EBP Debates #004

 

Criança Ritalina

*Teresa Pavone

 

Teresa PavoneA pesquisa e declarações da Dra. Maria Aparecida Moyses, médica pediatra e docente da Unicamp são esclarecedoras e merecem ampla divulgação entre os que se encarregam dos sujeitos infantis nos dias de hoje. São alertas aos educadores, médicos, políticos, psicólogos e outros profissionais que, descuidadamente, qualificam um número alarmante de crianças como hiperativas.  O título sugestivo “A ritalina e os riscos de um genocídio do futuro” indica as conseqüências nefastas da prática atual dos diagnósticos e da medicalização generalizados.

 

Atualmente, verificamos cada vez mais as crianças e adolescentes serem medicados  indiscriminadamente sem que possam inventar soluções - criar o seu modo próprio de interpretar o encontro com o real e coabitar a língua.  Estão sendo diagnosticados e alojados precocemente em significantes homogeneizantes, fixados no enorme catálogo de doenças mentais, como transtornos.

 

A entrevista insere-se no debate que considera estarmos vivendo a era da medicalização, dos transtornos ou das patologizações. Com efeito, nas últimas décadas tem crescido o número de doenças mentais diagnosticadas em crianças, especificamente, que consideraríamos “normais” considerando uma época onde o desmoronamento da autoridade, o declínio da função paterna, e o excesso de gozo é o que de fato está em jogo.

 

O olhar médico-científico considera essas crianças portadoras de doenças mentais. Assim os discursos ou dispositivos de poder psiquiátricos são constituídos para transformar comportamentos diferentes em patologias de modo que possam agir sobre os corpos autorizadamente. Dentre eles, está o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). As diversas instituições: psiquiátricas, indústrias farmacêuticas, escolas, família, leis, associações de portadores do transtorno e mídias não especializadas transformaram-se em verdadeiros discursos contra o sujeito infantil. Silenciam a palavra, entorpecem o sujeito. A ritalina, nos alerta a Dra. Cida Moyses, é uma substância da família das anfetaminas, prescrita para adultos e crianças, que pode trazer dependência química, pois tem o mesmo mecanismo de ação da cocaína, sendo classificada como um narcótico pela Drug Enforcement Administration.  

 

A Dra. Moyses, apoiada em dados reais de pesquisas e com uma visão aguçada e crítica, insere-se em um grande debate contra a medicalização da vida e a contenção química generalizada das crianças que fogem a norma. Ora, este é um debate que nos afeta diretamente e com o qual nos defrontamos no dia-a-dia, seja no consultório ou nas Instituições de Saúde Mental e nas inúmeras discussões e trabalhos que permeiam o Campo Freudiano,  na NOVA REDE  CEREDA ou no CIEN.

 

Podemos refletir, diante deste cenário, que a Psicanálise pode contribuir para que as angústias do infantil, a turbulência das pulsões que o agita sem limite no mundo contemporâneo, não mais afetado pelo discurso da exceção paterna, possa encontrar outro destino senão a do sacrifício do sujeito e de sua diferença. Dizer não a este discurso do mestre modificado, o discurso capitalista tal como colocado por Lacan.  Discurso este que, de mãos dadas com o discurso da ciência (ou falsa ciência), corrobora para o incremento da indústria farmacêutica e incentiva sempre uma pílula a mais - faz seus truques de mercado e coloca pais e crianças na dependência de drogas ditas lícitas e afeta em especial as crianças em formação, tal como fica explicitado na entrevista da Dra Moyses.

 

A Psicanálise não pode se omitir de participar deste debate, não pode deixar de incluir-se entre as práticas e discursos que contribuem na salvaguarda do sujeito infantil e  de sua singularidade, contribuindo para o enfrentamento dos efeitos dos discursos atuais que conjugam  mercado- capitalismo e ciência,  para produzir corpos dóceis, disciplinados e medicalizados  no ideal de normatizar os sujeitos.

 

*Membro da EBP/AMP.