EBP Debates #013

 

Editorial

 Frederico Feu e Paula Borsoi


Na rubrica DR/Debates deste mês, convidamos alguns colegas para desenvolverem um breve texto a partir da seguinte interrogação:


"Como as questões de gênero podem ser discutidas hoje, levando-se em conta as concepções lacanianas sobre a sexuação? Ainda é possível associar, de uma forma mais direta, transexualismo e psicose ?


Esta questão instigante foi abordada de maneira bastante interessante e diversificada pelos nossos convidados, como vocês poderão ler, mas sem ter a pretensão de respondê-la, e sim de sustentar o que pensam os analistas de orientação lacaniana.


Atualmente, na prateleira de ofertas da ciência, pode ser encontrado o uso de hormônios e cirurgias para modificar o corpo e o sexo, desfazendo a ideia de que "a anatomia é o destino". Temos verificado, a partir da clínica, as consequências nefastas para o sujeito, dessa oferta desregulada do capitalismo, que vende a esperança de uma harmonia em relação ao corpo.


A questão que podemos colocar, a partir de Lacan, é que para além da identidade de gênero homem/mulher, é a posição de gozo do sujeito que vai definir a posição sexuada, para além da questão normativa.


Agradecemos aos colegas que aceitaram gentilmente nosso convite e enviaram suas excelentes contribuições. Gostaríamos ainda de registrar que neste número do DR, além das contribuições de nossos colegas da EBP, contamos com textos de Clara Holguin e Glória Gonzales, nossas colegas da NEL da Colômbia, e de Débora Nitzcanner da EOL. Iniciamos, portanto, um intercâmbio entre as Escolas da AMP, uma excelente oportunidade para estreitarmos laços de transferência de trabalho, não só no âmbito das EBP, mas também com outras Escolas da AMP.


Um bom debate a todos!


 

Comentários:

 

Antônio Beneti (EBP)(MG)
TRANSEXUALISMO: GÊNERO, SEXUAÇÃO E PSICOSE

A Ciência contemporânea permite a construção ou a modificação, da imagem sexual corporal de homens e mulheres de forma irreversível, através de intervenções hormonais e cirúrgicas, antes mesmo que seja dada ao sujeito a possibilidade para falar dos conflitos quanto à sua sexuação, numa passagem ao ato que terá consequências a longo prazo, como revelado por Lea T., transexual que se submeteu à cirurgia para passagem do anatômico masculino para o feminino e testemunhou, depois disso, que não se sentia ainda feminina e nem recomendava a ninguém que se submetesse a esse tipo de cirurgia sem estar bem seguro de sua condição sexual. Contudo, a máquina da ciência trabalha cada vez mais aceleradamente, produzindo em série,  esse tipo de sujeito nomeado transexual.


Como não escutar aí que se trata de fazer um corpo? E como não nos lembrarmos das psicoses ordinárias, nas quais a questão da imagem corporal faz parte da tríplice externalidade, centrada no sentimento de disjunção no mais íntimo do ser e que leva o sujeito a ... “fazer um corpo”?


Não creio que o esforço de Lacan para colocar todo parlêtre nas tábuas da sexuação,  dê conta de inserir nestas, os modos de sexuação contemporâneos. Cada vez mais singular, quase nada fantasmáticos, da ordem de uma invenção “parletriana” que tende ao infinito borromeano...


E a Ciência tenta, sempre fracassando, introduzir a partir do discurso capitalista, do qual é operário padrão, o conceito de gênero, que exclui a dimensão do parlêtre. Em última instância, a dimensão do sujeito do inconsciente.


Sujeito do inconsciente totalmente forcluído pelo Discurso da Ciência.


Aldeia da Cachoeira das Pedras, noite fria de 25 de julho de 2014.

 

Célia Winter (EBP) (PR)
IDENTIDADE SEXUAL

 

A partir da “teoria da sexuação”, proposta no Seminário 20 -Mais ainda, Lacan abandona a sexualidade pensada como atributo substantivo e, ao esvaziar o caráter universal do falo, abre a dimensão da sexualidade à contingência. O corpo, para Lacan, é um terreno aberto à imprevisibilidade, não mais limitado a heterossexualidade normativa. Com Lacan, podemos pensar o masculino e o feminino como posições de gozo, para além das figuras de homem ou de mulher, para além da identidade de gênero. O transexual, no entanto, ao permanecer preso à dimensão do ser, coloca-se numa proximidade com a psicose. Esse é o caso de Deborah que, contra as evidências de seu corpo, afirma ser uma mulher. O que se coloca de imediato, é a questão da identidade sexual tributária da linguagem e a problemática da identificação sexual.

