Dobradiça de Cartéis

Agosto de 2014

DOBRADIÇA DE CARTÉIS Nº 13

Boletim eletrônico dos cartéis da EBP

 

Dobradiça de Cartéis

 

 

Editorial

Efeitos de transferência

Maria Josefina Sota Fuentes

 

Um intenso trabalho dos Cartéis é o que nos aguarda para o segundo semestre. No mês de agosto, três Jornadas de Cartéis, que acontecerão na EBP, são nosso destaque: na Seção Rio de Janeiro, que contará com a conferência de Marcela Antelo; na Delegação Rio Grande do Norte, onde Carlos Augusto Nicéas foi convidado como conferencista; e na Delegação Espírito Santo, que trará de Buenos Aires Gustavo Stiglitz, colega da EOL. Além disso, na Seção Pernambuco, José Carlos Lapenda falará no “Encontro de Cartéis sobre o Amor” sobre o tema “O amor atravessado pela pulsão de morte”, preparatório para o Evento-Cartéis da EBP que nos aguarda em novembro.


Lembramos que estamos recolhendo os trabalhos dos cartelizantes da EBP que queriam colocar “à céu aberto” seus produtos neste Evento Nacional de Cartéis, que acontecerá dentro do XX Encontro Brasileiro do Campo Freudiano, nos dias 21, 22 e 23 de novembro de 2014, em Belo Horizonte. Convidamos a todos a escrever, buscando articulações entre os temas individuais de cada cartelizante e a temática que escolhemos para este ano, aos 50 anos do Ato de Fundação da Escola de Lacan, “Os destinos do amor”. Trabalharemos assim especialmente o tema da transferência, seja como pivô da experiência analítica mesma, como nos laços do praticante à Escola e à psicanálise, caro ao próprio dispositivo do Cartel.


Este tema será também um dos eixos temáticos o XX Encontro Brasileiro, tal como pode ser lido no site do Encontro (http://www.encontrocampofreudiano.org.br/p/m2.html), no argumento do coordenador da Comissão Científica, Sergio Laia, e onde já se encontram textos de orientação. O amódio, o amuro, a transferência negativa, a transferência nos tempos do Outro que não existe, o estatuto do amor e do inconsciente ao final da análise, o novo amor, a transferência de trabalho, as parcerias amorosas, enfim, são desdobramentos do tema com os quais instigamos os cartelizantes a enviarem seus trabalhos até do dia 7 de setembro para a Comissão Científica (xxebp.cientifica@gmail.com). O número máximo de caracteres é de 6000, incluindo espaços, notas, na fonte Times New Roman, tamanho 12 (indicar no trabalho que se trata de um trabalho de cartelizante).


Neste Dobradiça, a escrita de Paola Salinas, de Inês Seabra e de Cristina Gallo anunciam o apaixonante debate que nos aguarda em novembro na cidade de Belo Horizonte. Recolhemos, ainda, dois interessantes trabalhos de cartelizantes apresentados na Jornada de Cartéis da Seção Minas Gerais, bem com as Ressonâncias desta nas duas resenhas que seguem.

 

Acompanhem e escrevam!

 

Evento-Cartéis no XX Encontro

Brasileiro do Campo Freudiano

Dias 21, 22 e 23 de novembro de 2014 em Belo Horizonte

Ecos do texto “Je vous ai à la bonne” de Bruno de Halleaux

Paola Salinas

 

O texto de Bruno Halleux tem como um de seus efeitos a pergunta sobre o destino do amor ao fim de uma análise, partindo do questionamento de uma intervenção analítica e sua articulação ao amor de transferência.
Por um lado nos diz que “o amor de transferência, se ele não se dirige mais ao saber pelo fato de que ele se encontra desacreditado e desarticulado, pode tomar então a forma de um amor que se dirige ao real”. Por outro, afirma que a transferência por seu analista resta intacta.


Tomando os destinos do amor e o que resta do amor de transferência ao final de uma análise, poderíamos responder precipitadamente: trata-se de amar o real.


Destinar o amor de transferência ao real... Como pensar esse amor ao real a partir do amor de transferência? Ou mesmo, como pensar o amor ao real com seu objeto de amor? Teríamos aí várias questões.
Halleux indica algo ao dizer que a transferência resta intacta.


Restam amor e transferência, que precisam encontrar outro endereçamento, não um qualquer.


Tal novo endereçamento poderia ser esse amor dirigido ao real?


Amar o real seria não evitá-lo? Com o amor inclusive?


Junto à Damasia Amadeo de Freda citada por ele, coloca a perspectiva de um novo analista mais atento aos indícios do real do que a significação. Algo que poderia abrir a discussão sobre formas de modificação do desejo do analista no contemporâneo, o que ele somente aponta.


Podemos intuir que algo do fazer desse “novo” analista pode ser pensado, no seu caso especificamente, com uma intervenção inédita justamente em relação ao amor de transferência, flechando o objeto à seco, tendo como consequência um vazio com o qual o sujeito irá se a ver.


Pensar o amor ao final da analise é uma pergunta que anima, não somente o destino do amor de transferência, mas também o destino da parceria amorosa.


Um laço possível ao final de uma análise sob duas formas: na vida e na psicanálise.


Na psicanálise, Lacan nos oferta sua Escola como lócus para o endereçamento desse resto que não se extingue, a transferência de trabalho parece ocupar um bom lugar acolhendo isso que resta.


Na vida, penso que se trata de um amor que não evita o contingente, o inesperado, extremamente difícil, pois a contingência não é somente poética, pode inclusive ser trágica. Viver com um amor que suporte o vazio de sentido de uma borda?
Fiquemos com uma indicação de Marcus Andre Vieira , seria um amor que viria de uma nova maneira de viver o real?

 

Publicada em: http://www.encontrocampofreudiano.org.br/2014/06/eu-te-tenho-em-alta-conta.html

VIEIRA, M. A. Sobre a expressão “amor do real”. Entrevista a Carlos Augusto Niceás. In: http://www.encontrocampofreudiano.org.br/2014/05/sobre-expressao-amor-do-real.html.

