Dobradiça de Cartéis

Maio de 2014

DOBRADIÇA DE CARTÉIS Nº 10

Boletim eletrônico dos cartéis da EBP

 

Dobradiça de Cartéis

 

 

Editorial

O Cartel e a difusão da psicanálise no mundo
Cristiane Barreto

 

O Dobradiça de Cartéis, neste seu número 10, traz anúncios de novas aberturas, propaga o tempo de inícios.
Miquel Bassols, novo presidente da AMP, em seu discurso de posse, enfatiza que os Cartéis e sua função de trabalho de base em cada Escola mereceriam um capítulo à parte. Dito isto, destaca que os mesmos devem ser, além da porta de entrada, um modo permanente de presentificar a função do Um, “da Escola Una e o trabalho dos seus membros”. É o texto que abre este Boletim, escrito por Elza Freitas, Diretora de Cartéis da EBP-RJ, que recolhe dessa afirmação certa alegria. Essa orientação vem de encontro ao que se sustenta em relação à Escola e ao Cartel.


Em “A singularidade como princípio”, duas perguntas chaves traçam a direção daquilo que o texto de Elza Freitas responde com elegância. Da primeira destas, um recorte cabe aqui, como eixo deste Dobradiça: “Como sustentar as diferenças e, ao mesmo tempo, verificar um a um a direção de cada sujeito que se enlaça em torno de uma doutrina e de uma prática que lhe é consequente [...]?” As considerações a respeito dos Cartéis, da garantia, da supervisão, culminam na afirmação de que, frente a todos os legados que nos foram entregues por Lacan, o da singularidade do sujeito é o mais fecundo e precioso. Assim, mais um discurso de posse tem seu lastro acentuado, desta vez, o de Luiz Fernando Carrijo da Cunha, Presidente da EBP: “A Escola é feita com o “tecido” do ‘um por um’ cuja trama constitui, no Outro Social, uma psicanálise que interroga, incessantemente a ela mesma”. Inícios, portanto, que apontam princípios claros.


Na Escrita cartelizante, dois produtos. O primeiro, de Maria de Fátima Santos Luzia, trabalho apresentado na Noite de Cartéis da EBP-SP, sobre O Cartel e a formação do analista. Este escrito demonstra por si que, em Cartel, o escrito é escritura, por testemunhar a vivacidade, o efeito contínuo de formação, a possibilidade de enlace com o desejo do analista. Bion – sua biografia e, sobretudo, sua experiência com “A psiquiatria inglesa e a guerra” que, para Lacan, possibilita “a impressão de milagre dos primeiros avanços freudianos: encontrar no próprio impasse de uma situação a força viva da intervenção” – é matéria de reflexão para pensar o Cartel com a estrutura do “pequeno grupo”, remontado àquela experiência na qual a construção de laços sociais não se fundaria via identificação. 


De Santa Catarina nos chega o texto “A psicanálise e o dispositivo da diferença sexual”, no qual Jussara Jovita Souza da Rosa se interessa em saber “qual papel pode sustentar a psicanálise no que Lacan chamava de a direção da subjetividade moderna”, conforme preconiza Miller. Esse trabalho, ela nos esclarece, resulta de discussões em um Cartel que vem se constituindo, orientado pelo tema da sexualidade e políticas públicas.
Maria Josefina Fuentes, Diretora de Cartéis da EBP, traz notícias do mundo de lá, da Paris do IX Congresso da Associação Mundial de Psicanálise que, ao se colocar a trabalho entorno do tema Um real para o século XXI, encontrou espaço para que os responsáveis pelos Cartéis das Escolas da AMP se reunissem promovendo um intercâmbio de experiências. Mais do que constatar, com Frank Rollier, que “o Cartel continua sendo um dispositivo subversivo em relação ao saber  universitário  e  um  modo  original  de  laço  social inventado por Lacan, que pode interessar aos que trabalham na psicanálise, mas também àqueles que estão em outras áreas do conhecimento”, lança-se a questão de como podemos nos servir do dispositivo do Cartel para contribuir com a difusão  da  psicanálise  no mundo.