 

Em análise, consegue elevar ao estatuto de questão, a pergunta sobre o que é ser uma mulher, e se é o corpo que lhe atesta pertencer a um ou a outro sexo. Hoje, Deborah não quer mais fazer a cirurgia. Para ela, sua re-designação civil, a mudança de nome, já é suficiente.

 

Para Deborah, fazer-se e ser dito, nomeada mulher, dar a si própria um nome, é o que realmente parece ter peso. Deborah consegue realizar o seu Sinthoma ao se batizar e se fazer reconhecer pelo Outro.

 

Clara María Holguin (NEL) (Colômbia)

QUESTÕES DE GÊNERO

 

Como discutir hoje as questões de gênero, considerando as concepções lacanianas sobre a sexuação?
As questões de gênero, dizendo melhor, não podem deixar de ser consideradas à luz das concepções lacanianas sobre a sexuação.
As variantes da sexualidade, desde o modo clássico da homossexualidade, até as múltiplas formasde que se fala hoje mais abertamente, fazem existir o Outro como Outro sexo, fazendo com que apareça de modo reivindicatório, a dimensão fálica do gozo. No entanto, o que Lacan ensina é, precisamente, que não há mais que dois sexos, homens e mulheres. "Há quem se obstine em acrescentar a eles os auvérnios. É um erro. No nível do real, não existem auvérnios"1.


O que quer dizer isso? Que no real não há escolha, sem articulação com o feminino. Quando falamos do feminino, queremos dizer com Lacan, o "gozo como tal". O feminino como um nome do real, aponta para o que Lacan chamou de "há-um", a existência de um gozo contingente, que aparece sobre o fundo da não-relação sexual. Gozo que Lacan nomeia como "não-todo", frente ao qual cada falasser responderá de maneira singular na tentativa de cernir e nomear o que não pode ser nomeado.


Que toda escolha tenha a ver com o encontro com o feminino, aponta para o que M. Bassols desenvolve em seu texto "O gozo (a)sexuado"2 , quando salienta que, na sexuação do falasser, deve-se considerar que o encontro não é com o Outro, como Outro sexo, mas com o um a mais: "no lugar deste Outro, o que o sujeito encontra é o objeto que está no núcleo de seu gozo mais ignorado e que é finalmente, um gozo assexuado (...) objeto que faz par com o Um do gozo (...)". Encontro sempre contingente.


O falasser primeiro encontra, e depois procura. Cada um habita um gozo que não é subsumido por nome algum, e com o qual terá que saber-fazer.

1 Lacan, Jaques. O Seminário, livro 19. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2012, p. 149.

2 Bassols, Miquel. Gozo (a) sexuado.
http://jornadaselp.com/2014/06/el-objeto-asexuado/

 

Debora Nitzcaner (EOL)

Al goce que le toca ensuerte...1
Há dois anos, foi descoberta a pintura mais antiga de um travesti, "Mulher com chapéu de plumas". Seu rosto rasurado chamou a atenção de um historiador. Luis XVI concordou com o pedido de que o “Cavalheiro de Éon” fosse reconhecido como uma dama e em troca, a corte exigiu que se vestisse sempre de mulher. Assim, o ex-espião converteu-se na “Dama de Éon”, durante os 33 anos restantes de sua vida.  Esta descoberta demonstra, que as questões de gênero não são uma invenção da modernidade, são inerentes ao campo do gozo do ser falante .
J.A. Miller2, ao referir-se ao funcionamento do imaginário hoje, esclarece que nem tudo é semblante, há um real. Diferenciando "o real do vínculo social, que é a inexistência da relação sexual", do “real do inconsciente, que é o corpo falante”, ele nos fala do gozo. Quando Lacan toma como paradigma o sujeito transexual, é para transmitir a ideia sobre qual é o preço a pagar para aceder ao Outro sexo. O transexual (…) “não vê que o significante é o gozo” (…), não vê a diferença entre o significante e o órgão significado. O fundo do problema aqui é, pode-se ou não, gozar como uma mulher no real. Como consequência, com a noção de identificação sexuada3, chegamos ao fato de que todas as identificações estão do mesmo lado - o feminino. Trata-se de passar pelo gozo fálico para aceder ao não-todo fálico.
Deste modo, penso a verificação de um gozo em um sujeito transexual por esta via, sobre o acesso ou não, a tramitar seu real. Nos termos ilustrados pela “Dama de Éon”, trata-se de encontrar o impossível de rasurar, desde a perspectiva de um sinthoma.


