Extimid@des 03
Entre a visita do papa ao Brasil, a clandestinidade do ambíguo Snowden o sexo plástico dos japoneses e o casamento gay há um entrelaçamento entre o segredo e o sagrado, o sexo e amor. Com esses significantes, a seção Extimidades deste mês examina diferentes arranjos contemporâneos sobre o amor ao pai, o parceiro-sintoma e a vergonha. Os textos dos convidados Nohemí Ibáñez Brown, Sérgio de Mattos, M. Bernadette Pitteri e Sérgio de Campos versam, sobre notícias que reverberam algo dos temas citados. Ao final, uma visita inesperada... ressoamos no Extimidades o rumor promovido por uma carta de Freud nas redes sociais. Prova de que o vienense ainda ecoa forte no discurso social quando o sexual é o assunto da vez.
Jubilar a los espías
PIEDRA DE TOQUE.
No es cierto que en Estados Unidos o Suecia solo se pueda ser libre violando la legalidad y en tal sentido Assange y Snowden son deprededarores de esa libertad que dicen defender
Se puede tener una pobre opinión del presidente Evo Morales, como es mi caso, pero no desconocer que es el mandatario de Bolivia, un país soberano que lo eligió en comicios legítimos, y que por lo tanto debe ser tratado por los otros gobiernos con el respeto debido a su cargo. Los países europeos que lo maltrataron, impidiendo a su avión cruzar su espacio aéreo o repostar, actuaron de manera prepotente y torpe. Y, además, le hicieron un favor político regalándole el papel de víctima, algo que le servirá mucho ante los electores bolivianos ahora que, en contra de su propia Constitución, quiere hacerse reelegir por tercera vez y precisamente cuando estaba cayendo en las encuestas.
Leia texto na íntegra. Clique aqui.
Um passageiro clandestino
Nohemí Ibáñez Brown (EBP/AMP)
No artigo Jubilar a los espías1 , publicado pelo jornal espanhol El País, Mario Vargas Llosa faz uma relação muito interessante entre os sistemas menos democráticos da America Latina, as chamadas democracias autoritárias, e o conhecido caso Snowden. Ele toca um assunto muito complexo e amplo e, tenho que confessar que mesmo sendo um escritor cujas obras leio desde há muito tempo, considero que seus escritos sobre questões políticas abrem diferentes interrogações. Nesse texto ele faz alguns apontamentos que me parecem instigantes. Um deles se refere ao ato dos países europeus frente à solicitação do presidente Evo Morales para pousar ou inclusive atravessar o espaço aéreo. E outro sobre o “direito a saber” na contemporaneidade, onde revelar o “segredo” pode tornar herói a aquele que o faz.
Com relação ao ato, podemos dizer que realmente são dois atos os que estão em jogo, com conseqüências que chamam a atenção. O primeiro é o de Snowden, responsável pela fuga de documentos secretos que mostram como o governo americano monitora seus cidadãos e instituições. Monitora inclusive as de seus aliados como no caso do Brasil. Snowden, em nome do direito a saber, mas também na tentativa de barrar essa infernal maquina de vigilância, faz um sacrifício2 e trai a aquele que o contrata. Mas a conseqüência de seu ato foi, curiosamente, a de aliar-se a democracias latino americanas autoritárias3 .Como diz Lacan, ao que aspira o revolucionário é a um mestre.4
Mas, também temos o ato cometido pelos países europeus que Vargas Llosa qualifica como “torpe e prepotente”. Um ato que chama a atenção porque foi movido por uma suspeita, a de que no avião presidencial boliviano se encontraria Snowden. Uma suspeita à qual se deu consistência. O que pretendiam transmitir estes países? Se visavam sancionar a ilegalidade do ato de Snowden e, de passo, mandar uma mensagem à America Latina, o tiro saiu pela culatra. Pois também colocaram em questão a legalidade que tentam defender. Nesse sentido concordo com Vargas Llosa, pois ele só serviu para reforçar a posição de vítima, no caso do presidente Evo Morales, o que impossibilita abrir outras vias de intervenção. E, ao mesmo tempo, reforçou o ato de Snowden.
Snowden, herói ou vilão? Os questionamentos éticos que possamos ter com relação à escuta do governo americano, servindo-se do poder para violar a lei com escutas clandestinas, afetando inclusive o Brasil, são muito válidos, mas parecem partir da mesma lógica que a do ato de Snowden. Em nome do direito a saber, terminam violando a legalidade. Fica claro que o que está em jogo é o direito a saber; nada pode ficar em segredo. Direito a saber é um imperativo cada vez mais violento.