Por fim, neste número do Dobradiça de Cartéis, notícias de outros inícios: a EBP-PE incentiva a formação de Cartéis sobre o amor, motivada para a próxima Jornada Anual da Seção Pernambuco e Encontro Nacional da EBP, onde teremos um espaço para tratar do amor e de um lugar para o Cartel. Amor pelo Cartel? Destinos do amor.


Na trilha das informações de atividades, Noites e Manhãs de Cartéis na Delegação Espírito Santo, na Seção Santa Catarina, na Seção São Paulo, e o convite da Seção Minas Gerais para a sua Jornada de Cartéis. Confiram! Participar é uma direção que relança sempre ao vigor do início, e à imprescindível condição da formação permanente. Seguir não é sem alegrias! “[...]que alegria encontramos nós naquilo que constitui nosso trabalho?”

 

Lacan, Jacques. “A psiquiatria inglesa e a guerra”. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, pág. 113.

Lacan, Jacques. “Alocução sobre as psicoses da criança”. In Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2003, pág. 367.

 

A singularidade como princípio

Elza Marques Lisboa de Freitas

Diretora de Intercâmbio e Cartéis da EBP-RJ

 

Capítulo aparte merecerían los carteles y su función de trabajo de base en cada Escuela. Sólo diré aquí que los carteles y su promoción deben ser tanto la puerta de entrada a las Escuelas como un modo permanente de hacer presente la función del Uno, de la Escuela Una en el trabajo de sus miembros.


Miquel Bassols

Presidente da AMP em sua fala de posse, Paris, abril de 2014.

 

Começo minhas reflexões com o discurso de posse de Miquel Bassols que, para minha alegria, veio no sentido em que temos procurado pensar a Escola e o Cartel.


Como sustentar as diferenças e, ao mesmo tempo, verificar um a um a direção de cada sujeito que se enlaça em torno de uma doutrina e de uma prática que lhe é consequente, assim como os diversos momentos singulares que nos constituem?
Com uma política da enunciação, que sempre é nova mas tão antiga quanto Jó e marca nossas origens, vamos retomando seus vários aspectos, como, por exemplo, o passe. Desde a fundação, numa produção trazida à luz do dia e com a escuta dos colegas, nas conclusões de percurso no Instituto, na vitalização do giro dos Cartéis e, agora, como retomada do crivo pelo qual conhecemos nossos colegas assim como nós mesmos a trabalho, a Escola sublinha uma política de enunciação e a põe ao trabalho, sob o modo da supervisão.


Essa iniciativa, que nos ajuda a conhecer mais e mais nossos pares, me levou a algumas reflexões. No passe o sujeito fala de si, da análise que atravessou e o atravessou para um mensageiro, o passador, que levará por sua enunciação o enunciado de um sujeito outro a um corpo institucional para uma escuta, ao mesmo tempo, singular e coletiva. Aquele que se aventurou ao pedido de tal passagem aguardará um sinal que virá explícito sob o reconhecimento ou não de sua aplicação frente a um Cartel, o Cartel do passe. Sendo Cartel tem, no entanto, suas especificidades.


Na supervisão o supervisionando por sua enunciação levará ao supervisor o relato da fala de outro sujeito que não de si próprio, assim como sua própria enunciação, ato, ou interpretação, e isso será levado pela palavra pronunciada por outro sujeito, em seu consultório, num momento anterior ao da supervisão.
Para a Escola, enquanto corpo coletivo de transmissão e saber, trata-se de mais um modo de conhecer, um a um, os sujeitos que a compõem. Ponto de verificação, como o são vários outros dispositivos e, mais essencialmente, dois deles, os Cartéis, com seus Mais-Uns atentos às singularidades, e o passe, máxima configuração dessa mesma singularidade. E tudo ajuda e concorre para que se sustente o corpo de saber e de prática da psicanálise nessa Escola, que é a nossa.


Nesse sentido, a supervisão, obviamente conduzida por um psicanalista, entra na contramão da padronização da prática analítica que, pior ainda do que a padronização acadêmica, vocabular, de relatos formais, seria excludente dos próprios princípios que levaram Lacan a criar sua Escola.


