Extimid@des 07
Extimidades Cinema
Jéssica Cristopherry (Bahia, 2013)
Elenco - Paula Lice, Aldo Zeck, Bruno Santiago, Jean Carlos Macêdo, Luiz Santana, Valécio Santos e Rodrigo Dourado
Roteiro e Direção – Paula Lice, Ronei Jorge e Rodrigo Luna
Produção Executiva – Amadeu Albán, Paula Lice, Ronei Jorges e Rodrigo Luna
Direção de Produção/Assistência de Direção – Roberta Martins
Direção de Fotografia – Jeronimo Soffer
Na ocasião da última Jornada da Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Bahia "Acontecimentos de Corpo" realizada nos dias 08 e 09 de Novembro foi exibido o filme Jéssica Cristopherry. Trata-se de um documentário premiado no último festival de cinema de Cachoeira – Bahia com os prêmios de melhor roteiro e melhor atriz. A premiação lança luz para o efeito ficcional atingido pelo mise em scène que conta a história de Paula Lice.
No filme, Paula resgata um personagem de sua infância "Jéssica Christoferry" para realizar o desejo de, como mulher, fazer as vezes de uma cantora transformista. Para isso, ela conta com o apoio de seus amigos famosos na cena transformista baiana. Ao tempo em que contam suas histórias pessoais, literalmente, montam uma mulher com os semblantes característicos da figura da Diva para a apresentação do show onde cantam sucessos românticos em uma dublagem performática. Quase como um boneco de fantoche, Paula segue os comandos estéticos dos seus amigos para conseguir atingir o brilho algamático de uma mulher-diva.
De modo sutil o filme, demonstra a assertiva de Phillip Sollers ao comentar os Seminários de Jacques Lacan: "o corpo sai pela voz". Apesar de toda a maquiagem, trejeitos e adornos, é somente quando Paula empresta seu corpo à voz do Outro (na dublagem muda das canções) que um corpo ganha vida. É o ápice do filme, quando ela ganha a plateia.
O que parece uma simples história cômica sobre uma mulher querer ser um transformista, nos diz de modo surpreendente que o corpo ganha vida, quando cede algo do seu gozo à dublagem da voz do Outro. Esse acontecimento de corpo, fruto do choque do significante na carne é um modo de pensar a encarnação/incorporação do significante. O efeito vivificante de um corpo pode estar, para aquém do júbilo especular, na captura da voz do Outro e o uso singular que cada um faz desta incidência contingente do significante – um efeito de dublagem.
Na ocasião da exibição do filme a equipe, inclusive a protagonista Paula Lice estive presente e participou da conversação fomentada pelos comentários da convidada da Jornada Silva Salman (EOL/AMP). A dublagem dos transformistas baianos nunca pareceu tanto lacaniana.
Luiz Felipe Monteiro
Bebê com receita?
O texto de Rafael Garcia no caderno "Ciência+Saúde" da Folha de São Paulo de 4/10/2013, noticia que a empresa americana 23andMe da Califórnia, "patenteia método que permite selecionar doadores de esperma e óvulos para escolher os traços do bebê, como cor dos olhos e risco de doenças" além da estatura, porte atlético e expectativa de vida. Trata-se da patente de um algoritmo que promete maximizar a possibilidade de uma criança nascer com as características desejadas pelos pais, incluindo o sexo, algo que a maioria dos países como o Brasil proíbe ao regulamentar os tratamentos de fertilidade.
No mesmo caderno vemos uma breve reportagem que consulta geneticistas sobre o tema, sendo que a maioria sem se opor à prática, quando aplicada para evitar que a criança nasça portadora de doenças, acredite que a escolha de genes deva ser limitada.
"Acho totalmente antiético selecionar características fúteis; filhos não são brinquedos" diz a cientista Mayana Zatz da USP, que afirma ser complicada a implementação do algoritmo e a dificuldade de a empresa entregar o pacote prometido. Cor dos olhos, tudo bem, mas talento para esporte e longevidade, "seria impossível".
Ao que parece, a seleção de genes nos coloca diante da velha eugenia, sempre renascida como a mítica Fênix, o que nos lembra um filme americano de 1977 "Gattaca uma experiência genética". Com roteiro e direção de Andrew Niccol, esta ficção científica aborda questões sobre tecnologias reprodutivas, num suposto tempo futuro, no qual as corporações controlariam o Estado.
Aos pais seria dada a oportunidade de gerar filhos com a melhor combinação genética possível, criando uma distinção entre "válidos" (frutos de planejamento genético) e "inválidos" (gerados naturalmente e como tal, propensos a doenças e deficiências).
Duas frases que se opõem e propõem um debate de ordem ética, aparecem no início do filme: "Reflita sobre a obra de Deus: quem pode endireitar o que Ele criou torto?" (Eclesiastes 7/13) e "Eu não apenas acho que devemos agir sobre a mãe natureza, como também acho que ela espera que façamos isso" (Willard Gaylin).
Gattaca (sigla composta com as letras que nomeiam os quatro diferentes nucleotídeos do DNA: guanina, adenina, tiamina e citosina) retrata uma sociedade de classes, cuja técnica de manipulação genética facilita o controle social. Até os anúncios no prédio da Corporação Gattaca estão gravados em esperanto (língua artificial criada no século XIX, que nunca emplacou).
Jerome Morrow vai passar um ano na 14ª lua de Saturno (Titan), missão de prestígio, embora sua seleção já estivesse garantida quando ele nasceu. O problema é que ele não é Jerome mas Vincent, "inválido", míope e portador de problema cardíaco, com o final da vida previsto para os trinta anos. Seu irmão, ao contrário, é "válido" e nele os pais colocaram as esperanças de sucesso. Os irmãos se encontram em Gattaca, numa série de suspenses ao estilo holywodiano, em posições invertidas: Vincent é o astronauta prestigiado e seu irmão é um policial.
Vincent sempre desejou viajar pelo espaço e o consegue, superando os limites impostos por seu destino genético e burlando o sistema social ao assumir a personalidade de Jerome Morrow, com apoio total deste, um "válido" que, ao perder o primeiro lugar a que estava destinado, coloca-se em situação de risco e, em virtude de um acidente, torna-se paralítico.
O filme mostra os limites do planejamento genético: o imprevisto, a surpresa que transformam um "válido" num inválido (literalmente) numa cadeira de rodas e o desejo de um "inválido" que o faz transpor os limites do destino genético.
Maria Bernadette Soares de Sant´Ana Pitteri