Vargas Llosa atribui a perda do direito à privacidade, a fazer público o mais íntimo, como aquilo que dissolveu a fronteira entre o público e o privado, à imprensa do coração e “amarillista”, inclusive à presença de espias. Essa leitura, um tanto ingênua, vindo de alguém como ele, não leva em conta as mudanças do lugar que a lei e o simbólico ocupam no mundo contemporâneo e, menos ainda, o que Freud nos convidou a elaborar com o conceito de pulsão de morte ou Lacan com o de gozo.
Parece que o direito ao segredo, ou mesmo sua anulação, torna-se cada dia mais central na nossa época, produzindo conseqüências inéditas no crescimento do “saber”. Saber da ordem da informação digitalizada, manipulável. Agamben, neste sentido, sublinha que o homem contemporâneo foi expropriado de sua experiência, em um acúmulo de informação5 . Um saber autônomo, universal, que somente se acumula, cresce e se estende a um ritmo difícil de conter, como coloca Gorostiza, comparável à compulsão à repetição que Freud descobrira na “pulsão de morte”6 .
Esse direito a saber traria mais liberdade? Não evidencia o fato de que a lei, como ordem simbólica da qual se serve, está cada vez mais questionada? Enfim, este é um tema complexo que coloca muitas questões em jogo, mas como indica Lacan, a função do discurso analítico, por exemplo no caso de Snowden, permite situar “exatamente aquilo contra o que se revoltam”.7
2 Assim o declarou: “Estou disposto a sacrificar tudo porque não posso permitir que o governo dos Estados Unidos destrua a privacidade e a liberdade com essa máquina de vigilância que está a construir” http://www.guardian.co.uk/world/2013/jul/12/edward-snowden-accuses-us-illegal-campaign
3 Uma das conseqüências foi a reunião de emergência da Unasur com Cristina, Maduro, Evo y Correa.
4 LACAN, J. Seminário, livro 17: O avesso da psicanálise, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992, p. 197.
5 AGAMBEN, G. Infância e História. Ensaio sobre a destruição da experiência. Trad. Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. Pp. 21 – 78.
6 GOROSTIZA, L. “El hombre sin secretos”, disponível em: http://www.lamujerdemivida.com.ar/index.php?option=com_content&view=article&id=179
7 LACAN, J. Seminário, livro 17: O avesso da psicanálise, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992, p. 197.
O Papa Francisco e a JMJ.
“Eu não tenho medo, sou inconsciente.”
Sérgio de Mattos
O PAPA encanta a todos com exemplos de amor e humildade. Ele não é um professor, é um pastor ou um pescador. Havia, em Copacabana, na missa do envio, mais jovens do que nas festas de réveillon: 3,5 milhões de peregrinos. Os mais diferentes rostos pareciam alegres ou silenciosos e conectados em alguma experiência extraordinária. Não era uma festa Have, mas muitos jovens pareciam se sentir amorosos e animados.
O Papa Francisco mostrou que o perigo não está nas ruas, mas na falta de amor. E que podemos e devemos construir um mundo melhor, um mundo cuja porta de entrada são os jovens, os quais foram às ruas recentemente, estes que foram também à praia.
Na trilha de St. Inácio e de seus exercícios, jogou com imagens, reduziu sempre que podem os pontos principais das suas mensagens ao número de três e pedia, em seguida, um tempo para que cada um se perguntasse, ou respondesse, enfim se visse desde uma perspectiva subjetiva e própria. Se o chamado foi pautado em termos universais: amor; humildade; ousadia; sair de si e das próprias paróquias em direção ao outro, como nos exercícios espirituais de St. Inácio de Loyola, as respostas de como servir ao chamado deverão vir de cada um.
Dois dias antes da escolha do novo Papa, um grande amigo jesuíta havia respondido à pergunta sobre as chances de que tivéssemos um Jesuíta como Bispo de Roma, com um seguro não. “Nunca teremos um Papa Jesuíta”, disse. O Espírito Santo fez, entretanto, seu impecável trabalho de surpreender a todos. Aliás, as surpresas já haviam começado com a perturbadora renúncia de Bento XVI, justificada, por ele mesmo, pela incapacidade de acompanhar os novos tempos e de levar a Igreja a responder, adequadamente, a este mundo jovem.