Isso não significa que abriremos mão do que puder ser lastro para nossas garantias como Escola. Como sujeitos, garantia não há. Isso significa apenas que trabalharemos mais, e que tudo é mais difícil, pois o tempo todo cada um de nós será responsável, em primeiro lugar, por si como sujeito; em segundo lugar, para com a escuta face ao sujeito que nos fala de sua prática; e, ainda tendo presente que sua escuta será também responsável face ao sujeito que a ele se dirige em seu pedido de análise. Além disso, mais do que tudo, que cada um de nós suportará uma responsabilidade frente à própria psicanálise.


Temos então enfoques que a instituição oferece em momentos diversos ou simultâneos. Debruçamo-nos sobre a clínica do gozo, empenhamo-nos na escuta institucional da enunciação. Conhecemos, desse modo, um pouco mais os colegas e o momento em que cada um se situa.

 

Claro que há sempre o perigo de passarmos como pássaros em revoada de uma ilha chamada palavra de ordem, para outra ilha com o mesmo nome, onde num quase modismo ou cacoete pensaremos salvar “nossa” psicanálise, quando, na verdade, estaremos pateticamente tentando salvar a nossa pele. Bobagem, pois nossa pele está no fogo desde que Freud assim nos criou, psicanalistas.


Tenho trabalhado muito sobre o tema do Cartel, por condição óbvia, pois estou na Diretoria de Cartéis no Rio. Tenho buscado saber qual seria a condição mínima, o mínimo denominador comum que permita pensar que uma tal prática seja a prática de um Cartel. Essa abrangência minimal permite que o Cartel, sem deixar de o ser, absorva modos novos de funcionamento que venham dar conta das modificações que o tempo traz, sobre a Escola e sobre cada um de nós particularmente. Creio firmemente que, para a psicanálise e para a clínica nela implicada, no que diz respeito à transmissão e às garantias, nossa Escola precisa se sustentar enquanto organismo de fundamentos que sejam comum a todos.


Mais da metade dos meus anos de vida se passou dentro de um consultório. Muita água rolou sob a ponte da psicanálise desde que comecei. Naveguei em várias. Essa clínica que se sustenta e me sustenta firmou-se num eixo mínimo vertical, o da transferência. Organizou-se transversalmente em outro eixo, a psicanálise em sua raiz teórica e de conhecimento que, necessariamente, implica um outro a quem respondo e a quem me dirijo. Esse eixo final encontrei em Lacan.


Penso com satisfação na prática da supervisão como uma possibilidade então de salvaguardar a singularidade e o estilo de cada um que chegue a mais essa referência oferecida pela Escola. Jamais como espaço de padronização. De todos os princípios que nos foram entregues por Lacan esse, o da singularidade do sujeito, é o mais precioso e o mais fecundo. Todos os nossos dispositivos na Escola só se diferenciam dos das outras Escolas por serem calcados a cada instante nos conceitos sobre os quais Lacan fundou essa Escola. Não calçados sobre preceitos, mas sim sobre conceitos.


Por isso, nossas instancias diretivas não são apenas funcionais e administrativas. Mesmo o funcionamento mais concreto, como o de tesouraria, por exemplo, pode e deve ser lido à luz dos conceitos, como me lembrou Marcela Antelo em almoço das diretorias de Cartel recentemente em São Paulo. Fundamo-nos sobre a absoluta diferença do sujeito da qual nenhum padrão e nenhum standard darão conta. Mesmo que compareça revestida pelo que de comum favorece nossas trocas e quando, para que haja troca, ela tenha que ser posta em suspenso por instantes e que por momentos fique elidida, nem por isso essa diferença deixa de ser estrutural.


Luis Fernando Carrijo da Cunha, em seu discurso de posse da Presidência da EBP, nos fala assim: “A Escola é feita com o ‘tecido’ do ‘um por um’ cuja trama constitui, no Outro Social, uma psicanálise que interroga, incessantemente, a ela mesma”.


Só assim as mudanças na rosa dos ventos acompanharão a originalidade de nosso navegar. Que tanto possamos ir quanto voltar manejando nosso leme particular para atravessar o sabor dos ventos que a rapidez do novo de hoje sopra noite e dia.


E que Paulinho da Viola nos guie: “Tá legal, eu aceito o argumento, mas não me altere o samba tanto assim... olha que a rapaziada está sentindo falta – precisamos pelo menos, para sempre –, do cavaco, de um pandeiro ou de um tamborim”.

