EBP Debates #010

 

Editorial

 Frederico Feu e Paula Borsoi

 

A comunidade analítica da AMP esteve reunida neste mês de abril para o seu IX Congresso. EBP-Debates aproveitou essa ocasião para perguntar a alguns membros da nossa Escola quais foram as suas primeiras impressões e destaques. Certamente, as questões suscitadas no Congresso exigirão um tempo de elaboração. Aqui, buscamos saber o que cada um recolheu no calor do acontecimento. Sendo assim, propusemos a Sérgio de Campos (MG), Rômulo Ferreira da Silva (SP), Margarida Elia Assad (PB), Ana Lúcia Lutterbach Holck (RJ), Nohemi Brown (PR) e Marcela Antelo (BA) a seguinte questão:

 

O tema do IX Congresso da AMP, Um real para o século XXI, aponta para vários aspectos e desdobramentos. O que você destacaria como ponto de amarração do que foi discutido durante este evento?

 

 

Comentários:

 

Ana Lucia Lutterbach Holck

Entre os inúmeros temas abordados no IX Congresso em torno do que hoje chamamos clínica do real, gostaria de ressaltar um aspecto da função da interpretação, ou seja, o que diz respeito à “perturbação” ou “desmontagem” das defesas. Ponto que surgiu no Congresso, não só em alguns testemunhos de passe, como também, em casos clínicos retirados da experiência da psicanálise na cidade.

 

Podemos dizer, de maneira simplificada, que há a interpretação quando visa à desmontagem da fantasia como defesa,  ou, ao contrário, a interpretação que opera servindo-se dos pontos nos quais o sujeito pode se apoiar como defesa contra a invasão do real, quando a fantasia não opera como tela.


Em "Ler o sintoma"1 , J. A. Miller desloca o funcionamento da interpretação da escuta para a leitura: o que se escuta, são significações que evocam compreensão, onde há sempre um gozo implicado. A leitura parte do significante e, eventualmente, pode até dar lugar a significações, mas "a leitura, saber ler, consiste em manter à distância o sentido e a palavra que ela veicula, a partir da escritura como fora de sentido, como letra. [...] A disciplina da leitura aponta para a materialidade da escritura, isto é, a letra enquanto produz o acontecimento de gozo que determina a formação dos sintomas"2 .

 

A desmontagem da defesa, neste caso, permite ao sujeito um encontro com o real do gozo para além do gozo que se articula na fantasia como defesa contra o gozo, e esse gozo que sobra se mantém na iteração. A desmontagem permite, assim, a prevalência do gozo sem sentido, a "repetição do Um que comemora uma irrupção de gozo inesquecível". 3 Verificamos isso no testemunho do AE da ELP, Santiago Castellanos de Marcos.


Nos casos onde a fantasia não funciona como aparelho de defesa, ao contrário, é preciso um trabalho de “montagem” da defesa a partir do material, mesmo que precário, que pode surgir em uma análise. Seria uma espécie de programa singular  de gozo construído em análise mas que se mantém fora de qualquer garantia imposta por uma regulação terapêutica.  Nas mesas da Prática analítica para nosso século acompanhamos alguns casos que exigiram este tipo de trabalho.


Rio de Janeiro
Abril-2014


1 MILLER,J-A. Lire un symptôme. Mental n.26, 2011

2 MILLER,J-A. Aula de 23 de março de 2011. Inédito.

3 MILLER,J.-A. Curso o Ser e o Um. Lição de 23 de março de 2011. Inédito.

 

 

Marcela Antelo

O vento incessante que da figura a AMP soprou até Paris 2014, surgido do S(A/ ) de onde extrai sua força, desordenou as certezas como teima em fazer desde sua invenção. Os temas também fazem função de extimos catalizadores: o passe, a política lacaniana, a autoridade analítica, a função do controle. O vento soprando na função do controle articulada ao desejo do analista e ao que em cada um se coagula como sinthome tirou da penumbra seu lugar de experiência insubstituível de atualização da clínica, alumbrou seu agalma na orientação da nossa prática durante essa semana memorável de Paris.