 

Comentário do texto “Um amor que dura”, de Hélène Bonnaud

Inês Seabra Abreu Rocha

 

Freud, no texto “Análise terminável e interminável” nos diz que os restos deixados pela transferência em uma análise que termina podem interferir em algum momento na vida do analista praticante, por isso, recomenda ao analista que retome sua análise periodicamente. O ato de conclusão de uma análise implica no surgimento de um novo analista, um novo sujeito que não será o mesmo depois de seu ato.


Hélène Bonnaud ressalta nesta intervenção intitulada “Um amor que dura” que o amor de transferência funda a experiência analítica e na sua ausência o inconsciente não encontra muitas chances de se manifestar. Portanto, certamente ao final de uma análise o amor de transferência passará por modificações. Segundo Hélène Bonnaud, os acontecimentos transferenciais que conferem uma consistência real ao encontro entre analista e analisante se esvanececem e surge algo do que resta de inanalisável, o real ali se apresenta. Assim, será através da repetição e da inércia que o real se manifestará no interior desta cura. Hélène Bonnaud nos ensina que no final da experiência analítica o sujeito irá se deparar com algo que não se modifica e que insiste ali onde a palavra não tem mais efeitos de sentido, um resto produzido após a quebra da crença no inconsciente.


A transferência foi formulada por Lacan como um amor que se dirige ao saber. A modificação que a transferência sofrerá ao término da análise diz respeito à destituição do Sujeito Suposto Saber, à mudança da relação do sujeito com seu saber inconsciente. Ao final da análise, o sujeito não mais estará dirigido à sua busca de saber e decifração do inconsciente, mas aos restos, a isto que resta de indizível na experiência analítica, o real.


Para Freud, os resíduos de uma análise podem fazer obstáculo à realização do sujeito posteriormente, e ele não poderá retornar ao mesmo lugar para resolver seus enigmas, pois não será mais o mesmo. Segundo Hélène Bonnaud, “a transferência que sustentou o desejo e fez incluir a fineza do encontro entre significante e sentido, significante e gozo, perde sua consistência no final da análise”.


Miller nos diz que “o inconsciente transferencial é uma defesa contra o real” . Enquanto o amor de transferência permitirá, por um lado, uma interpretação do inconsciente, por outro lado, constituirá um saber que virá a colocar à distância o real. Ao final, algo resta deste amor depois de desinvestida a busca de saber como tentativa de dar conta do real impossível. Para Hélène Bonnaud, diante de algo “artificial” do amor de transferência poderá advir a eficácia da presença, um dos nomes do desejo do analista.


Portanto, o amor, mesmo contingente, poderá ser convocado no seu lugar de laço, onde a fala tem um valor decisivo. A transferência deixa de operar como um obstáculo quando estabelece um laço que convoca ao dizer.
Ao final de uma análise o saber que se encontra desacreditado e desarticulado, como nos diz Bruno de Halleux , poderá tomar a forma de um amor que se endereça ao real. Os relatos dos AEs nos conduzem aos limites da experiência com a palavra, à letra, ao momento onde se cessa a busca por uma palavra última e o sujeito se confronta com o sem sentido do real.


Para Hélène Bonnaud a destituição do Sujeito Suposto Saber conduz, não mais a uma via de decifração do saber inconsciente, mas a uma vertente da letra, do saber ler. Diante da contingência do amor, o real se apresenta das mais diversas formas. Algumas vezes a tentativa de recobrimento imaginário do amor provoca desordens no real. Mais ainda, Lacan nos diz que o amor faz signo e que ele é sempre recíproco.
Segundo Hélène Bonnaud “afinal, esta separação do casal analista-analisando exige que desnudemos as fixações imaginárias do amor parental”. Isto significa que há que se desligar da demanda incondicional de amor que está contida no amor de transferência, para surgir um amor despossuído e livre das contradições dos afetos. Assim, o que surgirá serão os restos de um amor incurável, que não se liquidará totalmente no final da análise.


Trata-se de um resto vivo e fecundo, motor do desejo do analista.

 

Publicado em  http://www.encontrocampofreudiano.org.br/p/destinos-do-amor.htm.

FREUD, S. “Análise terminável e interminável”. In Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago. v. 23, 1986.

MILLER, J.-A.“Le réel au XXI° siècle. Présentation du theme du IX Congrès de l’AMP”. In La cause du désir, n. 83, p. 94.

Texto publicado em: http://www.encontrocampofreudiano.org.br/2014/06/eu-te-tenho-em-alta-conta.html.

LACAN, J. O seminário, livro 20: mais ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.

 

Quais os destinos do amor? Comentário do Passe de Ana Lydia Santiago

Cristiana Gallo

 

Seguindo com esta questão aberta em edições anteriores do Dobradiça, apresento uma breve leitura dos testemunhos de passe de Ana Lydia Santiago, percorrendo-a em sua experiência.


No início, a trama significante que se estabelece articula o amor à morte: “O choque com o real traumático da linguagem faz amálgama do amor com a morte. Um pai morre por amor à filha e, na geração seguinte, outra filha faz da fascinação do amor seu sintoma: amar para não morrer por amor [...] .


Em seu relato, Ana Lydia apresenta neste primeiro tempo da análise a “inibição presente no sintoma” , “que apontava o incompreensível do amor do pai” ; já em um segundo tempo, aí se esclarece um ponto de fascinação colhido no olhar do pai à filha, olhar que “recobria a ausência do olhar da mãe e uma perda do lugar de exceção” .


Tratou-se na análise de encontrar uma saída para a questão: “como fazer exceção sem cair na exclusão?”
No tempo final da análise, no sonho em que o coup de foudre vem em substituição ao coup de fusil, Ana Lydia dirá que “o amor substitui a morte” : o amor fixado no par significante amor-morte, desprende-se, e se apresenta enquanto possibilidade de “gozo da pulsão” .


