A opinião de nossos colegas:

 

Ariel BogochvolAriel Bogochvol

 

A SE COMEMORAR


O artigo Transforming Diagnosis de Thomas Insel, diretor do National Institute of Mental Health (NIMH) dos EUA, a maior instituição de pesquisa em saúde mental do mundo, e publicado em 29 de abril no site do Instituto é explosivo. Divulgado às vésperas do lançamento do DSM V pela Associação Psiquiátrica Americana, é um ataque frontal `a classificação construída tão laboriosamente e,  por extensão, contra a sua patrocinadora, a APA, que anunciava triunfantemente a edição final do ‘futuro do diagnóstico psiquiátrico’. Esperam-se contra-ataques poderosos.


Para T. Insel o DSM V, como os outros DSMs, é o melhor instrumento que existe para o diagnóstico, é confiável (i. é partilhável pelos psiquiatras), mas carece de validade científica. A crítica se dirige aos fundamentos epistemológicos e aos resultados dos DSMs. As classificações baseadas estritamente em sintomas estão superadas há mais de 50 anos, produzem monstruosidades como poli-diagnósticos,sua utilização como bíblia pelos psiquiatras promoveu uma esterilização das pesquisas e os pacientes merecem algo melhor....


 T. Insel não é propriamente criativo em suas críticas  (muitos já a haviam feito a partir das mesmas e de outras perspectivas, inclusive os psicanalistas) mas o lugar que ocupa na hierarquia dá à sua palavra uma importância especial.  Ele decide, por exemplo sobre os investimentos que o Instituto deverá realizar e o Instituto decidiu re-orientar o financiamento de suas pesquisas fora do marco do DSM, sem utilizar suas categorias, procurando criar um sistema mais adequado a partir de dados de genetica, imagem, fisiologia e cognição e não apenas de sintomas. Sua posição expõe a fratura do mainstream psiquiátrico, revela  o fracasso do paradigma atual e faz a aposta em um novo paradigma, mesmo conservando implicitamente o aforismo de que ‘a doença mental é uma doença do cérebro’ cunhado no sec. XIX. O novo paradigma e a classificação orientada por este paradigma deverão ser construídos nos próximos anos. Como a viagem a marte, é um sonho distante, mas deverá orientar as pesquisas desde já.  


Saudamos o avanço da ciência contra o oceano de falsa ciência mas não temos esperanças de que isso resulte em um maior diálogo com a psicanálise. O programa de pesquisa do INMH não contempla a psicanálise, não faz qualquer referência a ela, mas às neurociências, às ciências cognitivas, à genética. Por outro lado, como o sujeito da psicanálise é o sujeito da ciência, a psicanálise acompanha suas circunvoluções e o fracasso da ciência em suturá-lo. Há efeito-sujeito sob qualquer paradigma e independente do regime científico. Novas belas batalhas serão travadas, sem dúvida.

 

 

Márcia SzajnbokMárcia Szajnbok


A César o que é de César...

 

Menos confusão. Talvez seja esse o resultado (otimista) do reposicionamento do NIMH com relação à hegemonia do pseudocientífico DSM. Que a psiquiatria busque seu lugar dentro da medicina, tornando-se uma especialidade como as outras, tudo certo. Que o faça a partir de um instrumento baseado em consensos, é problemático. (Con)senso comum não serve de alicerce a nenhuma ciência. Menos ainda se combinado ao óbvio conflito de interesses que permeou o estabelecimento desses critérios diagnósticos, construídos sobre o pano de fundo da rentável indústria farmacêutica. Mr.Insel tem razão: os pacientes merecem mais. O RDoC talvez se mostre um instrumento mais sério na condução da psiquiatria para dentro dos muros médicos. “Precision medicine” é a prática baseada na causalidade biológica última, nos genes, em sua expressão molecular, bioquímica. Pode ser útil. O sujeito, entretanto, não estará lá. Ele não é, a rigor, assunto dos médicos. A psicanálise continuará, como sempre, marginal, êxtima à medicina. Esse é seu lugar. E a nós, psicanalistas, continuará cabendo a função de fazer falar esse sujeito, independente do quanto esmiuçado estiverem cada um de seus circuitos neuronais, cada micropartícula de seus corpos