Os jovens, mas também a opinião pública de maneira geral, parecem amar Francisco. Fala-se, sobretudo, de sua humildade e pragmatismo. Humildade que é o aspecto mais radical do amor! Humildade que, segundo outro jesuíta – François Varilhion –, é divina, só Deus é humilde, o homem não o sendo, senão à medida onde ele reconhece sua impossibilidade em sê-lo. Em outras palavras, a vitória da humildade não pode ser, senão, o reconhecimento de seu fracasso.
E o seu pragmatismo, que aparece em seus exemplos e exortação à ação – Orar e Laborar, lema jesuíta.
Humildade e ação. Combinação que reflete formação e espiritualidade jesuíta em um homem com sensibilidade franciscana.
A adesão em massa e simpatia imediata parecem revelar um anseio geral por algo que Francisco veicula.
Retomando uma expressão utilizada certa vez por Célio Garcia, o Papa parece indicar, com exemplos pessoais e mensagens, a possibilidade de uma “Recomposição do grande Outro”.
De que recomposição tratar-se-ia? Creio que se trata de algo que se anuncia com alguns eventos recentes, outros mais antigos e adviria do que Luc Ferry denominou de revolução do amor, em seu livro “sobre o amor – uma filosofia para o século XXI.
A presença de Francisco parece reacender a chama de uma crença no amor. Que jovem não amaria crer no amor, que homem ou mulher maduros não reconhecem essa esperança? Que psicanalista, entre nós, não sabe que é o amor que suplementa a ausência da relação sexual, não como uma ilusão imaginaria (não que o narcisismo não participe do processo), mas como um movimento que, como diz Lacan, nos faz buscar o ser do outro em sua diferença? Diferentemente de nosso interesse pelo gozo, que é sempre auto-erótico?
O amor parece, assim, ser o único sentido possível. O atual momento de desorientação parece fazer surgir um novo sentido para a vida coletiva. Do ponto de vista histórico, essa revolução se inicia com a passagem dos matrimônios arranjados (pelos pais, ou povos), para o matrimônio escolhido por amor. Moliére dava testemunho dessa mudança em suas peças nas quais os filhos já se rebelavam contra os pais, que queriam casá-los à força. A reivindicação do matrimônio homossexual seria o último episódio dessa história que coloca o amor no centro de todas as uniões e parcerias. Com ele, desconectam-se, definitivamente, a união das parcerias dos princípios tradicionais como a linhagem, a biologia e a economia.
Se o amor se explicita, historicamente, como o sentido para a vida, isso não quer dizer que a facilite! Ser um e ser dois, ninguém entra sem sofrimento no reino do amor. As imagens de campo, construção, e as incitações do Papa à ação testemunham uma percepção de que o amor é algo que dá trabalho, não é uma zona de conforto, como se diz atualmente.
Crer no amor? Pode parecer ingênuo, romântico, equivocado, pois as histórias de amor que ouvimos nos divãs, não são, às vezes, muito animadoras. Mas sem histórias de amor não haveria sequer a psicanálise!
Além disso, acredito que se, como afirma Lacan, não é possível não crer, que pelo menos possamos escolher crer no sintoma e no amor. E retomo aqui o ótimo texto de Patrícia Gorocito publicado neste espaço.
De más está decir que veo muchos creyentes en nuestro ambiente. Algunos creen en la infatuación de su pequeño yo. Generalmente aquellos que dicen ser ateos y están en contra de la religión. Otros dicen: Dios ha muerto y se ubican también en un lugar de creyentes
A crença do Papa no amor, deverá se traduzir em ações reformadoras. Sua formação de jesuíta apareceu ainda nas corajosas críticas feitas aos mais diversos poderes, inclusive – e sobretudo – os da própria igreja.
Será preciso tempo para conhecer os efeitos disso que parecem responder, na atualidade, a um anseio, um anseio de sentido que se funda no amor. Lacan ensina, desde sua perspectiva, que o Espírito Santo vem ao mundo do significante e, assim sendo, não sabemos jamais os efeitos de sentido que produzirá. Acrescenta que o Espírito Santo é uma noção menos besta do que a de sujeito suposto saber. Se ele é menos besta é porque participa do Real, este Espírito que, segundo as escrituras; "não sabemos de onde vem nem para onde sopra ..."