Este ponto fica assim esclarecido:


A experiência analítica permite, pois, explorar diferentes versões do amor nas parcerias sintomáticas com o Outro, bem como renunciar a elas. O coup de foudre que orienta a passagem do objeto de amor parental à eleição de um homem como objeto de amor abre-se à feminilidade, mas revela afinidade com o Um do gozo, que causa a determinação da lei da repetição do sintoma. Contudo, o coup de foudre do final de análise depende do esvaziamento do gozo e do processo de luto do que o sujeito foi como objeto de amor para o Outro. E, por isso, o sujeito reinventa o Outro, em que vida e morte se encontram condensados de maneira inédita no amor .

Depreende-se da escuta dos seus testemunhos uma experiência inédita do amor, também apresentada como “acontecimento de amor súbito, arrebatamento, trovão”.

 

SANTIAGO. A. L. (ago, 2013). Morrer por amor: o choque do significante no corpo. In Opção lacaniana, São Paulo, Eólia, n.66, ago/2013, p. 64.

SANTIAGO, A. L. Coup de foudre. In Opção lacaniana, São Paulo, Eólia, n.62, dez/2011, p. 97.

Ibidem, p. 98.

Ibidem, p. 100.

SANTIAGO. A. L. Morrer por amor: o choque do significante no corpo. Op. cit., p. 65.

Ibidem, p. 65.

SANTIAGO. A. L. Coup de foudre. Op. cit., p. 103.

 

Escrita cartelizante

Trabalhos apresentados na Jornada de Cartéis

da EBP- MG em 31 de maio de 2014

 

Nossas redes de gozo

Ernesto Anzalone

 

Há uns meses sentei-me com um amigo para tomar um café. Ele me mostrou a última novidade em sua vida amorosa: um aplicativo. Através dele, meu amigo procura parceiras, como num catálogo. Passa páginas com fotos, gostos, idades, marcando quais gostou. Depois disso outros amigos têm-me mostrado aplicativos similares, que procuram pessoas com gostos afins, perto do lugar no qual o sujeito se encontra. Fiquei pensando nos antigos clubes, botecos, discotecas, que eram os lugares onde desconhecidos, o deixavam de ser, só pela contingência de se encontrarem ao mesmo tempo no mesmo lugar. Contudo, estes desconhecidos nos dias de hoje, deixam de se expor a esse encontro imprevisível. A tecnologia nos permite evitar esse encontro, mas isso não é novo.


Temos uma longa história de procurar tecnologias que nos permitam impedir esse encontro. Podemos considerar que, desde a carta, o telegrama, o telefone, o e-mail, até o whatsapp, temos progressivamente construído métodos mais imediatos, e cada vez mais curtos, para evitar o encontro, ou pelo menos para adiá-lo, até conhecer o suficiente do outro sem ter que encontrá-lo.


Recentemente, no interior de Minas Gerais, aconteceu um casamento onde os noivos se encontraram pessoalmente pela primeira vez, no próprio casamento. A história, que já está se tornando clássica, foi, como podem imaginar: eles se conheceram pela internet, namoraram um tempo e, neste caso, decidiram não se conhecer pessoalmente até o momento do casamento.


 Nossos vínculos, nossos afetos, têm mudado, talvez, como coloca Bauman (2006), estamos numa época do amor líquido, dos afetos líquidos. Escutamos que graças às redes sociais (as novas, da internet), o grau de separação entre qualquer ser humano do mundo tem diminuído, mas nos cabe questionar se isso não teve também consequências sobre o que poderíamos chamar de grau de proximidade. Um sujeito qualquer pode ter centenas de amigos no facebook, mas quantos amigos tem na sua vida? Com quantos ele encontra? Qual é o conceito de amizade que temos em nossos dias?


Podemos considerar que na progressiva dissolução do laço social, o que se coloca em seu lugar são justamente as redes, múltiplas, que parecem trazer a ilusão do intercâmbio, da complementaridade, de uma solução para inexistência da relação sexual.


A função das redes sociais, diz Mark Zuckerberg (criador do Facebook), é criar um mundo “mais aberto e conectado”. Elas se tornam ao mesmo tempo sintoma e solução para a solidão dos sujeitos. O sujeito contemporâneo parece gozar justamente dessa solidão acompanhada, preso em suas armadilhas de gozo, que permitem estabelecer vínculos, e manter ao mesmo tempo sua solidão. A liquidez dos afetos lhes permite ao mesmo tempo uma maior labilidade, mas também uma menor consistência, prevalecendo o Imaginário.
A tendência é culpar a tecnologia, dizer que as redes sociais são culpadas pela mudança nos vínculos das pessoas, embora tenhamos que considerar que estas redes são um produto, um objeto a ser consumido, criado pelo discurso capitalista. Mas este produto se encontra recheado pelos sintomas dos sujeitos que entram nessas redes. Elas dão um enquadre, mas não um conteúdo. As redes sociais não são um objeto que pode ser imposto ao sujeito (a experiência da Google, nos mostra isso), para “ter sucesso” é necessário que elas possibilitem uma continuidade em relação ao gozo do sujeito. O que as redes sociais expõem não é senão que o que a cultura contemporânea produz: sujeitos presos nas armadilhas do seu próprio gozo. O laço se constrói sob a forma de comunidades, onde o encontro não inclui os corpos, e sim o gozo de cada um.


Estas redes sociais parecem funcionar como um “supermercado de opções de gozo”, cada um pode encontrar um ponto que, embora tenda ao específico, possibilita criar uma identidade com a qual os sujeitos podem se identificar e se agrupar nessas comunidades.


Há redes sociais especificas, para gozos específicos, que favorecem a dimensão imaginária, sustentando a ilusão de certa proximidade, criando uma confiança amparada na ausência da presença física do outro.
Mas, também existem as redes grandes, e a maior, o facebook, onde os sujeitos tem de viver como em um condomínio, suportando com maior ou menor sucesso o gozo dos outros. Quantos de nós não excluímos pessoas de nossas redes por suas opiniões políticas, religiosas, ou pelo simples mau gosto nas publicações? Ali é onde aparece esse insuportável do gozo do outro, o que não queremos ver. Essas redes nos permitem excluir tudo àquilo que nos incomoda.