 

 

Adriano AguiarAdriano Aguiar

 

Embora tenha sido pragmaticamente proclamado com uma classificação "descritiva" e "ateórica", o DSM sempre teve uma base ideológica mais ou menos disfarçada como fundamento - o organicismo. Sua própria estrutura categorial revela esta concepção na medida em que concebe os transtornos mentais como entidades distintas (discrete entities), "natural kinds". O modelo de clínica que daí decorre - a psiquiatria biológica - se caracteriza por conseguir articular uma prática bastante concreta (psicofármacos) com um campo de achados biológicos extremamente vagos e fragmentados, que sustentam esta base ideológica como uma uma suposição de saber: "um dia descobriremos as verdadeiras causas da depressão, da esquizofrenia, etc." Agora que a impostura desta clínica é revelada ao mundo, com o DSM-5 já nascendo sem credibilidade, Thomas Insel se proveita de modo oportuno das críticas ao DSM-5, para tentar não mudar nada, ou seja, salvar a ideologia de base, propondo um programa de pesquisa para mais algumas décadas que, supostamente, seria desta vez "verdadeiramente científico e biológico". Não vejo nenhum diálogo com a psicanálise, mas nada impede que nos dediquemos a manter esta lacuna aberta, fazê-la falar e interpretá-la.

 

 

Henri KaufmannerHenri Kaufmanner

 

Não me parece possível estabelecer uma conversa com quem não para de falar.  A psiquiatria, apesar dos desacordos que se tornam mais explícitos, continua muito ruidosa e pouco disposta a escutar. Lembremos que o discurso do capitalismo não produz laço, assim a psiquiatria, muito bem alojada nessa aliança da ciência com este discurso,  ora obtura com os objetos da técnica, ora silencia por suas nomeações “holofrasisticas”. Sua prática continuará não permitindo qualquer deslizamento no campo do sentido, onde algum intervalo, um silêncio, propiciaria alguma  abertura ao sujeito da palavra.


Isso não impede que conversemos com os psiquiatras, ou qualquer outro, que a partir de suas experiências não se deixem enganar por esta mística tecno-científica que a psiquiatria veicula.

 

 

Iordan GugelIordan Gurgel

 

A decisão do NIMH se vincula a excessiva psiquiatrização dos acontecimentos da vida cotidiana (foram criadas onze novas patologias), que, em consequencia, favorece a  industria farmaceutica com novas e polpuldas prescrições. O alerta estava disparado desde o DSM-IV, que nas duas últimas décadas, só em relação à psiquiatria infantil, triplicou os diagnósticos de transtornos de déficit de atenção e hiperatividade, multiplicou em 20 vezes os de transtorno autista e por 40 os de depressão bipolar infantil.

 

Foi também no periodo de revisão do DSM IV que abriu-se  o debate com a opinião pública. Esta aparente democratização dos critérios diagnósticos (anteriormente só os psiquiatras podiam decidir), abriu as portas para os lobistas, não só da indústria farmaceutica mas também das associações de usuários e companhias de seguro de saúde. Ciência e business estão amarradas pela política econômica. Os orçamentos da Saúde, das companhias de seguros e o bolso do cidadão não se acomodam com os da indústria farmaceutica.

 

Há considerar também a 'Iniciativa BRAIN' (Pesquisa de ponta e inovação em neurotecnologia), dos EUA,  que prevê gastos de três bilhões de dólares em dez anos para mapar o cérebro humano e encontrar formas de tratar e prevenir doenças como o Alzheimer, Parkinson, epilepsia e de reparar traumatismos crânio-encefálicos e patologias psiquiátricas. A expectativa do presidente Obama é desafiadora:… “…ainda não deciframos o mistério desses 1.300 gramas de matéria situados entre nossas orelhas".    

     
Nada contra destinar recursos para a neurociência, mas sim centralizá-los para resolver o cérebro'' e "medir cada faísca de cada neurônio", em detrimento de qualquer alusão à singularidade do sujeito. Se a decisão não favorece diretamente o diálogo com a psicanálise, colateralmente abre-se um campo de interlocução possível, que o campo freudiano não deve ignorar.