1  J. Lacan..El Seminario, libro XIXO peor. Buenos Aires: Paidós, pág. 51.

2 J- A Miller. O Inconsciente e o corpo falante. Apresentação do tema do X Congreso da AMP.

3J. Lacan. Le Séminaire, livre XXI. Les non-dupes errent.Aula do dia 11 de junho de 1974. Inédito.

 

Fernando Coutinho Barros (EBP)(RJ)
QUESTÕES PARA A PSICANÁLISE

"Que antes renuncie a isso (praticar a psicanálise), quem não conseguir alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época (Lacan)."

Sigamos então, a orientação de Lacan.


Embora as questões do gênero para a sociologia e a antropologia, sejam bem mais recentes que as questões sexuais para a psicanálise, trata-se igualmente de um fato cultural ou mesmo político de grande envergadura, frente ao qual, como psicanalistas, não podemos recusar o debate rigoroso e sério.


Partindo de premissas teóricas diferentes, algo em comum existe entre psicanálise, sociologia e antropologia, na abordagem desse assunto: para as três “ciências”, as identificações dos seres falantes, não estão apenas vinculadas à imagem dos seus corpos, vão muito além do puramente anatômico.


Enquanto que, para Freud, a “anatomia era o destino” e o sexual um outro nome do inconsciente recalcado, Lacan, ao dar um passo a mais em torno dessa questão, separa a sexualidade oriunda do inconsciente estruturado como uma linguagem, do gozo do corpo vivo falante, ensinando-nos a separar sexualidade e sexuação, tornando as discussões com os teóricos do gênero mais delicadas, embora podendo muito contribuir com elas.


Em relação ao transexualismo e psicose, entramos num terreno mais espinhoso. A única saída que vislumbro, é a de recorrer ao caso a caso, ao um a um. Sem dúvida, a crença inabalável de pertencer a um sexo, embora tendo o corpo anatômico de um outro sexo - o que pode levar esse falasser a submeter-se a intervenções cirúrgicas drásticas sobre esse “corpo inadequado” -, leva a pensar que se trata de um sujeito psicótico que acredita, delirantemente, que a relação sexual existe, e que ele é fruto de um erro da natureza, tendo assim o direito de corrigi-lo.


Entretanto, depois das grandes revoluções dos costumes do século passado (feminismo, maio de 68 e movimento gay), após os inegáveis avanços da aplicação da ciência à medicina, no sentido da manipulação do real, acho que podemos nos permitir pensar que um sujeito pode submeter-se a uma mudança de sexo anatômico sem necessariamente ser um sujeito psicótico.

 

 

Gloria González (NEL)(Colômbia)

Ainda é possível associar diretamente, transexualismo e psicose?
Nas abordagens de Lacan sobre transexualismo, podemos estabelecer uma relação direta com a psicose: quando critica Stoller e o Sexo e gênero, diz que ele carece de toda orientação, por nunca haver escutado falar da foraclusão lacaniana, e não perceber os traços psicóticos dos casos que ali se expõem. Ainda na década de 1970, no Seminário-19, Lacan situa o erro do transexual, na medida em que toma o significante pelo órgão, e "não vê que o significante é o gozo e o falo é apenas o significado (...) Existe apenas um erro, que é querer forçar pela cirurgia o discurso sexual, que, na medida em que é impossível, é a passagem do real"1


Se, tal como nos recorda Miller em A Invenção psicótica, "tem-se os órgãos e em seguida tenta-se ver para que servem", deve-se dizer que o transexual não sabe fazer com o seu órgão, senão demandar que ele seja extirpado; ele o rejeita e, com isso, o fato de ser significado como falo.


É a convicção de que ele habita um corpo que não lhe corresponde, e o fato de encontrar a saída para esse "erro da natureza" por uma espécie de curo-circuito para o real, o que faz com que se estabeleça a associação direta entre o transexual e a psicose.


No entanto, pode-se pensar com os elementos que nos oferece o último ensino de Lacan, que o transexual, assim como uma mulher, teria uma espécie de intuição, no sentido de que não-todo gozo estaria contido no falo, que algo mais pode ser apanhado, ainda que nem ele nem ela possam dar conta disso, apenas senti-lo. Então, mais do que pretender fazer um universal dos falasseres transexuais, mais do que localizá-los em uma estrutura "para todos", deveríamos ser capazes de ler em cada um, como ele se relaciona com esse gozo hetero que o excede e o impele para o lado feminino. A casuística teria a última palavra sobre isso.