O PAÍS DO SEXO SOLITÁRIO
M. Bernadette S. de S. Pitteri
Um documentário da TV espanhola dirigido por Pierre Caule e postado no Youtube1, traz um fato, no mínimo bizarro, enfocando o Japão atual. Quase um terço da população prescinde do sexo, o que a taxa de natalidade escancara: o último posto mundial ocupado nesse quesito é do Japão, o que preocupa o governo do país.
Na vanguarda do capitalismo, donos de admirável cultura milenar e desenvolvimento científico elevado, na vanguarda do consumo (não é segredo que o capitalismo estimula o consumismo) seriam os japoneses protótipos de A Sociedade da Decepção de que fala Gilles Lipovetsky2 ? A comodidade material tê-los-ia decepcionado a tal ponto que os fez perder o interesse pelo sexo? Ou estaríamos diante de uma sociedade puritana, ferreamente disciplinada, voltada apenas para o trabalho?
A questão parece mais obscura e inquietante quando vemos o documentário apresentar, logo de início, anúncios berrantes, numa incrível diversidade, exatamente sobre ... sexo! As ruas de Tóquio oferecem sem pudor, ao formigueiro humano que as cruzam, todo tipo de publicidade e serviços voltados para o sexo, dos quais os japoneses fazem uso de modo natural e desavergonhado.
Este Japão que pouco transa mas escancara sua sexualidade, tem uma indústria do sexo que representa o 1º PIB do país, indústria altamente rentável e potente, refinada, variada e nem um pouco pudica. Empresas que produzem artefatos para o prazer solitário não enfrentam crises econômicas e movimentam milhões por ano: é a masturbação oferecida em escala industrial.
Característica desta indústria do prazer é que toda oferta exclui a participação do outro, a não ser na fabricação e venda dos artefatos. Esta indústria libérrima orienta-se para seres cada vez mais solitários, e já que os japoneses trabalham muito para o crescimento do capital, não perdem tempo com os outros e menos ainda com o Outro. Os homens japoneses pagam altos valores para não transar com mulheres (as suas ou as outras), desconectados do mundo, sem vergonha por esta desconexão.
O documentário entrevista uma terapeuta sexual que escreveu um livro a respeito e recebe esposas angustiadas e desorientadas; uma artista plástica casada e sem sexo há 20 anos; uma mulher com dois filhos nascidos por inseminação artificial; homens solitários com seus carrões que passam horas em bares onde podem acariciar ... gatos; outros são massageados e acariciados nas orelhas; outros ainda pagam muito caro para conversar e beber em companhia de uma mulher; jovens andróginos e solitários sem ambições profissionais frequentam karaokês exclusivos onde cantam sozinhos por horas. Um dos entrevistados fala com simplicidade que prefere masturbar-se em uma cabine (vídeo box - mais de 500 em Tóquio) com uma vagina de plástico assistindo a filmes pornográficos, do que transar com sua noiva, pois a preocupação com o prazer dela lhe dá preguiça. Em um (apenas) sex shop para mulheres, a empresária afirma que os homens têm menos vontade de fazer amor, querem sexo sem esforço.
Impossível não lembrar "O Império dos Sentidos" (Ai no corida/L’empire des sens), dirigido por Nagisa Oshima, a produção franco-japonesa de 1976 que narra uma história inspirada em um caso real e ambientada em 1936 sobre uma prostituta e seu amante, amor obsessivo, paixão que ultrapassa limites na busca do prazer. Com cenas reais de sexo, foi considerado pornográfico e exibido apenas em salas especiais e para público selecionado.
Lacan3 afirma ter ficado "embasbacado" ao assistir a este filme, porque não esperava ver retratado num filme japonês, o erotismo feminino. "Parece que nele o erotismo feminino foi levado ao extremo, e esse extremo é a fantasia, nem mais, nem menos, de matar o homem." ... " S(A/) é uma coisa bem diferente de F (Grande phi). Não é com isso que o homem faz amor ... ele faz amor com seu inconsciente e mais nada. Quanto ao que fantasia a mulher, se é mesmo isso que nos foi apresentado pelo filme, é alguma coisa que, de todo modo, impede o encontro" (p. 123).
