por Jacques-Alain Miller.

haun - Leituras do seminário 19: …ou pior, de Lacan

www.ebp.org.br/haun/home.asp

Jacques Alain Miller apresenta o tema do Congresso da AMP em 10/05/2012 - Em conferência de encerramento do VIII Congresso da AMP
ebpsc.blogspot.com/2012/.../apresentacao-do-tema-do-congresso-da.htm

Na psicanálise, não há saber no real. O saber é uma elucubração sobre o real desprovido de todo saber suposto. Jacques-Alain  Miller

http://pensador.uol.com.br/autor/jacques_alain_miller/

 

CONFERÊNCIA DE JACQUES-ALAIN MILLER: 27 de abril de 2012 – Buenos Aires. Há grande desordem no real no século XXI

http://cepp-teresina.blogspot.com.br/2012/06/conferencia-de-jacques-alain-miller-27.html

 

Uma conversa sobre o amor - Jacques Alain Miller

http://litura-terra.blogspot.com.br/2010/12/uma-conversa-sobre-o-amor-jacques-alain.html

Lacan Elucidado - Jacques-Alain Miller - Google Livros

books.google.com.br/books/about/Lacan_Elucidado.html?hl=pt-BR...
Jacques-Alain Miller. Intervenção à Escola (tarde de cartéis) em 11/12/86.Cinco Variações sobre o Tema da Elaboração Provocada - Escola ...

www.ebpsc.com.br/.../cinco-variações-do-tema-da-elaboraaao-provoca...‎

 

Resenha: MillerJacques-Alain & Otros. La Psicosis Ordinaria ...

www.psicanaliseefilosofia.com.br/.../vol6.../06_02_07psicosisordinaria.p...

 

JAM 2008-2009 - Lições I a VI - Instituto de Psicanálise e Saúde ...

institutopsicanalise-mg.com.br/horizontes/textos/licoes.pdf

Jacques-Alain Miller | Referências na Internet | cyclopaedia.net

pt.cyclopaedia.net/wiki/Jacques-Alain-Miller

Instituto da Psicanálise Lacaniana - IPLA - Instituto da Psicanálise ... UM ENCONTRO COM AS VÁRIAS ESTRANGEREIDADES DE UM TEXTO ... 
www.psicanaliselacaniana.com/estudos/estudos.html

Oriente- se: Miller. Um bom texto: Minha garota e eu de J. Alain Miller

orientacaopsi.blogspot.com/2012/08/jacques-alain-miller.html

 

Orientação Lacaniana - A Diretoria na Rede

www.diretorianarede.com.br/orientacao/orientacao007.asp

 

pequen(a) leitura: VI ENAPOL Boletín #13 CUERPOaTEXTO ..

http://pequenaleitura.blogspot.com.br/2013/03/vi-enapol-boletin-13-cuerpoatexto.html