Extimid@des 04
Editorial
No Extimidades deste mês, a tecno-ciência faz curto-circuito com a psicanálise em duas vertentes: a neurociência e a pornografia. De um lado temos a tradução de uma matéria recém publicada no New York Times. Ali, o autor comenta sobre o Iniciative Brain, que desponta como o novo campo de pesquisas milionárias sobre o funcionamento neuro-cerebral. Fernando Prota comenta a matéria ressaltando a distopia do Real como elemento indissociável nas considerações psicanalíticas sobre a ciência contemporânea. Outro vértice da tecno-ciência é apreciado no comentário de Bernadette Pitteri sobre uma matéria publicada na Folha, que versa sobre como a tecnologia e a pornografia compõem uma parceria sintomática tipicamente contemporânea. Por fim, abrimos espaço no Extimidades para o cinema. Trata-se de uma proposta de comentários de filmes que animam a discussão sobre temas em psicanálise. Neste mês, o filme recém-lançado de Terence Malick, Amor Pleno (To the Wonder), é a captura da vez. Sintam-se convidados a propor filmes e matérias para as próximas edições do Extimidades. Novas palavras e vozes são sempre bem-vindas!!
The Stone August 11, 2013, 9:31 pm
Explodindo a Bolha Neuro-Utópica
PorBENJAMIN Y. FONG
Durante os meus estudos de graduação no Departamento de Religião na Universidade de Colúmbia, passei horas incontáveis ??na Biblioteca Burke do Seminário da União Teológica, de onde eu tinha uma vista diagonal espetacular da construção e desvelamento do Edifício Northwest Corner, o novo edifício de ciência interdisciplinar da Colúmbia. Embora a torre de aço e alumínio de 14 andares fora projetada para complementar a torre gótica de pedra e calcário da União, sua presença dominante na esquina da Broadway e 120 serve de lembrete opressivo do rumo que estamos seguindo. Quando caminhava da União em direção ao principal campus da Columbia, muitas vezes senti, ao cruzar suas portas e passar pelo átrio de mármore impecavelmente asséptico, como se o edifício fosse projetado para limpar / purificar os intrusos do noroeste que não tinham sido intimidados pela fachada.
O nono andar desse edifício abriga um laboratório de Rafael Yuste, autor principal de um texto curto ambicioso que apareceu na importante revista de neurociência Neuron, em 2012. O texto propôs a necessidade do "Projeto de Mapeamento da Atividade Atividade Cerebral, focado na reconstrução do registro completo da atividade neural em circuitos neurais completos." Em abril deste ano, a administração Obama aprovou o projeto, reservando 100 milhões de dólares, exclusivamente para 2014, renomeando-o de Pesquisa Cerebral Através da Iniciativa de Tecnologias Inovadoras Avançadas ou para resumir, Iniciativa Cerebral.
Problemas psicossociais não podem simplesmente ser resolvidos no laboratório do neurocientista.
O projeto foi comparado pela administração ao Projeto Genoma Humano, que enfocou um problema - o sequenciamento do genoma humano - tão assustador quanto o registro e mapeamento dos circuitos cerebrais em ação. O sucesso do Projeto Genoma Humano foi tanto científico como financeiro: os 3.8 bilhões de dólares investidos nele pelo governo federal já geraram 796 bilhões de dólares, um fato que os defensores da Iniciativa Cerebral foram rápidos em citar como justificativa de seu próprio empreendimento.
Os críticos do Projeto Genoma Humano têm manifestado muitas preocupações sobre o sequenciamento genômico, a maioria das quais pode também ser equiparada à Iniciativa Cerebral: O que acontece quando as companhias de seguros de saúde se apossam desta informação? Isto poderia levar a invasões de nossa privacidade? E, talvez o mais fundamental, não estão estes cientistas, mais uma vez, tentando brincar de Deus?
A contestação da comunidade científica em geral, foi algo dessa ordem: o organismo vivo é uma máquina complexa. Para compreendê-lo, precisa-se desmontá-lo e montá-lo novamente, como se fosse o motor de um carro. Opondo-se a esta pesquisa, mas incentivando o avanço da medicina, é como pedir ao seu mecânico para consertar seu carro sem abrir o capô. Nós não estamos brincando de Deus. Nós simplesmente queremos o subsídio, tanto financeiro quanto jurídico, para avançar ao longo do caminho para um verdadeiro conhecimento, uma verdadeira mestria da vida. À medida que este domínio cresce, ambas as doenças - fisiológicas e psicológicas – serão lentamente erradicadas, e as questões morais e políticas, onde não desaparecem completamente, tornar-se-ão mais fáceis de serem tratadas.