Uma novidade que merece destaque sobre a preparação do Congresso é a multiplicidade de vozes que sem saturar de sentido o real no século XXI que nos convoca, por meio da política do fragmento, de pedaços de real, destacou o Um da experiência. Sem anestesia, uma cartografia urbana configurou-se no site do congresso de modo a encarnar o tema investigado de um modo inédito para a comunidade. Tudo indica que esse estilo veio para ficar e fazer escola. A política do fragmento como modo que convém a transmissão da psicanálise deve permitir confrontar ainda mais radicalmente o não sabido, o impensável que insiste na desordem.


A voz do vento também soprou no começo do vídeo de apresentação do X° Congresso da AMP que escolheu o Brasil como paisagem para reunir os corpos das suas escolas em 2016. O eco de Paris assobia com um alento renovado.

 

Margarida Assad

Um tour pelo IX Congresso da AMP: O título emblemático de nosso congresso, “Um Real para o Século XXI”, serviu de provocação à inúmeras exposições das plenárias e das mesas clínicas. Destacaria uma que me pareceu inovadora desde a primeira mesa: O Real, há que evitá-lo, enfrentá-lo ou cabe ao analista dirigir o tratamento de forma a produzi-lo? Na conferência de Bernard-Henri Lévy há algo que se articula: o Real não se apreende, o que não quer dizer que não se pode conhecê-lo. O desejo do analista pode introduzir aí uma liberdade frente à escolha forçada dos sintomas , perturbando a defesa. Nossos AEs demonstraram as formas particulares como abordaram o real do gozo para constituírem seu sinthoma. Marcus André encontrou uma maneira do objeto ceder lugar à letra e Jésus Santiago colocando a fantasia à serviço da pulsão. Ambos demonstraram que é possível articular gozo e sentido de uma forma peculiar. Enfim, o Real da Psicanálise, diferentemente do Real da natureza que se submete ao saber, pode ser contornado de diferentes formas criando um 'saber-litoral' ao vazio do gozo.


A supervisão, parte integrante da formação analítica, também foi trabalhada de maneira inovadora. Analistas jovens e analistas mais antigos debateram essa temática. Os efeitos da supervisão puderam ser demonstrados, assim como o lugar a ser dado à supervisão dentro da orientação analítica que não prescreve um protocolo para essa prática.


Por fim, e ao mesmo tempo como uma abertura, Miller nos levou a dar mais uma volta em torno do corpo falante. Afinal, quem fala e como fala o sujeito do século XXI? Como se analisa o parletre contemporâneo? Iniciamos a tríade lacaniana com o Simbólico em Roma, prosseguimos com o Real em Paris e esperávamos trabalhar o Imaginário no Rio de Janeiro em 2016. Mas percebo - foi o que pude apreender do que nos trouxe Miller - que podemos colher muito do que a realidade da fantasia sexual encenada à céu aberto na WEB poderá nos ensinar sobre um tratamento analítico para o parletre do século XXI. De que forma o parletre contemporâneo experimenta a castração? Qual o inconsciente para o corpo que fala? Seria essa uma via ao Imaginário do gozo?

 

Nohemí Brown

Parece-me que os pontos a serem destacados são vários, mas para colocar em sintonia o Congresso da AMP e a Conversação em SP, que teve a função de abrir questões muito precisas, gostaria de retomar a problematização da noção de defesa. Como ficou claro no congresso, a referência à defesa contra a pulsão, contra o real do gozo e os destinos possíveis em uma análise, foi o tema de trabalho de várias plenárias. Inclusive como colocou Anaëlle Lebovits no seu depoimento, frente ao real do gozo respondeu a lei do fantasma, como uma forma de defesa. Neste sentido, especialmente, a mesa coordenada por Leornardo Gorostiza levantou a questão de molestar a defesa como uma direção, além de esclarecer a relação entre inconsciente transferencial e inconsciente real. Tendo presente isto, e escutando vários casos apresentados na seção clínica, ficou claro que não se pode pensar simplesmente em molestar a defesa como uma direção, e sim tomar a defesa como uma referência a problematizar. Isto porque alguns dos casos apontavam, especialmente com psicóticos ou com sujeitos tomados por um gozo desmedido, que mais do que molestar a defesa parecia necessário permitir que se estabelecesse uma defesa mínima frente ao encontro com o real do gozo. Com o gozo sem sentido. Partindo disto, e como não escutei casos de crianças, pelo menos nas mesas em que participei, amplio uma questão que me parece importante para ser trabalhada: como podemos pensar a questão da defesa na clínica com crianças? Tratar-se-á de molestar a defesa ou de permitir que a criança constitua certa defesa frente ao real?