Numa referência às tábuas da sexuação (Seminário 20 - Mais Ainda), Lacan reafirma a impossibilidade da relação sexual, quando o que cada um dos parceiros visa é o Gozo do Um: o homem faz "amor com seu inconsciente", ou seja, liga-se à mulher através de seu fantasma e "A" mulher que não existe busca o falo no outro campo que não o seu.
Ao que parece, os japoneses descobriram o que Lacan afirma, ainda a propósito do "Império dos Sentidos", "... A mulher não existe, e tenho cada vez mais razões para crer nisso, sobretudo depois de ter visto esse filme. " (124) e buscam a qualquer custo, criar "A mulher" que povoa seu imaginário.
O sexo no Japão, em grande parte da população, parece emancipar-se dos corpos, das mulheres, criaturas tão pouco manejáveis, incômodas, exigentes, imprevisíveis.
Os filmes pornográficos, usados em cabines alugadas por hora, que têm como coadjuvante vaginas cientificamente desenvolvidas para o prazer masculino, são em sua maioria desenhos animados, os maravilhosos mangás. Os japoneses criaram uma indústria para o prazer, podendo levar para casa o que o fabricante chama de "bonecas do amor", "A" mulher tal como a querem: amante infatigável, submissa, disponível e que sussurra em seu ouvido.
As "bonecas do amor" se parecem com mulheres jovens e perfeitas, mas por outro lado, jovens mulheres japonesas mimetizam-se em bonecas. Lindas, ingênuas, fatais e sedutoras, cópias do que parece ser o ideal erótico masculino.
Em outro vídeo publicado no Youtube (23/7/2013), garotas japonesas espantosamente parecidas com bonecas, alugam coxas para anúncios de propaganda (recebendo o equivalente a $70,00): capitalismo e consumo se juntam nos corpos desprezados. A indústria japonesa do sexo não se dirige às mulheres, mas emprega muitas mulheres para sua produção e desenvolvimento.
Não parece que a transformação das mulheres em dóceis bonecas ou de bonecas em dóceis mulheres esteja longe do antigo Japão, do tradicional Japão, onde as mulheres eram submissas e satisfaziam às vontades masculinas. Como as antigas gueixas, as bonecas encarnam a fantasia da heroína acessível, o que faz desconfiar que os japoneses continuam a imaginar as mulheres num papel subalterno e instrumental. E àquelas que não entram no jogo, ao que parece, o sexo lhes é negado.
Capitalismo elevado a seu mais alto grau, ciência voltada para produção de prazer físico e tradição parecem unir-se em torno de um mundo no qual sucedâneos de mulheres satisfazem apetites sexuais, oferecendo sexo sem exigências, cobranças ou contradições, enfim, masturbação de alto nível.
1 (http://www.youtube.com/watch?v=7Ln75ScmJHg).
2 (LIPOVETSKY, Gilles. A Sociedade da Decepção.Barueri, SP: Ed Manole, 2007).
3 (LACAN, Jacques. Seminário 23 - O Sintohoma. (Aula de 16/3/1976. Rio de Janeiro, Zahar, 2007)
“Cura gay”
Sérgio de Campos1
Revolução gay
A revolução gay teve início no verão de 1969, em um bar de nome Stonewall Inn, em Greenwich Village, New York, reduto tradicional e conservador, naquele tempo, local que condenava o homossexualismo.
A Rebelião de Stonewall Inn foi um conjunto de episódios de conflitos violentos entre gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros com a polícia de New York, deflagrado em 28 de junho de 1969 e que durou vários dias. Essa rebelião ocorrida no Stonewall Inn e nas ruas circunjacentes é reconhecida como o conjunto de eventos catalisadores dos modernos movimentos em defesa dos direitos civis - LGBT. O episódio de Stonewall Inn foi um marco, por ter sido a primeira vez em que um contingente de LGBT se juntou para resistir aos maus tratos da polícia contra a comunidade. Hoje, os movimentos de celebração do orgulho gay, a que a rebelião deu origem, não são mais reprimidos pela polícia e ocorrem, geralmente, de forma pacífica.
Naquela época, havia muito preconceito, discriminação e homofobia. A homossexualidade era considerada uma doença e os psiquiatras, rotulados como os mais experientes, designavam os gays como o “crazy sex”. Na esteira do movimento dos direitos civis das mulheres e, depois, dos negros, nos anos 60, o movimento de justiça social pelos direitos civis das pessoas LGBT veio para ficar. Quatro décadas após, em junho de 2011, o estado de New York legalizaria o casamento gay e o exército americano deixaria de discriminar os gays e as lésbicas em seu contingente.