O que exatamente é censurável sobre essa visão? Por que devemos estar preocupados com os avanços da neurociência e em particular com os da Iniciativa Cerebral? Por um lado, seus defensores são simplesmente ingênuos com relação aos lobos corporativos com os quais eles lidam. George Church, um professor de genética na Universidade de Harvard e um dos encabeçadores da iniciativa, descreve seus patrocinadores, incluindo Chevron, Procter & Gamble e Merck, como instituições que são "muito pragmáticas e objetivas em relação a como ajudar nosso mundo a ficar melhor." Essa ignorância intencional com respeito a influência corporativa é ainda mais preocupante no caso da Iniciativa Cerebral, que promete um excelente controle sobre a sede da consciência. Com a ajuda desta pesquisa, o neuro-marketing atual - marketing pesquisado não com enfoque em grupos, mas em Ressonâncias Magnéticas – em breve poderá parecer bastante primitivo.
Entretanto, não é suficiente indicar o casamento indissolúvel da ciência com a indústria, para controlar o dinheiro e lamentar os empregos corruptos desta pesquisa. É muito mais necessário enfrentar a fantasia pura que a orienta, de modo que os problemas que a visão incorporada enfrenta não possam ser defendidos como meros problemas de implementação. Assim, o que é preocupante, então, com relação a este plano científico para o aperfeiçoamento humano, sem corrupção, com relação ao sonho do técnico de ter controle total sobre o corpo humano, e em particular sobre o cérebro humano? Primeiramente, eu acredito que o tempo para salvar essa entidade etérea chamada "mente" de sua redução biológica passou. Devemos aceitar a possibilidade verdadeira de que um dia, depois de ter monitorado o cérebro ativo desde o nascimento até a idade adulta e descoberto tanto os fatores constitucionais e ambientais de várias doenças, seremos capazes de contar a história do desenvolvimento em que eus emergem em termos neurológicos.
O problema essencial junto à Iniciativa Cerebral não é filosófico, mas prático. Em resumo, a abordagem instrumental para o tratamento de doenças fisiológicas e psicológicas tende a estar em desacordo com os métodos tradicionais com os quais os seres humanos têm abordado seus problemas: isto é, falar e trabalhar entre si com o objetivo de uma maior autorealização pessoal e harmonia social.
Em "Biologia como Ideologia", Richard Lewontin aponta a profunda diferença entre o fato de que não se pode pegar tuberculose sem o bacilo da tuberculose e a afirmação de que o bacilo da tuberculose é a "causa" de tuberculose. Ao registrar que a tuberculose era uma doença comum nas fábricas, no século XIX, Lewontin sustenta: "Podemos ser justificados ao afirmar que a causa da tuberculose é o capitalismo industrial não regulamentado, e se nos livrássemos desse sistema de organização social, não precisaríamos nos preocupar com o bacilo da tuberculose." Após terem reduzido sua visão de "causa" para o reino biológico, hoje, os neurocientistas estão efetivamente perseguindo o bacilo da tuberculose, desviando nosso foco para longe das práticas sociais e instituições que contribuem para os problemas de saúde mental.
Sabemos, por exemplo, que o baixo nível socioeconômico ao nascer está associado a um maior risco de desenvolver esquizofrenia, mas a maior parte das pesquisas sobre a esquizofrenia atualmente é realizada por neurobiólogos e geneticistas, que têm o propósito de descobrir a "causa" orgânica da doença, em vez de olhar para os fatores psicossociais. Embora esta pesquisa possa muito bem dar frutos, sua predominância sobre outras formas de pesquisa, em face da conexão conhecida entre pobreza e esquizofrenia, atesta uma hipótese curiosa que se estabeleceu numa confortável obviedade: que o status socioeconômico, ao contrário da biologia humana, é algo que não podemos mudar "cientificamente”. Que encontrar uma maneira de mudar o próprio ser humano “cientificamente” é, de alguma forma, mais realista, do que trabalhar em conjunto para mudar o tipo de ambiente que se presta ao surgimento de um distúrbio como a esquizofrenia.