 

Rômulo Ferreira da Silva

O Congresso da AMP se mistura com os eventos paralelos. Tivemos algumas reuniões importantes nessa semana e é difícil separar os temas que foram tratados no Congresso daqueles que tiveram destaque em outras instâncias.


Sendo assim, respondo em três itens:


1 – Para cada um o seu real. Seja qual for a abordagem que podemos fazer do real no século XXI, fica claro que é preciso que cada um encontre o seu real, o singular de seu gozo, impossível de negativar, para que se possa abordar o que há de real no mundo. Ou seja, análise para todos!


2 – Supervisão. O tema da supervisão foi tratado na conversação da Escola Una, porém, muitos aspectos desse tema circularam nas atividades do Congresso. Nenhuma regulamentação sobre essa prática, mas sim, uma necessidade de fazer circular o desejo de supervisão em cada um que pretenda a formação analítica, que ao contrario da análise, é infinita.


3 – A Escola Brasileira de Psicanálise apresentou o seu produto. Não me parece que tenha havido outro Congresso da AMP com tamanha representação da EBP. A “chuva de AEs”, as apresentações de trabalhos, coordenações de mesas e participações nas reuniões, demonstram que a EBP enfrentará um grande desafio daqui em diante: contribuir mais para a psicanálise da Orientação Lacaniana. A língua portuguesa, inclusive, tendo cada vez mais lugar nas discussões institucionais.


 Dentre tantos pontos escolhi fazer essas três pontuações, certamente, poderemos apontar outras tantas.
 Rômulo Ferreira da Silva


 

Sérgio de Campos

Caros colegas da EBP, saudações.


O IX Congresso da Associação Mundial de Psicanálise, "Um Real para o Século XXI", aconteceu em Paris, entre os dias 14 e 18 de abril de 2014 e contabilizou a presença de mais de 1500 participantes. No dia 13 de abril que antecedeu ao Congresso ocorreu a Conversação do Passe na Escola Una. Na Conversação do Passe foi interrogado sobre um possível “desejo de nomeação” da Escola e de uma “chuva de AE”. A conclusão dos debates concluiu que se tratou mais de um longo plantio, de décadas de análises, que frutificou na colheita de uma boa safra de AE de diversas nacionalidades. Atualmente, são 20 AE em exercício na AMP que, cada um ao seu estilo, apresentaram o seu testemunho.


Os AME estiveram presentes nas plenárias apresentando seu ensino, discutindo os relatos de passe e também os trabalhos das Jornadas Clínicas. As Jornadas Clínicas deram o pontapé inicial para abertura dos trabalhos nas mesas simultâneas dos analistas praticantes de múltiplas nacionalidades. Analistas de diversos países trouxeram, em várias línguas, suas experiências com o real na clínica contemporânea e as colocaram em debate. Também, houve diversos lançamentos de livros com a presença dos autores. A conclusão é que a AMP está viva, atuante e é poliglota.


Um dos pontos altos do Congresso foi a Conferência do renomado filósofo Bernard-Henri Levi, aluno de Lacan, que ofereceu a uma assistência lotada, uma abordagem singular sobre o real, a política e a psicanálise. 


Depois de grande expectativa, Jacques Alain Miller apresentou em sua Conferência uma ousada proposta para o X Congresso da AMP, que ocorrerá no Rio de Janeiro, no hotel Sofitel, em abril de 2016: Parlêtre. Em breve, nos nossos meios, circulará na íntegra sua Conferência. Em um belíssimo vídeo, Marcus André Vieira, Presidente do X Congresso da AMP, estendeu o convite a todos os colegas da AMP.


No encerramento do Congresso, dia 18 de abril, ocorreu a Assembleia Geral Ordinária da Associação Mundial de Psicanálise, na qual houve a transmissão da presidência da AMP, saindo Leonardo Gorostiza e assumindo Miquel Bassol. Constatou-se que os membros presentes ou representados devidamente constituíram 683 membros da AMP (614 membros presentes e 69 representados por procuração). Por fim, sob a orientação de Jacques-Alain Miller, uma assistência lotada participou de forma animada da Conversação da Escola Una sobre “Como os grupos terminam”.