As redes sociais são gratuitas ou pelo menos não as pagamos com dinheiro. Com o que as pagamos então? O que elas recebem em troca? Elas se alimentam do nosso gozo, é com isso que as pagamos. Toda rede social reúne informações a respeito dos nossos gostos, preferências, coisas que postamos, que curtimos, páginas que visitamos e depois é com tudo isso que se faz a publicidade direcionada especificamente ao nosso modo de gozar.


Recentemente, no Japão, verificou-se uma diminuição das taxas de natalidade. O motivo? Os jovens têm perdido, progressivamente, o interesse por relações sexuais. Na busca de impedir o encontro com o outro, os japoneses parecem ter sido exitosos. Cada vez mais jovens japoneses se declaram assexuais, ou decidem levar uma vida de hikikomori, verdadeiros exilados do laço social, que não saem nunca de seus quartos. Chegando ao ponto de muitos japoneses não terem relações sexuais com parceiros amorosos, preferindo alguns masturbar-se em cabines a ter que “se ocupar com prazer do outro” (Alba, 2012).


As soluções dos sujeitos contemporâneos a respeito do insuportável do encontro com o outro e da impossibilidade da relação sexual parecem estar sempre na linha de adiar o máximo possível esse encontro. Seja através da imersão no gozo idiota, autista, que não faz laço; seja através da utilização de redes sociais que permitem essa “solidão acompanhada”. O que parece importar é a evitação do encontro com a impossibilidade, com aquilo que o outro nos mostra de diferente, de alheio, que expõe essa não-relação, da que cada vez menos queremos saber.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBA RICO, S. Sexo y pereza: el 70% de los japoneses no tiene nunca relaciones. Em: La Red21. Recuperado em 14 de março de 2013, de http://www.lr21.com.uy/comunidad/1036219-antropologia-sexo-y-pereza-en-japon.
BAUMAN, Z. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
GODOY, C. Bissexualidade. In: Mulheres de Hoje. Recuperado em 21 de Novembro de 2012. http://www.amazon.com/Mulheres-Hoje-Portuguese-Edition-ebook/dp/B00A4GVGL2/ref=sr_1_2?ie=UTF8&qid=1357325331&sr=8-2&keywords=mulheres+de+hoje.
LACAN, J. La tercera. In: Intervenciones y textos2. Buenos Aires: Manantial, 1993.
MILLER, J-.A. Una nueva modalidad del síntoma. In: Virtualia1. Recuperado em 7 de Agosto de 2008,  de http://www.eol.org.ar/virtualia/.
________. Psicoanálisis y sociedad. In: Publicaciones Online de la EOL. Recuperado em 12 de Dezembro de 2013, de http://www.eol.org.ar/template.asp?Sec=publicaciones&SubSec=on_line&File=on_line/psicoanalisis_sociedad/miller-ja_lautilidad.html
___________. El Otro que no existe y sus comités de ética. Buenos Aires: Paidós, 2003.
SMITH, A. Teoria dos sentimentos morais. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2009.
TARRAB, M. Mais-além do consumo. In: Curinga 20. Belo Horizonte: EBP, 2004, pp. 55-77,
TUDANCA, L. A segregação nossa de cada dia. http://www.institutopsicanalise-mg.com.br/psicanalise/almanaque/10/textos/Luis%20Tudanca%20almq10.pdf. Recuperado em 20 de Agosto de 2012.

 

A psicanálise aplicada: contribuições sobre o fazer do analista na instituição

Larissa Lara Rezende

 

O trabalho na instituição coloca aqueles que são tocados pela psicanálise, e que estão advertidos quanto à logica que ali impera, diante de muitos impasses, mas também de possibilidades. Fui convidada para trabalhar numa empresa e inicialmente foi pontuado que minha presença seria interessante porque talvez eu pudesse ajudar, uma vez que o fator “ser humano” causa e provoca as pessoas que compõem essa organização. Ao que reitero que sim, e aceito o desafio.


A empresa já teve vários contatos com outros estilos de trabalho vinculados à psicologia. Em uma conversa com a diretoria, a diretora financeira retoma que fez uma pós-graduação e teve uma disciplina chamada Jogos Empresariais. Diz que era muito interessante e pergunta se eu já tinha ouvido falar. Digo que não. Ela me conta sua experiência com esse instrumento e me diz: “quem sabe você pode fazer isso aqui?”


Diante dessa possibilidade, começo a me perguntar sobre a psicanálise aplicada e sobre o fazer do analista na instituição. Miller nos ensina que “[...] a psicanálise aplicada à terapêutica permaneça psicanalítica e que ela se mantenha impassível em relação à sua identidade psicanalítica [...], que ela seja a psicanálise como tal enquanto aplicada” (MILLER, 2001). E aponta a importância de uma “orientação de estrutura para traçar nosso caminho”.


Barros (2003) nos diz da importância de manter uma modalidade prática que seja coerente com o princípio que a inspira. Princípio em psicanálise se refere à singularidade, ao caráter único e irrepetível de um objeto ou ato. Reiterando, ainda, a questão da orientação lacaniana para o real, isto é, para a contingência, a surpresa, o imprevisto. Ou seja, o analista, orientado pelo real, assume uma posição totalmente distinta daquela que impõe sentido e tampona o mal-estar, permite, ao contrário, que se opere a partir de uma perspectiva que abre espaço para o sem-sentido, para o dizer e para um saber singular.


O analista está advertido acerca daquilo que impera dentro das instituições, e ao analista cabe construir um saber distinto, talvez um não-saber. Trata-se de um não-saber orientado, que permita que a incompletude se faça presente e seja produtora de novas possibilidades. Nesse sentido, o analista se mantém em movimento, em constante reflexão sobre as condições da aplicação da psicanálise nos contextos em que ela se faz presente. Esse é um exercício constante e que me faz buscar recursos para a construção do trabalho e da minha atuação dentro da empresa.


Conforme Santiago, a intervenção do psicanalista na instituição se distingue, radicalmente, de tudo o que impera nas instituições. E acrescenta que “[...] a intervenção possível da psicanálise, nesses espaços, consiste em propor uma oferta de palavra” (SANTIAGO, 2009, p.72). Pude transformar os “jogos empresariais” em uma oportunidade, dentro da instituição, de ofertar a palavra àqueles que circulam por ela.