Tradicionalmente, a psicologia tem se preocupado com as formas pelas quais nos engajamos no mundo e nos transformamos em seres sociais, com a esperança de melhorar nossos relacionamentos pessoais e bem-estar comum. A neurociência poderia complementar este projeto, oferecendo melhor informação sobre o substrato material da consciência, mas é, ao contrário, e com frequência conscientemente, uma usurpadora, uma arauta de um novo paradigma psicológico que substitui o self – eu socialmente formado pelo cérebro ativo. Ela negligencia as formas de conversa privada e pública que oferecem a possibilidade de autotransformação em favor de dissecações instrumentais do cérebro que prometem apenas automanipulação. Seu futuro não é o que é trabalhado visando ao comum acordo com outros seres humanos, mas um futuro que é moldado fisiologicamente por uma vanguarda de biólogos sintéticos.
Eu não duvido que o meu corpo será o beneficiário de muitas tecnologias novas que o Projeto Genoma Humano, a Iniciativa Cerebral, e outros tantos empreendimentos de tecnologia de ponta produzem. A minha ideia é simplesmente que a tentativa de conquistar o controle sobre a própria vida foi sériamente depreciada do trabalho de descobrir como falamos e trabalhamos uns com os outros, a fim de melhorar a nós mesmos e nosso mundo. Para ser claro, eu não acredito que este projeto de comunicação seja mais fácil ou mais eficiente do que a abordagem instrumental - como nós lidamos com a mudança de condições socioeconômicas é um problema que nós ainda nem começamos a resolver -, mas apenas que é uma parte importante do que significa ser um ser humano. E não importa o quão precisamente nós podemos manipular o cérebro com drogas, eletrodos, e outros tantos artifícios, as idéias emergentes da neurociência nunca suprirão ajuda suficiente em relação a este trabalho.
Isso não é questionar as intenções dos neurocientistas. Sem dúvida, eles são conduzidos, pelo menos em parte, por um desejo de melhorar a vida humana. Mas, como Freud argumentou em 1930, as forças da civilização têm uma estranha tendência de trabalhar com objetivos cruzados entre si, pondo em perigo os próprios projetos que também realizam. Ao alegar, humildemente, ignorância sobre as "causas" dos problemas mentais, e, portanto, a necessidade de um projeto como a Iniciativa Cerebral, os neurocientistas, inconscientemente, reprimem tudo o que sabemos sobre o mundo alienante, desigual e insatisfeito em que vivemos e os efeitos nocivos que ele tem sobre a psique, assim, involuntariamente excluindo o tipo de trabalho de comunicação que poderia aliviar o transtorno mental.
Como muitos outros, eu me preocupo que o trabalho da neurociência caia, quase por necessidade, em mãos erradas - digamos, empresas interessadas em controlar os consumidores num nível neurobiológico; mas o seu desenvolvimento em mãos “corretas”, talvez, seja ainda mais desconcertante.
Benjamin Y. Fong é um Harper Fellow da Universidade de Chicago e está trabalhando em um manuscrito sobre psicanálise e teoria crítica.
O que rompe a bolha é
a distopia do Real
Fernando Prota
O Brain Iniciative é um projeto em neurociência que se apresenta à comunidade científica como a possibilidade de acesso à verdade do comportamento humano e sua relação com os circuitos neuronais de uma forma como nunca fora possível antes. Trata-se de um projeto que pretende registrar e mapear toda a atividade neuronal em todos os circuitos neuronais do cérebro humano. Todos os mais ínfimos circuitos em suas mais diferentes funcionalidades serão recenseados.
O autor do artigo do New York Times pretende dissecar a utopia que se apresenta por trás desse projeto, que ele nomeia como uma “bolha neuro-utópica”. Porém, ele pretende analisar essa utopia utilizando outra utopia, a qual ele nomeia de communicative project. Ele o faz dissecando os efeitos que a crença biológica tem sobre esta outra crença, a saber, a crença sobre a potência do simbólico (da comunicação) para lidar com as agruras humanas.
Parece-me um instrumento já gasto e sem corte para tal dissecação, a tal ponto amparado na tradição (ou na psicologia) que condena o discurso neurocientífico como um “usurpador” por propor um novo paradigma para o eu (self), que se resume em: eu = atividade cerebral. Mas, considerar isso uma usurpação, aponta para a crença de que seria mais legítimo, ou de direito, que o eu estivesse sob os auspícios da psicologia. Mas por quê? O que legitima que o eu, ou o sujeito, se introduzirmos aí a psicanálise, deva ser tomado no registro das abordagens da fala? Por ter sido assim até hoje, ou seja, a tradição? Parece-me que o discurso da tradição não nos auxiliará neste campo que vem sendo aberto pela vanguarda científica.