 

Escrita cartelizante

Trabalhos apresentados nas Jornadas e Noites de Cartéis

 

Noite de Cartéis da EBP-SP

O Cartel e a formação do analista

Maria de Fátima Santos Luzia

 

Viganó ressalta a importância do Cartel na formação do analista e que esta é fundamental, sendo o Cartel a forma mesma da Escola, enfim, o que a constitui e possibilita a passagem da transferência analítica à transferência de trabalho. Assim, a Escola é o lugar dessa passagem, como a entende Lacan. Portanto, transferência de trabalho é uma transferência sem Sujeito Suposto Saber, uma transferência após a destituição deste, dando lugar a um desejo de saber.

 

Pensando nisto, Lacan utilizou a idéia de Bion de um grupo, de um lugar de trabalho sem líder. Essa era a expressão de Bion: um grupo sem líder, logo, sem alguém que pudesse ser suposto saber, suposto poder. Lacan o chama de o Mais-Um. O Cartel é o lugar de uma formação contínua, que se centra sobre a produção do sujeito, do seu desejo de saber, que Lacan nomeia como um escrito, mas diferente do escrito universitário. O escrito não sendo uma simples produção teórica. Um escrito como escritura é o que se produz em Cartel, é um texto que testemunha a vivacidade, le gay savoir, característica da posição do desejo do analista. Para Lacan, a produção no Cartel é o testemunho de um efeito de formação, e a Escola é composta pelo conjunto desses aspectos de formação que se produzem no Cartel.

 

Ler a biografia de Bion fez surgir uma questão sobre a sua própria invenção do trabalho de grupo, e como essa invenção está presente em cada um em sua produção própria no Cartel de Lacan.

 

Wilfred Ruprech Bion nasceu em 8 de setembro de 1897 na Inglaterra e faleceu aos 82 anos. Uma velha babá deixa uma marca indelével em Bion. As lembranças desta, sobre a qual escreve aos oitenta anos de idade, são associadas à introdução do menino num universo religioso marcado pelo temor.

 

Sem os pais, deixa sua terra natal, a Índia, à qual nunca voltará, aos oito anos de idade, para estudar num colégio interno público da Inglaterra. Tem uma educação severa e ingressa aos dezessete anos na Primeira Guerra Mundial, iniciando como soldado e terminando como capitão.

 

Bion encontrou dificuldades em se adaptar, pois sentia aguda solidão e declarou, quando adulto, que amargas impressões ficaram-lhe impressas em função do rígido e repressor sistema escolar e, mais tarde, da própria guerra da qual participou. Ele encontrou, nas experiências com grupos, o mesmo desafio que se coloca para quem se encontra em situações de extrema tensão. A mentalidade do grupo se constitui, segundo ele, pela contribuição individual de cada membro.

 

Alguém que teve em sua vida marcas de uma rígida disciplina fez das mesmas a possibilidade de uma invenção: poder destituir o lugar disciplinar, ou seja, do líder, para nele colocar o desejo de cada sujeito na implicação do trabalho nos pequenos grupos. A idéia destes pequenos grupos parece se iniciar pela própria posição subjetiva de Bion.

 

Lacan, em seu texto “A psiquiatria inglesa e a guerra”, relata suas impressões em relação ao trabalho de Bion, publicado em 1943 pelo Jornal Cientifico The Lancet, “Tensões internas ao grupo na terapêutica”, e também de sua visita, em 1945, ao Hospital Militar onde Bion trabalhava.

 

Lacan reencontra neste trabalho a forte impressão dos primeiros avanços freudianos, a de encontrar no próprio impasse a possibilidade viva da intervenção. Ele faz citações do texto de Bion, como a questão da possibilidade de submeter esses homens a uma disciplina e, portanto, aos benefícios terapêuticos que ela poderia trazer, e se era pela mesma que eles se encontravam reunidos ali.

 

Num teatro de guerra, o que é necessário para transformar numa tropa em marcha o agregado de irredutíveis a que chamamos uma companhia disciplinar? Dois elementos: a presença do inimigo, que consolida o grupo diante de uma ameaça comum, e um líder em quem sua experiência com os homens permita fixar com precisão a margem a ser dada às fraquezas deles, e que possa lhes manter os limites com sua autoridade, isto é, pelo fato de cada um saber que, uma vez assumida uma responsabilidade, ele não amarela.1

 

Estes elementos citados por Lacan fazem parte do trabalho de elaboração de Bion.