Outra premissa fundamental que orienta o trabalho chama atenção para o fato de que, ao analista, cabe a mediação da oferta da palavra, mas esta deve ser de outra ordem. Não se trata da palavra pela palavra. E ainda “[...] a psicanálise não se recusa às demandas que lhe chegam, mas opera uma subversão na demanda, fazendo surgir da urgência do Outro, a urgência do sujeito que é possível tratar como uma exceção” (BARROS, 2009, p.101). Barros aponta, ainda, que a teoria que interessa à psicanálise é a teoria da prática que se tece no caso a caso, que não é universal, mas orienta, cria laço, apresentando-se como um trabalho sem a pretensão de fazer grandes ou pequenas revelações.


Existe uma exigência da instituição, que me diz constantemente que meu trabalho é um investimento altíssimo, que o valor do homem/hora é muito caro, que a empresa precisa de retorno e quer ver resultados. Manejar esse ponto foi delicado, mas aos poucos foi possível afastar essa demanda voraz, fazendo surgir outras questões, como, por exemplo, os possíveis efeitos do trabalho, para além de resultados demonstráveis, mensuráveis ou estatisticamente comprovados.


Abre-se a possibilidade de uma nova perspectiva, para além do que é quantificável, indo de encontro ao significado desse momento e, ainda, sobre a importância da oferta da palavra para o sujeito. “[...] desde os primórdios, a psicanálise recolhe seus efeitos exatamente por destituir a crença na solução universal, nos imperativos da tradição, no pensamento único, diluindo as identificações em massa e sustentando a vitalidade de um furo operante.” (BRISSET, 2013, p.12).


Uma frase marcante, trazida por um funcionário em um encontro comigo, marca um aspecto bastante interessante que aponta para um contraponto a essa voracidade. A equipe estava realizando uma atividade, quando um gerente chegou aos berros cobrando, perguntando por que ainda estavam lá, gritando que tudo já tinha que estar pronto e funcionando, e ele pôde dizer: “Calma! Aqui não é máquina não, é ser humano”.
Também pude construir outro momento de ofertar a palavra, a partir de uma conversa que tive com a diretora do RH. Ela me disse que estava pensando em fazer um treinamento que uma empresa de consultoria tinha proposto com as lideranças da empresa. Digo que talvez pudéssemos pensar em alguma proposta a ser construída, que tivesse mais a ver com a realidade da empresa. Ela considera essa possibilidade e começo também a realizar encontros que são nomeados como “Oficina de líderes”. As oficinas são momentos com as lideranças e têm temas que são coletados no dia-a-dia com os líderes da empresa.


Os trabalhos avançam e os funcionários começam a dizer, em diversas ocasiões, o quanto é importante para eles ter a oportunidade de sair um pouco da “rotina”, e ter um momento para pensar e refletir sobre questões importantes. Dizem que é uma experiência diferente e interessante, que eles podem se encontrar com pessoas de outras áreas e conversar, o que é muito rico, muito precioso, poder ter esse momento. Reitero que sim, que me parece fundamental ter um espaço onde a palavra de cada um tenha um lugar privilegiado, um momento onde cada um pode falar um pouco sobre sua experiência, sobre suas ideias, enfim, sobre seu saber, e que isso tenha um lugar distinto e uma escuta atenta.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, Fernanda Otoni. Psicanálise Aplicada e Direito. SANTOS, Tânia Coelho dos (org). Inovações no ensino e na pesquisa em psicanálise aplicada. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, pp.33-40.
BARROS, Romildo do Rêgo. Sem standard, mas não sem princípio. In: HARARI, Angelina; CARDENAS, Maria Hortensia; FRUGER, Flory (Org.). Os usos da psicanálise: primeiro encontro americano do campo freudiano. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2003.
KRUSZEL, Liliana. Esclarecer a função da psicanálise. In: HARARI, Angelina; CARDENAS, Maria Hortensia; FRUGER, Flory (Org.). Os usos da psicanálise: primeiro encontro americano do campo freudiano. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2003.
LACAN, Jaques. Ato de fundação. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
MILLER, Jacques Alain. Psicanálise Pura, Psicanálise Aplicada & Psicoterapia, Phoenix, n.3, publicação da Delegação Paraná da Escola Brasileira de Psicanálise, p.29.
SANTIAGO, Ana Lydia. Psicanálise aplicada ao campo da educação: intervenção na desinserção social na escola. In: SANTOS, Tânia Coelho dos (org). Inovações no ensino e na pesquisa em psicanálise aplicada. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, pp.33-40.

 

Texto produzido a partir das discussões do Cartel: “Possibilidades e impasses do trabalho nas instituições”, ainda em andamento.

 

NOTÍCIAS DOS CARTÉIS NA EBP

 

EBP-Minas Gerais

Diretora de Intercâmbio e Cartéis: Lúcia Grossi

 

Ressonâncias da Jornada de Cartéis

Resenha das XVII Jornada de Cartéis da Seção Minas

Kátia de Oliveira Mariás (Equipe de Cartéis EBP-MG)

 

Vinte trabalhos, produtos de Cartéis, animaram as XVII Jornadas de Cartéis da Seção Minas, durante todo o dia e noite adentro, do dia 31 de maio de 2014.


Com muita descontração e rigor, Bernardino Horne, como de costume, contribuiu, de forma muito viva, para que avançássemos em temas que não cessam de nos provocar na clínica: as psicoses, as drogas, o feminino, as instituições e as redes sociais! Em sua conferência de abertura, valeu-se do tema central na psicanálise, do encontro entre a carne e o significante e dos embaraços disso resultantes, para tecer comentários introdutórios às mesas que se seguiram.


