EBP Debates #002

 

Paulo PimentaHá possibilidade de invenção a partir da religião?

Jorge Pimenta

 

O chamado tempo das quedas dos ideais – mostrado a partir do matema I<a, tão bem trabalhado por Miller – nos traz muitos dissabores, por que esses mesmos objetos são elevados ao zênite e isso parece não ter fim... Uma das consequências disso é a generalização e ampliação das segregações, dos racismos, e a possibilidade da presença insidiosa de fundamentalismos religiosos e políticos [ou seriam políticos-religiosos?].

Mas o chamado Estado Laico – advindo com a República e incentivado pelos efeitos da Revolução Francesa – não aportou no Brasil em sua integralidade e essência, mesmo que tenhamos uma proclamada república desde 1889. Lembremos que há alguns anos – parece-me que no governo Sarney – se propôs e assim ficou, que se fixassem crucifixos nas paredes de prédios públicos: escolas; hospitais; órgãos administrativos; tribunais; câmaras e assembleia e se fizessem escrever nas cédulas de nosso papel moeda, o real (também se continuou fazê-lo) a inscrição: ‘Deus seja louvado’.

Não é difícil constatar que, no Brasil, a República sempre foi uma tênue sombra, pois mesmo que tenhamos uma Constituição Laica, vivemos sob o manto imperativo da religião. Assim, as práticas profissionais diversas, como também as práticas clínicas, sempre estiveram sob esse manto imperativo religioso. O que os chamados evangélicos tentam fazer é, sob os auspícios da democracia pouco qualificada como republicana (de res publica), se “incluírem”. Para conseguirem tal intento, fazem o uso desse contexto histórico que é via de regra, auxiliado em muito pelas condições da democracia universalista que propõe o discurso capitalista. Rendidos ao para todos e filhos dessa grande desordem do real, buscam de todas as formas participar da grande festa universalista! A “psicanálise” que propõem é caudatária desse universalismo “paratodista”.

Nós, lacanianos, não ansiamos regressar a um mítico tempo onde prevaleciam os ideais, pois embora saibamos nos relacionar com o universal, pautamo-nos por uma prática que traga, ao mundo, a possibilidade de se respirar mais livremente, onde a psicanálise pode e deve incentivar e encorajar sempre as invenções singulares, mas que elas levem em questão, e em conta, esse real atual e sua desordem.
Respeitamos as religiões, mas não podemos nos curvar diante delas e suas soluções.