 

Lacan coloca Bion como um líder deste tipo, para quem o respeito pelo homem “é a consciência de si mesmo”, sendo ele capaz de sustentar diante de qualquer um esta posição. O perigo comum seria a resistência que esses homens tinham com relação à cura.

 

Bion tinha meios de agir sobre o grupo já que, como líder, destituído de poder fazia parte do mesmo. Mas era nisso que o grupo tinha mais dificuldades. Portanto, sua posição deveria ser a de “inércia fingida do psicanalista”, tendo como único controle o de manter o grupo ao alcance de seu próprio discurso.

 

O trabalho se baseava na formação de certo numero de grupos, onde cada um definia seu objeto de ocupação, sendo este entregue totalmente a iniciativa dos homens. A cada um era dada a livre escolha de participação e a possibilidade de retirar-se a qualquer momento.

 

Viganó aponta que a estrutura do Cartel seria definida como “pequeno grupo” – expressão de Bion, como também de Lacan. Basta ler em “A psiquiatria inglesa e a guerra” o entusiasmo que se apresenta em sua redação.

 

O pequeno grupo seria o que Lacan procurava para reformar a Escola contra os efeitos de massa, efeito de identificação que estruturava a IPA (International Psychoanalysis Association). Assim, Lacan vê o pequeno grupo como a possibilidade de um laço social que não se funda com a identificação. Bion pensou os pequenos grupos exatamente pela possibilidade que eles teriam de se oporem à identificação.

 

Lacan pensa o pequeno grupo pela via da não-identificação, não tanto pela dimensão de grandeza, mas de uma lógica, lógica de laço social não-identificatório, não ligado ao discurso do mestre e sim a outro discurso, o do psicanalista. Entende por “pequeno” o número mínimo para que seja possível o discurso do psicanalista, para o qual é preciso pelo menos quatro elementos localizados em quatro posições. Quatro é a função lógica do número mínimo para que haja sujeito ligado a um discurso que não seja o da identificação. Com relação ao número quatro, Lacan chama de Mais-Um o “sem líder” de Bion, sendo este a garantia de que os quatro não façam Um, que não obedeçam à lógica da identificação. O Mais-Um é uma posição de exceção que permite aos quatro elementos que se coloquem cada qual em sua posição subjetiva, implicando-se ao objetivo do trabalho, representado pelo Mais-Um, que não é um Sujeito Suposto Saber.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BION, W.R. “Intra-Group Tensions in Therapy. Their Study as the Task of the Group”. In The Lancet. Revista CientÍfica, 1943.
DELOYA, D. Bion: uma obra às voltas com a guerra. Publicado na internet.
LACAN, J. “A psiquiatria inglesa e a guerra. In Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
VIGANÓ, C. “Sobre o Cartel”. In Manual de Cartéis. Belo Horizonte: Scriptum.

 

1 Lacan, Jacques. “A psiquiatria inglesa e a guerra”. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, pág. 113.

 

Jornada da EBP-SC

A psicanálise e o dispositivo da diferença sexual1

Jussara Jovita Souza da Rosa

 

[...] segue interessando saber que papel pode sustentar a psicanálise no que Lacan chamava de a direção da subjetividade moderna.
Jacques-Alain Miller

Este trabalho é também resultado das discussões e produções que circularam em um Cartel ainda em processo de constituição, orientado pelo tema Sexualidades e políticas públicas2.
Para as mulheres, ainda que não para todas, por questões históricas o feminismo vai ocupar um lugar em seus discursos. No trilho das lutas feministas, vemos a luta de outras minorias sexuais pelo direito à diversidade sexual.