História do movimento gay
Desde a Grécia antiga de Sócrates e a Macedônia de Alexandre, passando pelos “sodomitas” da Europa medieval, bem como as “molly house” na Inglaterra, no período da Reforma Protestante, a homossexualidade se faz presente. Mas, a palavra “homossexual” só apareceu em 1869, na Alemanha. Em 1897 formou-se na Alemanha o primeiro grupo de defesa dos direitos dos homossexuais. Os primeiros comportamentos gays nos EUA foram registrados nas fazendas americanas, no fim do século XIX.
No início do século XX, os gays passaram a se concentrar nas grandes cidades como New York e San Francisco e a se encontrar nos “bachelor apartaments” - primeiras casas de banho gays, em 1903. Nos anos de guerra (1943-1945), os EUA dispensaram os soldados homossexuais. O departamento de estado americano, num ato de discriminação, dispensou, em 1953, seus funcionários gays. Nos anos 60, foram constituídas as boardinghouse denominadas de YMCA, que mais tarde foi homenageada em música pelo conjunto de música pop Village People. Posteriormente, as YMCA se configuraram como pontos de encontros gays e se espalharam pelas grandes cidades (HIRSHMAN, L., 2012, p. 3).
Em 1964, foram fundados os primeiros grupos de defesa aos gays nos EUA. Em 1969, a igreja os considerava pecadores; a prática homossexual era taxada de criminosa em 49 estados americanos e o departamento de Estado dos EUA os consideravam subversivos. Como reação, nesta data foi fundada a frente ampla de liberação gay. Devido à pressão do movimento gay e por falta de provas científicas, em 1973 a Associação Americana de Psiquiatria retirou a homossexualidade do código internacional de doenças. Em 1979, Harvey Milk líder da marcha gay de San Francisco foi assassinado. Em 1981, houve o primeiro encontro da crise da saúde gay em razão da epidemia da AIDS. Em 1996, o congresso aprovou a primeira lei referente ao casamento gay. A partir de 1997, em virtude dos investimentos em pesquisa devido à pressão da comunidade gay, as mortes por AIDS diminuíram significativamente. Entre os anos de 1978 e 1999 as leis contra a homofobia foram aprovadas em 21 estados americanos (HIRSHMAN, L., 2012, p. 354).
Atualmente, a esmagadora maioria dos americanos é contra a prática de crimes de homofobia. Em 2003, a suprema corte americana impediu que o estado de Massachusetts negasse o casamento gay e, em 2008, ela considerou inconstitucional e revogou a lei que julgava a sodomia um crime. Em 2010, o editorial do The New York Times se colocou a favor do casamento gay e, em 2011, por ocasião da comemoração da aprovação do casamento gay no estado de New York, o Empire States Building foi aceso com luzes das cores do arco-íris que simboliza bandeira gay (HIRSHMAN, L., 2012, p. 353). Em junho de 2013 a suprema corte aprovou a lei de igualdade entre os casais homo e heterossexuais.
No Brasil, a parada do orgulho gay que acontece anualmente em todo o Brasil, em São Paulo, em sua XII edição conseguiu reunir cerca de 220 mil pessoas (Folha de São Paulo – 03/06/2013). Por fim, no Brasil, no dia 02 de junho de 2013, a pedido do próprio autor, foi arquivado, no Congresso Nacional, o projeto de lei da “Cura gay” (UOL/03/07/2013).
Movimento gay e a política
A revolução americana e a inglesa forjaram o estado liberal, inspirados na ideia do empirismo inglês de que era o homem que construía seu próprio governo. O estado liberal é constituído pelo tripé seguridade, liberdade e autonomia. No que tange à seguridade, o cidadão é protegido pelo Estado; com relação à liberdade, o cidadão tem direitos como ser humano, e o Estado não pode interferir neles; e, finalmente, cada cidadão tem a autonomia de interferir no Estado em questões que ele julga necessárias para garantir sua seguridade e sua liberdade (HIRSHMAN, L., 2012, p. xiv).
Indaga-se hoje como o movimento gay conseguiu esses efeitos nos EUA. Os estudiosos alegam que é devido à consciência social que os EUA adquiriram, em virtude de considerar que os problemas dos gays são políticos e não de natureza humana ou pessoal, pois, não obstante sermos diferentes, todos nascem iguais perante a lei.