 

1 Lacan, J. O Seminário, livro 19. Rio de Janeiro: 2012, p. 17.

 

 

Stella Jimenez (EBP) (RJ)
INEXISTÊNCIA DA RELAÇÃO SEXUAL

 

É interessante perceber como os teóricos do gênero, particularmente as feministas, bordeiam de perto conceitos da psicanálise, mas não conseguem chegar ao âmago das questões, por desconhecer o real e querer ignorar a inexistência da relação sexual. As primeiras questões que trabalham - homens e mulheres são iguais ou diferentes? - as confrontam com a impossibilidade de definir o que é homem ou mulher, ou pertencente ao gênero masculino ou feminino. A mais avançada dessas pensadoras, Judith Buttler, expoente da filosofia queer, chega muito perto dos questionamentos psicanalíticos, mas sua teoria fica obstaculizada por se restringir exclusivamente ao simbólico, ao universo significante.

 

Vou analisar alguns de seus postulados, para revê-los à luz da psicanálise.

 

A autora refuta o conceito denero, que seria derivado, para outros pensadores, da identidade sexual. Ela faz uma desmontagem, do que é comumente chamado de nero feminino, e também do chamado nero masculino. A partir da psicanálise, é possível coincidir com ela. Lacan ensina que não é possível falar do conjunto das mulheres, que “as mulheres” devem ser tomadas “uma a uma”. Mas também o conjunto dos homens, enganosamente fechado, é aberto, já que não existe uma definição unívoca para “masculino”. No Seminário 16, Lacan fala do buraco na significação das palavras que definiriam homem ou mulher, acentuando, surpreendentemente, o lado masculino. Diz ele: “tudo que é designável como macho é ambíguo, ou revogável numa crítica mais próxima; isso é igualmente verdadeiro para o outro lado; e, mais ainda, que, no nível do sujeito, não há reconhecimento como tal do macho pela fêmea, nem da fêmea pelo macho ”1.

 

Para J. Butler, o nero é produzido por falas performáticas (falas que produzem efeitos em quem escuta). Essas falas vão modelando o corpo e o comportamento das crianças, determinando como se deve ser para pertencer ao gênero adequado, de acordo com regras.  Existem, segundo a filósofa, estruturas de poder que se reproduzem nessas falas. Alguns sujeitos fracassam nesta adequação, mas poderiam ressignificar esse fracasso e subverter as estruturas (para essa autora, a meu ver, ser “inadequado” e assumi-lo seria algo heroico). Aqui, a psicanálise diverge: existem, sim, significantes que o sujeito captura de lalingua, significantes que no inconsciente são atribuídos ao desejo do Outro, mas esses significantes capturados não são, necessariamente, normalizantes. Ou seja, significantes inconscientes que, a rigor, não seguem regra nenhuma, participarão decisivamente na determinação do sexo psíquico e do sexo do parceiro.

 

A autora pensa que, da mesma maneira que não existe gênero, tampouco existe binarismo sexual. Cada sujeito, pensa J. Butler, é único, sexualmente falando; tem sua própria e singular identidade sexual.  Neste ponto, ela acerta quando fala da singularidade, mas se equivoca, quando declara que a singularidade seria a da identidade sexual. Pois, o que é, psicanalicamente falando, a chamada “identidade sexual”? Ou, usando palavras mais psicanalíticas, a identificação sexual? Seria uma superposição de elementos simbólicos e de reversões imaginárias. Identificações simbólicas e identificações imaginárias. As identificações sexuais são nomeáveis. O que é singular em cada falasser é sua forma de gozo, algo que transcende à “identificação sexual”, algo do nível do inominável.

 

J. Butler discute a impossibilidade de dar um status ontológico aos indivíduos usando o verbo “ser”. Exemplifica com seu próprio caso: pode ela dizer que “é” lésbica? Ela justifica essa impossibilidade de usar o verbo “ser” dizendo que as pessoas são seres precários, que estão em constante transformação em relação com as falas performáticas dos outros. Concordo que é difícil usar o verbo “ser” no que se refere à “identificação sexual”, mas por outros motivos: o falasser sofre de uma angustiante falta de certeza em relação a sua orientação sexual porque, sendo a identificação sexual convergência do simbólico com o imaginário, não existe nada real2. Não existe uma letra que escreva ? mulher, nem tampouco uma letra que escreva o homem. Por isso, as feministas dos anos 90 que tentavam circunscrever a diferença, não conseguiram achar uma escrita feminina. Se houvesse uma escrita feminina, escrever-se-ia ? mulher.