Como vocês puderam ver na programação, Simone Souto, Elisa Alvarenga, Jésus Santiago, Cristina Drumond e Wellerson Alkimin, conduziram as 5 mesas com trabalhos de Cartéis já concluídos ou em andamento.
Simone Souto, comentando a mesa “Tratamentos do real: sintoma, fantasia e passagem ao ato”, aborda os quatro casos a partir de uma questão presente no trabalho de Laura Rubião: “como fazer um corpo sem a significação fálica?”, já que em todos os casos apresentados observa-se que os sintomas podem ser relacionados com a ausência do falo, não somente em sua vertente de significação, como aquilo que nos permite resolver o gozo pelo sentido, como também em sua vertente libidinal e material de sustenção do corpo e do sentimento de vida. A depressão, a vida arrastada, o tédio, a descrença, as dificuldades com relação ao sexo, à imagem corporal, ao laço social, são todos índices da ausência do falo como sustenção e medida para o gozo. No relato dos casos apresentados, cada sujeito tenta resolver essa questão por uma via que lhe é única.
Elisa Alvarenga, ao comentar a mesa “A repetição, a droga e seus múltiplos usos”, interroga os cartelizantes de forma contundente, nas sutilezas das intervenções em cada caso clínico por eles conduzidos e ali apresentados.
Jésus inicia suas intervenções citando duas frases de Miller, presentes em O sobrinho de Lacan,que ilustra bem o tema da mesa “A psicanálise aplicada: o analista e a instituição”.

 

1. “A psicanálise não vai durar muito tempo em suas formas antigas. Não se trata de cosmética. Há coisas que não voltarão mais. Podemos amá-las bem mais porque elas não mais voltarão. É a fragilidade das coisas terrestres que as torna tão atraentes. As rosas fenecem, as cores dos quadros esmaecem, os corpos se tornam flácidos ou enrijecem.” (p. 256).

 

2. “Há uma forma da psicanálise que permanecerá uma forma de consultório, uma forma privada. E há uma forma da psicanálise que passará pelas instituições. O exercício terapêutico da psicanálise tenderá a se concentrar na instituição, a formação se fará no consultório. Eu o suponho. Trata-se de uma hipótese.” (p. 259).

Estas citações traduzem a atualidade dos trabalhos apresentados, todos clínicos e que trazem os impasses da psicanálise aplicada, convidando às invenções frente ao real, uma vez que os cartelizantes trouxeram as experiências com conversações e com a psicanálise aplicada.


Cristina Drummond, comentando a mesa “Tratamentos do real: sintoma, fantasia e passagem ao ato”, destaca os “pontos teóricos difíceis de serem cernidos, nos casos apresentados, já que tocam um gozo opaco que não pode ser traduzido em palavras, mas que a clínica busca esclarecer”. Lembra, ainda, uma Noite do Passe em que houve a oportunidade de acompanhar a elaboração de vários AEs a respeito de suas relações com o falo no final da análise. Nessa ocasião, os AEs puderam transmitir-nos não só a versão da queda do falo como semblante, como a do falo como meio de verificação do buraco no real. Nessa mesa, Ângela Campelo tomou o Passe de Ana Lydia Santiago para tratar da relação da histérica com o falo e o desejo, e o tratamento analítico como o que permite ir além dessa solução.


Wellerson Alkmin coordenou a quinta e última mesa “Redes sociais e subjetividade”, na qual tivemos oportunidade de conversar sobre um tema bastante atual, que é a relação, cada vez mais massiva, dos sujeitos com as diversas redes sociais. Ao citar Mark Zuckerberg, o criador do Facebook, para o qual a função das redes sociais é fazer um “mundo mais aberto e conectado”, Ernesto Anzalone afirma que o sujeito contemporâneo parece gozar justamente dessa solidão acompanhada, presos em suas armadilhas de gozo, que permitem estabelecer vínculos e manter, ao mesmo tempo, sua solidão. Wellerson ainda destacou, no trabalho de Júlia Ramalho Pinto, o termo “privacidade”, onde não é a vertente disciplinar de controle que prevalece nas redes sociais, mas sim a docilidade e a sedução. As redes colocam em foco o efeito da visibilidade do indivíduo comum, que provoca um embaralhamento nas fronteiras entre vigilância e espetáculo, entre público e privado. Ou seja, enquanto expomos nossa intimidade nas redes sociais não criamos mais intimidade, mas ao contrário, construímos um público. A busca de popularidade transforma a necessidade de se expor a intimidade nessa liberdade de se espontaneamente alienar. Lilany Pacheco aborda a modalidade das relações estabelecidas pelos usuários nas redes sociais, através do uso de chats e mensagens internas, que dão vida a um funcionamento offline. Utilizando-se do texto de J.-A. Miller, “A salvação pelos dejetos”, Lilany conclui seu trabalho de Cartel com a seguinte pergunta: por ser uma modalidade de laço contemporâneo, onde o simbólico não é mais o que era, não seria pela vocação de dejeto que encontraríamos as afinidades entre discurso analítico e as redes sociais?


Concluímos, assim, com uma lua espetacular no céu de Belo Horizonte, nossas XVII Jornadas de Cartéis, com o sentimento de que a proposta de Lacan – que o Cartel seja o instrumento para fazer existir a Escola, produzindo efeitos de discurso, em sua modalidade de laço social e articulando a transferência ao trabalho da Escola – foi cumprida.

 

Notícias da Jornada de Cartéis da EBP-MG: rumo ao Evento-Cartéis

Inês Seabra Abreu Rocha

 

A Jornada de Cartéis da EBP-MG, ocorrida nos dias 30 e 31 de maio de 2014, em Belo Horizonte, coordenada pela Diretora de Cartéis da Seção Minas, Lúcia Grossi, contou com a participação do convidado Bernardino Horne. Apresento-lhes aqui um recorte deste acontecimento, em que privilegio a participação de Bernardino que, com sua Conferência e intervenções, pode transmitir alguns pontos cruciais da teoria e da prática psicanalítica os quais nos ajudam a trilhar mais alguns passos na formalização da temática proposta para o Evento-Cartéis: Os destinos do amor.


Freud nos diz que qualquer amor já é um pouquinho de saúde, Bernardino nos diz: “um pingo de amor”.

 

1. Da Conferência
A Jornada teve inicio com a Conferência de Bernardino Horne que marcou com sua fala as mesas de trabalho que se sucederam durante todo o dia. Bernardino nos colocou questões cruciais da construção lacaniana da psicanálise, como a existência de um ponto de gozo onde tropeça o falasser, algo ilegível, não articulável pelo significante, que se aproxima do gozo feminino como um modo de gozo sem um S1 que o suporte, onde esbarramos com o real inabordável.


