Orientação Lacaniana

Setembro 2013

 

SEMINÁRIO VI - O DESEJO E SUA INTERPRETAÇÃO

 

Le Séminaire - Livre VINa preciosa capa do Seminário VI de Jacques Lacan sobre "O Desejo e sua interpretação", o famoso quadro de Bronzino (AgnolodiCosimo)1 às vezes chamado "O Triunfo de Vênus", outras vezes  "Alegoria do amor e do tempo"2 continua trazendo o enigma, entre incômodo e ambíguo, da posição feminina no amor. E continua a trazê-lo apesar de - ou melhor, como sublinhou o próprio Jacques-Alain Miller, precisamente  por isto - ilustrar o desvelamento mesmo da interpretação.


O biógrafo de Bronzino descreve o quadro da seguinte maneira: "Fez uma pintura de singular beleza que foi enviada ao rei Francisco da França; nela se vê Vênus desnuda com Cupido a beijá-la; de um lado o Prazer e o Jogo com vários Amores; de outro a Fraude, os Ciúmes e outras paixões do Amor".
Cada personagem do quadro, incluídas as máscaras, mostra algum traço de equívoca ambiguidade sabiamente dosada pelo pintor: o próprio Cupido com seu corpo entre masculino e feminino evocando, ao mesmo tempo, um incesto com sua mãe Vênus. Ou ainda o gesto de cada um às escondidas do outro: Cupido tentando tirar o diadema de Vênus, Vênus a seta do amor - ou do ódio - de Cupido. E assim ocorre com cada uma das outras figuras, tal como vão desfilando no precioso comentário que Erwin Panofsky3 fez do quadro.

 

Miquel Bassols

Tradução: Bernadette Pitteri
Revisão: Elisa Alvarenga

 

 

Mais conhecido por Bronzino ou Il Bronzino, AgnoloTori também chamado Ângelo di Cosimo di Mariano ou Agnolo Bronzino (1503 - 1572), pintor italiano, palaciano, considerado um dos grandes representantes do maneirismo.

Pode ser visto na NationalGallery, Londres, Reino Unido.

Erwin Panofsky (1892 - 1968), crítico e historiador de arte alemão, fez uma das mais interessantes  interpretações do quadro de Bronzino, "O Triunfo de Vênus" ou "Alegoria do Amor e do Tempo".

 

 

Seminário de OrientaçãoLacaniana de Jacques-Alain Miller

Elisa Alvarenga

 

Como apresentar Jacques-Alain Miller?

 

Pensador, psicanalista, escritor, fundador de Escolas, criador de Instituições?


Genro de Jacques Lacan, que o designou para estabelecer o texto de seus Seminários, Miller já publicou 16 de 25 Seminários estabelecidos, e há pouco o livro 6, Le désir et son interprétation, cuja capa e quarta capa expomos aqui. Miller realiza, há mais de 30 anos, seu Curso de Orientação Lacaniana, que serve de vetor para os analistas em todo o mundo, com três volumes já publicados em português e quatorze em espanhol. Na EBP, desde 2003, instituiu-se, em todas as Seções e Delegações, o Seminário de Orientação Lacaniana, onde lemos seu Curso, bússola para o Uno da EBP e campo fértil de investigação e interlocução para uma extensa comunidade de trabalho.


Miller fundou, em 1992, a Associação Mundial de Psicanálise, da qual participam sete Escolas, entre as quais a Escola Brasileira de Psicanálise, fundada em 1995. Também fundou, para o ensino da psicanálise, o Instituto do Campo Freudiano, que reúne Institutos em vários países do mundo. Mais recentemente, fundou o Instituto Lacan, que atualmente preside e que leva adiante uma política da psicanálise para além de suas fronteiras. Sua ambição é estar dentro da espiral do nosso tempo, produzindo com a psicanálise, efeitos no mundo e nas futuras gerações. Dedica-se às tarefas designadas por Freud como impossíveis: governar, educar, psicanalisar. Interessa-se hoje especialmente pela causa das mulheres, havendo cunhado a expressão “feminização do mundo”.

 

Cursos Publicados em Português

Silet – 1994-1995
Perspectivas do Seminário 23 de Lacan – O Sinthoma – 2006-2007
Perspectivas dos Escritos e dos Outros Escritos – 2008-2009

 

Cursos Publicados em Espanhol

Extimidad – 1985-1986
Los signos delgoce – 1986-1987
Los divinos detalles – 1989
El banquete de los analistas – 1989-1990
De la naturaliza de los semblantes – 1991-1992
Donc – 1993-1994
La fuga del sentido – 1995-1996
El Otro que no existe y sus comités de ética – 1996-1997
El partenaire sintoma – 1997-1998
La experiencia de lo real enla cura psicoanalítica – 1998-1999
Los usos del lapso – 1999-2000
El lugar y ellazo – 2000-2001
Piezas sueltas – 2004-2005
Sutilezas analíticas – 2008-2009

 

 

JACQUES LACAN

O SEMINÁRIO - LIVRO VI

O DESEJO E SUA INTERPRETAÇÃO

 

O que mostra Lacan? Que o desejo não é uma função biológica; que ele não está coordenado a um objeto natural;  que seu objeto é fantasmático. Por conseguinte, o desejo é extravagante. Ele se esquiva de quem quer dominá-lo. Ele usa de truques. Mas também, se não for reconhecido, ele fabrica seu sintoma. Numa análise trata-se de interpretar, quer dizer, ler no sintoma a mensagem de desejo que ele detém.
Se o desejo tumultua, em contrapartida ele provoca a invenção de artifícios que fazem o papel de bússola. Uma espécie animal tem sua bússola natural, que é única. Na espécie humana, as bússolas são múltiplas: são montagem significantes, discursos. Eles dizem o que é preciso fazer: como pensar, como gozar, como se reproduzir. Contudo, o fantasma de cada um permanece irredutível aos ideais comuns.


Até época recente nossas bússolas, por mais diversas que fossem, indicavam todas o mesmo norte: o Pai. Acreditava-se ser o patriarcado uma invariante antropológica. Seu declínio acelerou-se com a igualdade de condições, a ascensão do capitalismo, o domínio da técnica. Nós estamos na fase de saída da idade do Pai.
Outro discurso está prestes a suplantar o antigo. Inovação no lugar da tradição. Mais do que a hierarquia, a rede. A atração do futuro supera o peso do passado. O feminino passa adiante do viril. Onde havia uma ordem imutável, os fluxos transformacionais empurram incessantemente todo limite.


Freud é da idade do Pai. Ele muito fez para salvá-lo. A igreja finalmente se apercebeu disso. Lacan seguiu a via pioneira de Freud, mas ela o conduziu a dizer que o Pai é um sintoma. Ele o mostra aqui, com o exemplo de Hamlet.


O que  se mantém de Lacan - a formalização Édipo, a ênfase colocada sobre o Nome-do-Pai - foi apenas seu ponto de partida. O seminário VI já o reformula: o Édipo não é a única solução para o desejo, é apenas sua forma normalizada; esta é patógena; não esgota o destino do desejo. Donde o elogio da perversão que encerra o volume. Lacan a valoriza como uma rebelião contra as identificações que asseguram a manutenção da rotina social.


Esse seminário anunciava "a reorganização dos conformismos anteriormente estabelecidos, até mesmo sua ruptura".  Nós estamos aí. Lacan fala de nós.

 

Jacques-Alain Miller