 

Mas entre esses movimentos sociais e a psicanálise, entretanto, parece haver um muro. Marie-Hélène Brousse, em sua Conferência proferida no Simpósio de Miami, assinala o seguinte:
 [...] eu suponho a meus interlocutores americanos um saber sobre o feminino que me é desconhecido. [...] e talvez porque eu não fale a mesma língua teórica que elas. A língua freudo-lacaniana não é a língua dos Gender Studies, nem dos Cultural Studies. Contudo, é inegável que o real ao qual nós nos confrontamos mais cedo é o mesmo.3

E prossegue discorrendo acerca de seus impasses:

Eu hesitei muito tempo, dividida [...]
[...] havia um resto sintomático que exigia o recurso à experiência analítica, uma vez mais, ainda. [...] Esse resto, de onde ele surgia? Da associação de dois termos: meu feminismo e minha relação à causa analítica; entre os dois, um lugar vazio surgia que exigia um saber.4

E Judith Butler, em uma entrevista concedida a Patrícia Knudsen, ao ser perguntada sobre sua interlocução com a psicanálise, responde:


Para mim é uma teoria importante, uma prática muito importante [...]. Mas sinto também que ela precisa ser posta em contato com a teoria cultural e a política cultural, de um modo mais geral. Então eu me vejo arranjando um encontro ou alguma espécie de reunião entre psicanálise e movimentos sociais mais amplos [...]. Preocupa-me o fato de que tantas pessoas nesses movimentos resistam à psicanálise, que julguem que a psicanálise não é mais do que regulação social normalização. E por outro lado os psicanalistas resistem de verdade a isso [...]. Acho que esse não é um antagonismo necessário, porque [...]5

        

Brousse, em sua Conferência, se designa feminista:


O que eu reivindicava, e que ainda reivindico é a universalidade. [...] O feminismo que eu exercia, sem fazer dele um ativismo militante, era portanto igualitário e jurídico.
Ele se opunha à qualquer segregação que se apoiasse em no sexo biológico ou sociológico, à qualquer segregação que viesse do discurso. Isso dá um resultado divertido se acrescentamos que minha escolha de objeto era decidamente masculina: identidade feminista, quer dizer, masculina no sentido da lógica da sexuação e escolha de objeto masculino: portanto eu era ‘gay’ e não lébisca.6

 

Estes dois relatos dão conta da existência de um encontro impossível, que nos remete ao aforismo lacaniano de que a relação sexual não existe, há algo aí que não se escreve. Estamos diante da diferença sexual.

 

No Seminário 20, Lacan desenvolve as fórmulas da sexuação e divide a subjetividade em lado macho e lado fêmea, mas não a partir de um determinismo do biológico. É importante lembrar, entretanto, o que ele desenvolveu no Seminário 10, onde o corpo do ser falante é considerado em sua anatomia e em seu aspecto vivo, ou seja, naquilo que ele pode ser afetado pelo significante.

 

E Miller, decifrando este Seminário, ressalta que:


[...] a problemática fálica não é de forma alguma nativa para a mulher; ela só a captura via homem porque o falo órgão e seu desaparecimento têm um papel essencial na copulação do macho.7

 

Já em seu curso Los divinos detalles, Miller escreve que o matema do sujeito barrado define o sujeito como indeterminado, e que assim como podemos nos questionar como esse sujeito se insere em uma estrutura clínica, o mesmo devemos fazer em relação ao sexo.

 

Neste nível, o mais radical – o de saber como o sujeito indeterminado se faz de um sexo ou de outro –, Lacan introduz o termo sexuação, que deve diferenciar-se do da sexualidade. A sexuação quer dizer a eleição do sexo é também o que coloca Freud mediante a eleição de objeto. 8

Os movimentos sociais, das lutas feministas e das lutas pela diversidade sexual, denunciam e fazem um furo no ideário presente no pensamento ocidental acerca do que seja ser homem ou mulher, e também no discurso da psicanálise no que se refere ao dispositivo da diferença sexual.


Musachi destaca que o movimento GLTTBI – gays, lésbicas, transgêneros, transexuais, bissexuais e intersexo – tem como um de seus slogans o “todas e todos”. E que para o movimento queer “[...] não há diferença sexual senão uma multitude de diferenças” 9. A autora assinala que, na era da ciência, é impossível pensar na consolidação das identificações, pois o seu discurso corrói os significantes mestres e produz no nível das identificações, paixões mais intensas.


Mas a diferença sexual é real e está colocada para o sujeito. E quando ele elege a forma de viver a pulsão, sua forma de gozo do falo – todo ou não-todo –, ele deve pagar um preço. E como aconselhou Lacan, deve se resolver como puder.