O que chama a atenção nesse em relação a outros projetos em neurociências é a palavra “total”, repetida várias vezes. Assim como o projeto genoma, o desejo que habita esse tipo de pesquisa é o conhecimento total do corpo, ou da mente humana (que supõe a igualdade mente-cérebro). Um conhecimento total que poderia nos levar a uma maestria total sobre o humano.
Podemos sim reconhecer aí uma utopia científica, que pode ser comparada a uma utopia totalitária no campo da política, a qual esteve, desde sempre, orientada pela noção de “Bem do povo”, com as consequências devastadoras que conhecemos. No caso da presente utopia totalitária neurocientífica, trata-se também do Bem de cada pessoa, de cada paciente. Podemos ainda reconhecer, como nos aponta o artigo em tela, que os instrumentos gerados por tal utopia, podem recair em “mãos erradas” alimentando a ganância capitalista com seus usos para o neuro-marketing.
Porém, para uma leitura psicanalítica, para além da utopia, precisamos reconhecer de que modo habita aí, nesse processo e em suas consequências, o gozo que, de modo acéfalo, comanda o “progresso”; reconhecer aí o gozo e as mutações do corpo concernentes aos novos modos de gozar.
Penso que um neurocientista imaginário, com a dose certa de cinismo, frente à questão: “Por que mapear a totalidade das atividades cerebrais até o mais ínfimo recôndito?” Responderia: “Porque eu posso”.
Seria exagerado, a respeito do gozo em jogo, recorrermos a Walter Benjamim e a forma como ele indica, claramente, que a revolução tecnológica é causa da guerra e não meramente seus meios ou consequências? A característica acéfala do gozo implica que, uma vez que uma nova modalidade de gozo se torna possível, ela será necessariamente colocada em marcha. O gozo só quer gozar mais. Este me parece ser um modo muito pertinente de entendermos que não somos senhores em nossa própria casa, não somente pelo que de alteridade nos habita via inconsciente, mas especialmente pela autonomia do gozo.
Corpo
O corpo como propriedade de um indivíduo é uma invenção moderna, lembrando que a subjetividade moderna remonta a Descartes. Sobre isso é interessante lembrar a história de como os povos lidaram, ao longo das épocas, com a realidade do suicídio. Um medo-pavor de como esse ato poderia afetar o corpo social, com as mais diversas implicações e punições para os suicidas e seus familiares, mostra uma interpenetração evidente entre corpo individual e o corpo social (resquícios disso ainda se encontram na legislação brasileira, que ainda condena quem atenta contra a própria vida).
O corpo como sede da soberania do sujeito frente ao Outro, fruto da modernidade, encontra suas últimas fronteiras políticas no debate atual sobre o direito das mulheres ao aborto. Uma pesquisa como a Brain Iniciative aponta para uma experiência com o próprio corpo que trará uma questão para além da soberania sobre o corpo e para além, ainda, de todo ideal de controle. Aponta, a meu ver, para a indução de um auto-erotismo cuja visada me arriscaria a chamar de “pura”. Mais que um inchaço do eu, que poderá controlar seus impulsos, desgastes, agruras, através de intervenções precisas e específicas em alguns circuitos neuronais, o que se vislumbra é um auto-erotismo extremo, gerado pela própria possibilidade de manipulação do corpo em níveis ainda por se conhecer. E, uma vez possível, irá ocorrer.
Por trás de um suposto controle do eu sobre suas funções e sofrimentos (ideal científico), espreita o gozo puro e simples, que só quer gozar. Tratar-se de transformar, gradativamente, o corpo humano numa “máquina autista”. Esse processo vislumbrado aqui, não se diferencia muito do que já se evidencia do discurso liberal capitalista. O mercado, assim como o gozo, é acéfalo e contra os ideais liberais não se regula, só quer gozar.
A existência de zumbis não é estranha à prática clínica do psicanalista. O que um projeto como esse deve nos deixar alerta é para a possibilidade da sua produção em série.
Posição política
O autor do artigo toma uma posição política clara relativa à neurociência: salvar a mente da sua redução biológica (mesmo que no artigo ele apresente isso através de uma denegação). Sendo que mente, para ele, se baseia na potencialidade comunicativa entre as pessoas.
Qual poderia ser a posição politica do psicanalista frente às questões que tal pesquisa nos coloca?