 

O próprio termo que usam,“a identidade”, mostra sua falácia. Como alguém poderia ser idêntico a si mesmo?

 

Todas estas teorias demostram que o século XXI nos lança as mesmas questões que já mobilizavam o simbólico em tempos imemoriais. O que é uma mulher? O que ela quer? Possivelmente essas questões insistem de maneira mais aguda, porque os avanços das mulheres em todas as funções da vida pública e social, em todos os lugares antes reservados exclusivamente aos homens, não nos dão uma resposta. Uma mulher pode fazer as mesmas coisas que um homem, mas não é igual. Ao menos, não todas são iguais. Em que consiste a diferença? ? mulher representa o Outro sexo, tanto para os homens como para as mulheres, o que está forcluído para o falasser é um nome do real. Não se trata de igualdade, mas também não se trata de diferença descritível em palavras. Mas como só temos palavras, diria que é uma dissimetria radical que se apoia na inexistência da relação sexual: não há dialogo possível entre os sexos. Isto não acontece porque sejam inimigos, nem porque seja um encontro entre dominador e dominado: acontece porque, em toda tentativa de encontro, o impossível vem à tona. Obviamente, os homens não entendem as mulheres. Mas também as mulheres não entendem os homens.  Nos encontros sexuais isso é mais evidente, porque se apresenta a alteridade radical.

 

E aqui retomo J. Butler, esta autora reclama da hetero normatividade. Ela, obviamente, critica a regra social que preconiza como normativa a heterossexualidade. Mas Lacan diz outra coisa: o falasser é sempre heterossexual, por ser falante3. Ou seja, mesmo nos encontros entre sujeitos do aparente “mesmo” sexo, sempre se apresenta em relação ao sexo, a alteridade radical. Nesse sentido, é impossível fugir da heterossexualidade, que não normatiza nada.

 
Referências:
Butler, J.El género en disputa: feminism y subversion de laidentidade. Buenos Aires:Paidós Ibérica, 2007
Butler, J.Le pouvoirdesmots: discours de haineet politique dupermomatif. Paris: Ed. Amsterdam, 2008.
Butler, J.Violencia de Estado, Guerra, Resistencia. Buenos Aires: Katz Ed., 2011.
Fuentes, M. J. As Mulheres e seus nomes. Belo Horizonte:Scriptum, 2012.
Lacan, J. O Aturdito. In:Outros Escritos.Rio de Janeiro:J. Zahar. Ed., 2003.
Lacan, J, O Seminário, livro 16: de um Outro ao outro.Rio de Janeiro: J. Zahar Ed., 2008.
Miller, J. A.Seminário o Ser e o Um, 2011- 2012, inédito


1 Lacan, J. , O Seminário, livro 16 : de um Outro ao outro. Rio de Janeiro: J. Zahar. Ed., 2008,  p. 309.

2No seu ultimo seminário J. A. Miller enuncia que não é possível usar o verbo ser quando se quer dizer algo do real.

3 Lacan, J., O Aturdito. In Outros Escritos, Rio de Janeiro: J. Zahar. Ed., 2003, p. 497.

 

 

Vera Lúcia Veiga Santana(EBP)(BA)

SEXO E FALASSER

 

O conceito de gênero, como uma  construção social do sexo anatômico, serviu para demonstrar que ser homem ou mulher, é efeito de cultura. Lacan desloca a sexualidade das identificações sexuais para a opção sexuada, criando um novo conceito, a sexuação, como um modo de subjetivar o sexo frente ao significante fálico e à própria posição do sujeito de aceitação, ou recusa deste significante. O transexualismo, assim como qualquer condição sexual assumida pelo falasser, sutil e enigmática, vai depender da escolha sexual e do registro da vida erótica no amor, no desejo e no gozo. As estruturas clínicas, neurose ou psicose, estão aí postas para todos. Hoje, as ciências sociais, com o conceito de gênero, e a psicanálise, com a noção de sexuação, jogaram a pá de cal no biológico como signo de identidade sexual, mostrando que ser homem ou mulher, é uma questão de posição assumida pelo ser falante, onde o sexo não é dado a priori ea estrutura, neurose ou psicose, não está atrelada á condição sexual.