No contemporâneo, os movimentos políticos pelos direitos civis e o governo pesam os custos e os benefícios para tomar quaisquer medidas pró ou contra. De um modo geral, cada um desenha dentro dos movimentos políticos um sentimento de identidade ao se incluir numa rede social, lato sensu. Os gays não querem ser amados por todos, mas querem uma vida completa, tolerados no exercício de sua liberdade e ter acesso à vida politica e econômica, além de uma validação de seus valores culturais. Agora, desejam e buscam ser tratados como pessoas de moral e reconhecidos em seus valores, vida, amor, trabalho e ambição (HIRSHMAN, L., 2012, p. xv).
Psicanálise
Do ponto de vista psicanalítico, o sujeito homossexual está inserido em uma das três estruturas propostas e descritas por Freud - neurose, psicose e perversão. Não há cromossomo homossexual, portanto, a homossexualidade não é uma doença, e sim, uma opção do inconsciente.
No capítulo dedicado aos três tempos do Édipo, Lacan argumenta que a homossexualidade é resultado de uma inversão quanto ao objeto, e que, por vezes, se estrutura ao nível de um Édipo pleno e acabado. Mesmo passando pela terceira e última fase do Édipo, o homossexual a modifica sensivelmente. O homossexual, geralmente, se torna fixado numa preciosa e primordial posição, estabelecendo suas relações com o objeto feminino de maneira muito bem estruturada (LACAN, 1999, p. 214).
O gay estabelece uma relação profunda e perpétua com a mãe, na medida em que é ela quem dita a lei ao pai. Nesses casos, observa-se uma mãe em função diretiva e eminente, tendo ela cuidado mais do filho do que do pai. Ademais, Lacan considera que a mãe teria se dedicado a um enorme, prolongado e minucioso cuidado, além de ter exercido um papel castrador para com o filho durante sua educação. O efeito desse tipo de castração produziria no filho o resultado de uma supervalorização do objeto, de maneira que nenhum parceiro que lhe desperte o interesse pode ser privado dele (LACAN, 1999, p. 214).
Assim, por diversas situações, é a mãe que, num privilegiado momento, mostra ao filho que foi justamente ela quem ditou a lei ao pai. A intervenção proibidora do pai deveria ter introduzido o sujeito na fase de dissolução de sua relação com o objeto do desejo da mãe. Essa intervenção deveria ter cortado pela raiz qualquer possibilidade do filho se identificar ao falo. Contudo, o que ocorre é o contrário, pois o sujeito se encontra ligado à estrutura materna. Na realidade, o filho não encontra uma mãe privada de seu falo, mas um reforço na segurança materna, na medida em que a mãe não se deixa privar, tampouco se despojar, resultando um sujeito que permanece fixado a ela (LACAN, 1999, p. 215).
Lacan recorta diversas situações que induzem à homossexualidade, como aquela de um pai proibidor em demasia. Nesses casos uma proibição excessiva não constitui a lei, mas ao contrário, a esvazia, deixando a cargo da mãe, efetuá-la. Em contrapartida, quando a marca do pai proibidor é quebrada, o resultado também é igual. Além desses, temos casos em que o pai é apaixonado em demasia pela mãe, de maneira que ele surge aos olhos do filho como carente e castrado e ela, como aquela que dita a lei, sendo detentora do falo. Noutros casos, o pai surge como um rival, objeto de acusações, queixas e manifestações agressivas - como na modalidade de uma situação edipiana comum – porém, ao se sentir ameaçado por ele, o filho se refugia na mãe, identificando-se com ela. Assim, existem diversas causas em que a mãe assume a condição de quem dita a lei, contudo, sempre com o mesmo resultado (LACAN, 1999, p. 216).
Recentemente, li uma material sobre a rotina, aparentemente feliz, do casal David Furnish e Elton John - juntos desde 1990 e casados em 2005 - com seus filhos Elijah, de seis meses, e Zachary de dois anos, ambos gerados pelo recurso da “barriga de aluguel”. Os casais gays com filhos são uma realidade, resultado da ciência e das mudanças na esfera social que ocorrem de maneira vertiginosa no contemporâneo. Caberá à lei e à psicanálise reinterpretá-los.