 

Mônica Torres (2012, p. 11) destaca que:
[...] não há maneira de fazer coincidir o objeto de desejo, com objeto de amor e com o objeto de gozo. Nem a família, nem o matrimônio conseguem cobrir esse irredutível, esse vazio que se instala ante a impossibilidade de recobrir esses três campos. 10

 

Irredutível que também vamos encontrar nos movimentos sociais. Para pensar o sexual na subjetividade moderna, finalizo recorrendo mais uma vez as palavras de Musachi: “Nem liberdade absoluta nem determinismo! Sintoma! Quer dizer, política da psicanálise”11 . 12


1 Trabalho apresentado na VIII Jornada da EBP-SC, “... e afinal, o corpo fala”, nos dias 11 e 12/10/2013, Florianópolis-SC.

2 O Cartel trabalhou ativamente durante os dois semestres do ano de 2013 e dissolveu-se em dezembro, a partir da saída de dois integrantes.

3 Publicado em “A diretoria na rede”: http://www.ebp.org.br/dr/destaques/ecos_de_miami004.asp.

4 Ibidem.

5 Knudsen, Patrícia Porchat Pereira da Silva. Conversando sobre psicanálise: entrevista com Judith Butler. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2010000100009&script=sci_arttext
Acesso: em 02/09/13

6 Ibidem.

7 Miller, Jacques-Alain. “Introdução à leitura do Seminário da angústia de Jacques Lacan”. In Opção lacaniana, n. 43. São Paulo: Ed. Eólia, mai/ 2005, pp. 7-81.

8 Miller, Jacques-Alain. Los divinos detalles. Los cursos psicoanalíticos de J.-A. Buenos Aires: Paidós, 2011, pág. 59.

9 Musachi, Graciela. “GLTTBI”. In Uniones del mismo sexo. Diferencia, invención y sexuación. (Torres, Mônica et all.). Buenos Aires: Grama Ediciones, 2010, pág. 53.

10 Torres, Mônica. Amor deseo y gozo: cada uno encuentra su solución. Buenos Aires: Grama ediciones, 2012, pág. 11.

11Torres, M., op. cit, pág. 58.

 

Notícias dos Cartéis na EBP

DIRETORIA DE CARTÉIS DA EBP

Reunião com os responsáveis pelos Cartéis das Escolas na AMP

Maria Josefina Sota Fuentes

Diretora Secretária da EBP

 

No dia 17 de abril, os responsáveis pelos Cartéis das Escolas da AMP se reuniram em Paris, a convite de Frank Rollier, o responsável pelos Cartéis na ECF, a fim de promover um intercâmbio de experiências e informações.

 

Constatamos, com Frank Rollier, que o Cartel continua sendo um dispositivo subversivo em relação ao saber universitário e um modo original de laço social inventado por Lacan, que pode interessar aos que trabalham na psicanálise, mas também àqueles que estão em outras áreas do conhecimento.

 

Frank Rollier lançou a questão de como podemos nos servir do dispositivo do Cartel para contribuir com a difusão da psicanálise no mundo, para além da nossa comunidade, sobretudo para um público jovem como os estudantes.

 

As diversas experiências de Cartéis em distintos locais da AMP que foram compartilhadas – tal como a oferta de Cartéis nas instituições de ensino; os Cartéis virtuais online; a formação de um Cartel na origem de uma Seção na EOL; os Cartéis fulgurantes; o sorteio aleatório como recurso para a constituição de novos Cartéis; a importância da divulgação online dos trabalhos de cartelizantes; a importante inclusão dos trabalhos dos Cartéis nas Jornadas anuais das Escolas, etc. –, relançam o desejo de avançar com o trabalho dos Cartéis nas Escolas da AMP, em causa para todos que ali estavam presentes.

 

DELEGAÇÃO PERNANBUCO

Diretora de Intercâmbio e Cartéis: Eliane Batista

 

Primeiro Encontro de Cartéis sobre o Amor, realizado em 1 de abril de 2014.
A formação de Cartéis sobre o amor foi a proposta do primeiro encontro realizado no dia 01 de abril deste ano na EBP-PE. Nesse encontro, a Diretoria de Cartéis sugeriu que entre os temas anteriormente escolhidos fossem introduzidas questões relativas ao amor.