Para Bernardino, no início teríamos somente a carne viva, até o encontro com o Outro e o vazio subsequente; depois algo entra enodando o sujeito em outro ponto de fixação. Bernardino nomeia este momento de “encarnação” quando, a partir daí, se instala a vida humana. Lembra o texto “Sutilezas e o real”, e nos diz que em sua leitura freudiana, a vida traz em si esta complexa tendência de volta à morte. Instaurada a relação do significante com o corpo, ocorrerá uma materialização quando o significante se faz corpo, o que o conferencista trabalhou como a “encarnação”.


Por outro lado, Bernardino nos lembra do gozo sem significante, o gozo da queda, do vazio, que se contrapõe ao outro gozo “positivado”. Assim, o gozo (a substância gozante) tem um caráter sempre efêmero. A “doença” do homem é querer transformar o efêmero em contínuo, uma repetição que pode gerar sofrimento para o sujeito, assim como no amor. O traumatismo, o momento efêmero da palavra tomando o corpo se eterniza e se repete. Portanto, os primeiros momentos de gozo sofrem uma “mutação”, palavra que Bernardino diz preferir à palavra “transformação”, uma vez que abordamos isto que não tem uma forma.


O gozo sofre uma mutação em análise, na construção da positividade do sintoma. As “mutações de gozo” visam descolar, desunir esta satisfação da pulsão de morte, ao transformá-lo em outros modos de gozo, que poderão ser enlaçados em um sinthoma.


A anterioridade do gozo ao significante é colocada por Bernardino também a partir da leitura do texto freudiano. Os caminhos pelos quais passará o gozo efêmero definirão os modos de gozo com o quais o sujeito escreverá o caminho de sua satisfação, onde o corpo será atravessado pelos “toques efêmeros de gozo”.
Bernardino nos lembra ainda que diante do que encontramos na clínica em nossos dias, onde o corpo é afetado pelo gozo de diversos modos, diante do irrepresentável, do inconsciente real, nos resta o legado de Freud no tratamento: o artifício da transferência, o “amor verdadeiro” e o desejo do analista que nos sustenta na abordagem do inabordável, o real, o que não se diz, não tem forma, nem nome, o real que condensa o fato puro do traumatismo. Bernardino nos diz que um “pingo de amor”, a transferência, será no que apostaremos para fazer girar o discurso e fazer valer a causa analítica.


2. Das mesas de trabalho
Nas mesas de trabalhos dos Cartéis várias questões foram discutidas. Vimos o Cartel operando como base da Escola, como propôs Lacan, levando adiante as questões crucias da formação do analista, onde retorna sempre a pergunta: “O que é um psicanalista?” A partir das elaborações realizadas dentro do Cartel, o produto próprio de cada um pode ser apresentado nesta Jornada.


Como nos trouxe Ana Viganó no seu texto: “Cartel: fenda e dobradiça”, publicado no Dobradiça de Cartéis, nº 11, Lacan propõe o Cartel como o instrumento para fazer existir sua Escola: “O cartel fica definido por seu uso – o de produzir efeitos de discurso, em sua modalidade de laço social e em seu tratamento do gozo ali circunscrito, articulando a transferência ao trabalho da Escola”. Um vídeo com uma entrevista de Ana Viganó foi também trazido e comentado por Wellerson Alkimin e os colegas.


Durante a apresentação dos trabalhos, Bernardino Horne nos brindou com importantes comentários. Acerca da toxicomania e dos novos sintomas, nos lembra que a tendência do Nó de Borromeo é desunir, desatar. Por isso, a necessidade da invenção das amarrações, do sinthoma. Como o analista poderia intervir para a produção de uma mutação de gozo no sujeito? “Um pouco de amor”, nos lembra Bernardino, uma aposta na transferência, na produção de novos pontos de amarração para o sujeito.


Em alguns casos apresentados nesta Jornada vimos como um trabalho sobre o gozo teve que ser realizado. Os excessos de gozo, muitas vezes ordenados por um supereugozador, um gozo excedente que muitas vezes não se submete às normas fálicas, terão de sofrer a “mutação”, operação sobre o gozo que se realiza a partir do desejo do analista.


Portanto caberá ao analista, segundo Bernardino, transitar entre os gozos: o gozo fálico, o gozo feminino, o gozo impossível de ser traduzido em palavras.


Laura Rubião nos apresenta um caso onde o sujeito nos mostra como fazer um corpo sem que a função fálica opere, onde ele constrói uma “armadura” para lidar com o laço social.


Simone Souto, em seu comentário, nos relembra da dificuldade de se fazer um corpo sem a significação fálica como operadora para o sujeito. Pontua o fato de encontrarmos na “depressão” ou mesmo nos fenômenos de desintegração do corpo, os índices da ausência do Falo como sustentação e medida para o gozo. Simone nos diz ainda da necessidade de distinguirmos se trata-se de uma invenção ou de uma defesa, modos diversos de amarração do sujeito, de saídas ou soluções aos impasses.


No caso trazido por Helenice Saldanha, o paciente constrói um corpo que o auxilia no laço social, e vimos como a presença do analista foi fundamental para sua construção.