A psicanálise não se detém sobre o social, tampouco o particular, mas se aprofunda em suas relações com o sujeito em sua singularidade e se interessa pelas suas questões subjetivas que o levam a sofrer em razão de sua história, de seus infortúnios sintomáticos, de suas insatisfações para com a vida, de seus desencontros amorosos, de seu gozo insuportável, entre outros. Lacan ressalta que uma análise que se dedica à cura de um gay, via de regra, fracassa (LACAN, 1999, p. 214-215). A psicanálise acredita que a escolha sexual do sujeito deve ser respeitada e a homossexualidade, maneira de existir no mundo como ser sexual, por si só, não se configura como motivo de um tratamento analítico. Tive e tenho gays em análise. Procuraram-me por diversas razões, mas nenhum deles me procurou para curar sua homossexualidade.
Fragmento clínico
Certa vez, um gay, filho único, que chamarei de José, procurou-me para uma análise. Após algumas sessões, José me disse que precisaria interromper sua análise, pois se apaixonara por mim. Eu lhe disse, então, que não interrompesse porque aquele amor interessava-me. Essa intervenção foi o suficiente para deslocar José de sua transferência imaginária e fazê-lo dizer o quanto se sentia atraído por homens mais velhos. Em seguida, passou a dizer que teria assumido sua homossexualidade numa viagem aos EUA e ela teria sido o motivo do seu pai - um homem rico, rígido e autoritário - ter lhe deserdado e rompido as relações com ele. Sua análise transcorreu em torno da figura paterna e do quanto se sentia ameaçado por aquele pai imaginário e impotente para defender a mãe. Após alguns anos de análise, José encontra um companheiro, estabelecendo uma boa parceria, percebe que a mãe nunca precisou ser defendida por ele, e numa espécie de parábola do filho pródigo, pai e filho, se reconciliam.
Esse fragmento clínico demonstra que a homossexualidade e seus impasses podem estar incluídos numa análise com os gays, porém, jamais como motivo de uma busca de sua cura.
Referências bibliográfica:
HIRSHMAN, L., Victory, The triumphant gay revolution, How a despised minority pushed back, beat death, found love, and changed America for everyone, New York, HarperCollins books, 2012, 443p.)
LACAN, J., O seminário, As formações do inconsciente, livro V, Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 1999, .
1 Membro da EBP e da AMP.
Uma carta de Freud
Abaixo, segue carta de Freud a mãe de um adolescente em 1936, que lhe pede a abolição da
homossexualidade do seu filho. A publicação desta carta no facebook da EBP foi vista por 92.112 pessoas. Aproveitem e curtam também a página facebbok da EBP (clique aqui).
“Minha querida Senhora,
Lendo a sua carta, deduzo que seu filho é homossexual. Chamou fortemente a minha atenção o fato de a senhora não mencionar este termo na informação que acerca dele me enviou. Poderia lhe perguntar por que razão? Não tenho dúvidas que a homossexualidade não representa uma vantagem, no entanto, também não existem motivos para se envergonhar dela, já que isso não supõe vício nem degradação alguma. Não pode ser qualificada como uma doença e nós a consideramos como uma variante da função sexual, produto de certo desajuste (resultado de uma certa interrupção) no desenvolvimento sexual. Muitos homens de grande respeito da Antiguidade e Atualidade foram homossexuais, e dentre eles, alguns dos personagens de maior destaque na história como Platão, Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci, etc. É uma grande injustiça e também uma crueldade, perseguir a homossexualidade como se esta fosse um delito. Caso não acredite na minha palavra, sugiro-lhe a leitura dos livros de Havelock Ellis.
Ao me perguntar se eu posso lhe oferecer a minha ajuda, imagino que isso seja uma tentativa de indagar acerca da minha posição em relação à abolição da homossexualidade, visando substituí-la por uma heterossexualidade normal. A minha resposta é que, em termos gerais, nada parecido podemos prometer. Em certos casos conseguimos desenvolver rudimentos das tendências heterossexuais presentes em todo homossexual, embora na maioria dos casos não seja possível. A questão fundamenta-se principalmente, na qualidade e idade do sujeito, sem possibilidade de determinar o resultado do tratamento.
A análise pode fazer outra coisa pelo seu filho. Se ele estiver experimentando descontentamento por causa de milhares de conflitos e inibição em relação à sua vida social a análise poderá lhe proporcionar tranqüilidade, paz psíquica e plena eficiência, independentemente de continuar sendo homossexual ou de mudar sua condição.”
Sigmund Freud