Penso que para o psicanalista não se trata de salvar a mente, pois a “mente” de que se trata para a psicanálise, essa coisa sempre débil, essa coisa que brota como invenção particular a partir dessa “causa” que é o Real, não pede para ser salva. Tentar salvá-la seria acreditar em uma forma, que o Real como mente devesse se apresentar de uma forma pré-concebida. Ou seja, não se trataria de algo relativo ao Real.
Creio que a posição do psicanalista frente a esses avanços totalitários das neurociências possa ser o de acolher, dar voz e recensear, as formas com que o Real vai se apresentar a partir dessas incidências discursivas sobre o sujeito, o corpo e seus modos de gozo.
Podemos chamar isso de uma posição política? Acho que sim. O fortalecimento das instituições psicanalíticas, tornando-se influentes no meio científico, assim como no meio público mais amplo, na política das cidades, em todos os lugares onde se encontrem psicanalistas, pode ser um passo importante para que funcionem como caixa de ressonância para o barulho que o Real venha a produzir ao romper a bolha neurocientífica.
Revisão: Daniela Affonso
TECNOLOGIA: QUAL É O MOTOR?
Bernadette Pitteri
Na folha de São Paulo do dia 11/7/2013, um pequeno artigo de Michael Moran1 chama a atenção, quando o autor afirma que "a tecnologia é movida por nossas fraquezas" (com o que concordamos) referindo-se às guerras e ao desenvolvimento tecnológico por elas impulsionado, enfatizando que em tempos de paz o motor passa a ser o sexo, melhor dizendo, a pornografia.
Vejamos: depois da primeira grande guerra (terminada em 1917), as potências iniciaram um movimento paranóico mundial, espionando-se mutuamente para adiantar-se ao outro - sempre inimigo. Em 1936 o matemático Alan Turing (1912/1954) escreveu um artigo descrevendo um algoritmo a que chamou "Maquina Universal" e que serviu e serve como base para a programação dos computadores atuais. Esse artigo fez com que Turing fosse recrutado pelo serviço secreto inglês durante a Segunda Guerra (1939/1945), tornando-se um espião de gabinete, decifrando mensagens criptografadas e chegando a desenvolver máquinas eletrônicas que facilitavam o trabalho. Ao mesmo tempo os americanos desenvolviam o primeiro computador (com válvulas) projetado para calcular trajetórias balísticas, só apresentado ao mundo ao final da guerra - pode-se imaginar a precisão necessária para acertar os alvos em Hiroshima e Nagasaki.
Se as guerras e o sexo impulsionam a tecnologia, a indústria pornográfica adota rapidamente os novos lançamentos tecnológicos. Aplicativos estão sendo desenvolvidos para o novíssimo gadget Google Glass, antes mesmo de seu lançamento - estará no mercado no final de 2013.
O autor termina perguntando se devemos deixar essas coisas acontecerem com algum controle ou deixar sem qualquer regulamentação. No último DR falamos do Japão onde 1/3 da população jamais faz sexo, mas onde a indústria pornográfica representa o 1º PIB do país.
Mas parece que a pergunta seria: por que o apelo da pornografia é tão forte? Forte a ponto de estimular um mercado que movimenta milhões (estamos num mundo capitalistamente selvagem) em busca do gozo pleno, masturbatório, sem interferência do Outro ou dos outros.
1 Do VHS ao Google Glass, a pornografia é o motor da tecnologia. http://www1.folha.uol.com.br/tec/2013/07/1309574-do-vhs-ao-google-glass-a-pornografia-e-o-motor-da-tecnologia.shtml
Amor Pleno
Luiz Felipe Monteiro
Esse é um dos filmes cujo título em português mais vela que revela sobre o enredo e seus personagens. "To the wonder" é ambíguo, parece indicar um caminho de arrebatamento conferido pelo amor. Certamente não é "wonderland" o destino dado aos espectadores. A paisagem do Monte Saint-Michel onde o casal caminha sobre a areia quase movediça resume o espírito do filme: nem tudo é sólido debaixo das palavras de amor. O amor no filme de Malick é líquido. Não no sentido prosaico conferido pela sociologia recentemente, mas de modo a conferir uma qualidade fugidia, sem contenção ou borda. A água está presente em boa parte das cenas e não seria estranho pensar que algo disso interpreta o que se passa com os personagens. "o amor está em todo lugar e vem de lugar nenhum" diz a personagem de Olga Kurylenko par de Ben Alffeck; “mas eu não posso sentir”, completa o padre vivido por Javier Bardem. O estilo contemplativo impresso pelo diretor no tratamento de suas imagens, dão ao filme um tom de poema místico, cujo âmago está a impossibilidade da relação sexual.