A sugestão foi motivada pelo pouco tempo que resta para a produção de textos a serem apresentados na próxima Jornada anual da Seção e no Encontro Nacional da EBP.


Retomou-se também o significado do Cartel como um lugar de formação, que visa a produção de saber do sujeito e possibilita, consequentemente, a cada cartelizante, um escrito singular. Igualmente, foi ressaltado nesse primeiro encontro que o tema da Jornada Nacional de Cartéis – Os destinos do amor – permite enfocar, entre outros, os seguintes pontos: o relacionamento amoroso; o amor cortês; o amor ao saber; o amor e o feminino no século XXI; o amor entre repetição e invenção; o amor transferencial; o amor atravessado pela pulsão de morte; o amor nas psicoses; o amor como semblante, dentre outros.


Antes de encerrar o encontro foram formuladas três indagações a serem respondidas pelos que estavam presentes, objetivando avaliar esse dispositivo na EBP-PE, sendo a última delas endereçada apenas aos membros:


- Quais seriam os pontos críticos da atividade de Cartéis na Seção PE?
- Como você definiria a função do Mais-Um?
- O que o levou a aceitar o convite para desempenhar a função de Mais-Um do Cartel?

Agenda dos Cartéis na EBP

 

EBP-PERNAMBUCO

Diretora de Intercâmbio e Cartéis: Eliane Batista

 

Encontros de Cartéis sobre o amor
Data: 6 de maio (todas as primeiras terças-feiras do mês)
Local: Sede da EBP-PE
Horário: 19h30
Temas destes encontros: o relacionamento amoroso; o amor cortês; o amor ao saber; o amor transferencial; o amor nas psicoses; o amor e o feminino no século XXI ; o amor entre repetição e invenção; o amor atravessado pela pulsão de morte; o amor como semblante; o amódio; onovo amor; o amor ao real.

 

DELEGAÇÃO ESPÍRITO SANTO

Responsáveis pelos Cartéis: Tânia Martins

 

Noite de Cartéis
Data: 21 de maio
Local: Sede da Delegação Espírito Santo
Horário: 20h30
Apresentação dos trabalhos dos cartelizantes: Lucas Fraga Gomes, sobre a “Política Lacaniana”, e André Luís de Oliveira Garcia, sobre “O objeto a e a mais valia”, ambos membros do Cartel “Leitura do Seminário de um Outro ao outro de Jacques Lacan”

 

EBP-SANTA CATARINA

Diretora de Intercâmbio e Cartéis: Cinthia Busato

 

Noite de Cartéis
Data: 29 de maio
Local: Sede da EBP-SC
Horário: 20h30
Apresentação do trabalho do Cartel “Transexualidade e psicanálise”, com Jussara Jovita na função de Mais-Um.

 

EBP-SÃO PAULO

Diretora de Intercâmbio e Cartéis: Cássia Guardado

 

Manhã de Cartéis: “Os usos possíveis do Cartel”
Data: 31 de maio
Local: Global Hub/Ribeirão Preto
Horário: 9hs
Coordenação: Silvia Sato
Lacan propôs o Cartel como célula de base do funcionamento de uma Escola, mas também como uma porta de entrada para a Escola, podendo ser uma forma de acolher o encontro possível de cada um com a Psicanálise.
Nesta manhã de Cartéis, atividade da Diretoria da EBP-SP em Ribeirão Preto, convidamos para uma conversa sobre “Os usos possíveis do Cartel”, a partir de 3 experiências vividas na diversidade do que pode ser um Cartel para cada um.

 

EBP-MINAS GERAIS

Diretora de Intercâmbio e Cartéis: Lucia Grossi

 

Jornada de Cartéis da EBP-MG
Data: 31 de maio
Local: Sede da EBP-MG
Horário: Das 9h às 17h
Convidado: Bernardino Horne.
Os trabalhos devem ser enviados até 27 de abril de 2014, para o e-mail: lgrossi.bhe@terra.com.br

 


COMISSÃO EDITORIAL

Comissão Nacional dos Cartéis da EBP: Paola Salinas (Coordenadora), Inês Seabra, Cristiana Gallo, Cristiane Barreto e Maria Josefina Fuentes (Diretora Secretária da EBP)
Logomarca: Luiz Felipe Monteiro sobre obra de Escher

 

Dobradiça de Cartéis