Bernardino nos lembra da importância do encontro com um analista, da função de endereçamento que a presença do analista suporta, auxiliando na “invenção do sujeito”. Por sua vez, Elisa Alvarenga nos diz que há no Cartel um esforço de formalização da clínica, esforço que ali testemunharam os trabalhos apresentados. Comentando sobre o tema das toxicomanias, a partir do livro Toxicomanias com Lacan, Elisa nos diz que a leitura de Lacan aponta para o aforismo “todos adictos”, a cada um seu objeto, seu modo próprio de gozo. Também nas toxicomanias encontramos a ruptura com o falo, uma defesa contra a perda, contra a castração. Algo da singularidade terá que ser resgatada, o desejo do analista será o operador central desta clínica.
Nas discussões posteriores acerca da Psicanálise nas Instituições, a questão do resgate da singularidade é também central, bem como a discussão sobre a transferência e o lugar do analista na instituição. Jésus Santiago comenta os trabalhos apresentados e pergunta se seria insuficiente afirmar que numa instituição será preciso antes a presença do psicanalista que da psicanálise, será necessária a presença do psicanalista na Instituição, do discurso analítico. Resgata que o termo “invenção” foi trazido por Laurent para ser também aplicado à prática analítica nas instituições: “Inventar é, neste sentido, operar a partir das brechas e também permitir-se (o analista) ocupar um lugar do não saber.” Segundo Jésus: “Portanto, a resposta do analista tem relação com o valor subversivo do discurso analítico frente ao mestre que se faz presente na instituição.” Os trabalhos nos interrogam sobre o fazer do psicanalista nas instituições, suas possibilidades, sua ética. Jésus pergunta ainda sobre o que pode o analista diante das identificações imaginárias que se constituem dentro dos grupos constituídos nas instituições, indaga se necessitaríamos de fazer uso de algum dispositivo, como o da Conversação trazida por Margarete Miranda. Margarete nos apresenta sua experiência com a Conversação em instituições escolares e Jésus nos fala da Conversação como um dispositivo que poderia se apresentar como o avesso do grupo, instituindo um modo de funcionamento que desfaça as identificações imaginárias. Segundo Jésus devemos privilegiar a via que supõe levar em conta a presença do objeto como resto, como dejeto, que viria a “favorecer a dissolução do que é matéria fértil no ambiente grupal: a identificação imaginária. É poder operar com o que ali insiste em não se inscrever, que como resto cai, mas que como peças avulsas pode ser relançado, em busca de novas invenções.”


Assim, a partir da operação do desejo do analista, podemos dar lugar ao sujeito. Como nos trouxe Marina Simões em seu trabalho, será necessária a oferta da palavra, pois o que se privilegia da demanda não é somente o objeto, mas o signo de amor que ela representa.


Por outro lado, a clínica psicanalítica nos lança ao cerne da aventura humana do falasser, que como nos trouxe Cristina Drummond em seu comentário, toca o gozo opaco que não pode ser traduzido em palavras e que parece buscar lugar no tratamento psicanalítico. Os trabalhos apresentados apontam para a questão do gozo feminino, e discutem a possibilidade ou não do falo operar como um semblante ou somente como um meio de verificação do buraco do real. Como nos trouxe Cristina, em cada caso apresentado aprendemos a forma particular do sujeito tratar o real do gozo. Em alguns casos nos deparamos com as dificuldades do sujeito em fazer operar algo que funcione na ordem de uma separação, o que faz o sujeito fazer um uso próprio do objeto e de ter um modo próprio de habitar a palavra.


Como nos trouxe o trabalho de Jeanine Narciso, o declínio da função paterna em nossos dias, diante da oferta dos objetos, deixa o sujeito mais embaraçado para lidar com o gozo. Cristina nos diz: “Assim, sem contar com os ideais e sem a ajuda de uma presença que encarne a função paterna e ofereça um tratamento do desejo de modo não anônimo, os sujeitos contemporâneos se vêm muitas vezes mais devastados pela pulsão de morte”.
Bernardino Horne outra vez nos lembra do “pingo de amor”, da possibilidade da transferência diante da reminiscência que se apresenta muitas vezes como obstáculo. Diante dos restos da sexualidade que retornam como repetição, como furo, a contingência do encontro com o analista deverá se colocar. Frente à emergência do real sem lei, uma amarração qualquer, uma “mutação do gozo” deverá ser feita. Pelo viés da transferência, fazer o paciente falar, proporcionando uma mudança na forma de gozo. Bernardino propõe o amor como a mola propulsora da passagem do gozo ao desejo. O “pingo do amor” colocado na transferência, a partir da magia do analista: fazer falar.

 

AGENDA DOS CARTÉIS NA EBP

 

EBP-RIO

Diretora de Intercâmbio e Cartéis: Elza de Freitas

 

Jornada de Cartéis da EBP-RJ

Local: sede da EBP-RJ
Data: 23 de agosto
Horário: das 9h às 17h
Convidada: Marcela Antelo.
Os trabalhos serão recebidos até 20 de julho por: Doris Rangel Diogo: dorisdiogo@gmail.com, Angela Negreiros: aneg@uol.com.br e Elza Freitas: elzamlf@gmail.com
Formatação: Até 4500 caracteres, Times New Roman, 11.
A entrega de trabalhos fica condicionada ao pagamento da inscrição. Os primeiros 18 trabalhos irão participar.
Inscrições: Até 10 de julho - R$ 50,00.
Até 30 de julho -R$ 60,00.
A partir de 01de agosto R$ 70,00.

 

EBP-PERNAMBUCO

Diretora de Intercâmbio e Cartéis: Eliane Batista

 

Encontros de Cartéis sobre o amor

Local: sede da EBP-PE
Data: 5 de agosto
Horário: às 19h30
Apresentação: José Carlos Lapenda sobre “O amor atravessado pela pulsão de morte”

 

DELEGAÇÃO ESPÍRITO SANTO

Responsável pelos Cartéis: Tânia Martins

 

Jornada de Cartéis da Delegação Espírito Santo

Local: sede da Delegação ES
Data: 30 de agosto
Horário: das 9h às 12h
Convidado: Gustavo Stiglitz.

 

DELEGAÇÃO RIO GRANDE DO NORTE

Responsável pelos Cartéis: Ana Aparecida Rocha

 

Jornada de Cartéis da Delegação Rio Grande do Norte

Local: sede da Delegação RN
Data: 23 de agosto
Horário: das 8h30 às 11h30
Convidado: Carlos Augusto Nicéas

 

 


COMISSÃO EDITORIAL

Comissão Nacional dos Cartéis da EBP: Paola Salinas (Coordenadora), Inês Seabra, Cristiana Gallo, Cristiane Barreto e Maria Josefina Fuentes (Diretora Secretária da EBP)
Logomarca: Luiz Felipe Monteiro sobre obra de Escher

 

Dobradiça de Cartéis