Dobradiça de Cartéis

Dezembro de 2013

DOBRADIÇA DE CARTÉIS Nº 7

Boletim eletrônico dos cartéis da EBP

 

Dobradiça de Cartéis

 

 

Editorial

O cartel em ato e seus usos possíveis

Paola Salinas    

                           

Com o sétimo número do Dobradiça de Cartéis, encerramos o ano de 2013 com um trabalho intenso, tanto da Comissão Nacional de Cartéis, como de cada um dos 13 Diretores de Cartéis e Intercâmbios das Seções e Delegações da EBP que, para este número, prepararam um relatório da gestão/2013. Uma verdadeira equipe que trabalha conjuntamente, com entusiasmo, seriedade e dedicação, zelando pelo dispositivo do Cartel que, em 2014, completará 50 anos desde sua criação por Lacan no Ato de Fundação de sua Escola em Paris.
Atualmente, há um número significativo de pessoas trabalhando em Cartéis e que se inscrevem na EBP como "cartelizantes". São 85 Cartéis inscritos no site, entre os quais, 352 pessoas não são nem Membros nem Aderentes da EBP. Ou seja, inserem-se nela pelo trabalho de Cartel.


Em função desta comunidade, bem como da qualidade e dos efeitos das Jornadas de Cartéis nas Seções e Delegações da EBP, decidimos realizar o já anunciado Encontro Nacional de Cartéis, em novembro de 2014 em Belo Horizonte, para o qual a Comissão Nacional e Ampliada de Cartéis já começa a trabalhar. O tema, amplo o suficiente, permitirá que cada cartelizante enderece sua questão à comunidade, colocando à céu aberto sua elaboração. Trata-se sobretudo de um chamado, e não um tema especifico dos trabalho, Os destinos do amor de transferência, já que o Cartel e a Escola continuam sendo esse lugar de um laço possível, à serviço da causa analítica.


A expressão Cartel em ato vem sendo cunhada dentro de um trabalho de Cartel e não vem desacompanhada de outra que pudemos ver em outros boletins: Fazer cartel é fazer Escola. Trata-se de uma aposta a ser verificada em cada Cartel nas consequências para quem dele participa.


O que um Cartel propicia a seus cartelizantes, incluindo o mais-um, a cada vez?


Tal questão perpassa certa utilidade do dispositivo, melhor ainda seus usos possíveis.


Em verdade um Cartel, parafraseando Fabio Akcelrud Durão, não visa ser útil, mas necessário em um contexto de Escola como um dos seus dispositivos que pode ser experimentado ou não.


Assim, um Cartel não é da ordem da utilidade, mas se articula como necessidade para alguns de tratamento da dimensão do desejo e do gozo no coletivo da Escola articulado ao saber e ao seu avanço. A contingência do seu uso, a cada vez, pode dar testemunho de sua operatividade em cada um e no coletivo.


Os dispositivos do Cartel e o Passe implicam uma ética, da qual é preciso dar conta na prática, entre o coletivo da Escola e outros agrupamentos possíveis, principalmente as "SAMCDA", como ironizava Lacan. Podemos ver nos trabalhos aqui publicados esta dimensão ética e suas consequências para quem participa dela.
Também poderemos vislumbrar algo da invenção nos usos possíveis de um Cartel, como o Cartel do Passe articulado a uma proposta de trabalho num âmbito geral da Escola que dá consequências ao Um a Um da transmissão dos AEs, propício para tratar as questões do locus da Escola e como modo de laço que relança a transferência de trabalho.


Vários usos, um dispositivo, o qual tem por função lembrar-nos do trabalho próprio a uma Escola, a relação com a causa analítica, a aposta permanente numa ética do desejo, sem desconsiderar o gozo que atravessa os coletivos insistindo em fazer a relação sexual existir.


Manter o furo como possibilidade de invenção, de produção de trabalho, de saber, e não como impossibilidade: é disso que o textos que seguem dão testemunho.
Boa leitura!

 

Escrita cartelizante

 

O trabalho solitário do psicanalista e o amor à diferença

Elza Marques Lisboa de Freitas

 

A ética inerente à nossa prática pede a cada psicanalista que responda, enquanto sujeito, por seu trabalho solitário, fechado nas pequenas caixas que são nossos consultórios. Essa mesma ética implica em alguma forma exterior ao momento clínico, para que nela os inconscientes e seu saber se depositem pelo estudo, pela troca com os pares e pela organização de uma política da psicanálise. Temos então que dessa prática resultam os vários coletivos de trabalho que ganham por sua vez vários nomes: Escola, Associação. Assim é desde a fundação da IPA por Freud, que a ele apareceu como impositiva, onde ele reunia seus discípulos e colegas na sustentação e investigação desse saber.


Portanto é em nome desse saber psicanalítico, dessa permanente inovação, sua pesquisa e sua transmissão, que nos reunimos aqui na EBP, e na AMP. Mas, há algo além disso quando pensamos o por que cada um de nós, singularmente, aí está. Do imaginário disponível temos vasta gama de possibilidades e, além disso, essas possibilidades se modificam durante o percurso de cada um de acordo com seu caminhar.


Mas podemos pensar que, para o analista, enquanto tiver sua clínica e ainda que apenas um só paciente se deite seu divã, cabe reafirmar a pertinência do que é encarnar um psicanalista e dar testemunho permanente disso. Um psicanalista sendo dejeto, morada do objeto a, é semblante em função, colado ao sujeito e guiado por seu desejo. Desejo de quê? Desejo ímpar que por vezes nos é desenhado nos testemunhos de Passe. A clínica nos impõe a pertinência a um coletivo que funcione para nós como um lastro. Nossa presença na Escola não aponta a posições onde a consistência do Outro se afirma. Evidentemente, temos que lidar com nossos imaginários, com as rivalidades, com nossa expectativa de aprovação. Mas há uma dimensão ética referida à clinica que nesse coletivo pode ser colhida e escolhida. Mesmo sabendo do destino lógico de sermos ímpares, podemos falar entre pares. Ali onde os porcos-espinhos buscam um pouco de calor, nossos analisantes, sem que necessariamente o saibam, garantem-se de que seus analistas respondem a mais alguém que não a seus próprios inconscientes abertos. Na EBP e na AMP o tempo todo oferecemos nossa cabeça à castração e ao limite. Mas é também aqui que podemos encontrar o estímulo para prosseguir nessas investigações sobre o inconsciente e a legitimação de nossa prática.


Muitos de nós ganham a vida com a psicanálise, às vezes, só com a psicanálise e, outras, com trabalhos a ela correlatos em instituições. Na Escola, ao contrário pagamos para ter o direito de trabalhar. O tempo, em que vigora o real desordenado, exige de nós cada vez mais o rigor ético decorrente do corpo conceitual da psicanálise, no nosso caso balizado pela obra e prática de Lacan e daqueles que até hoje cuidam da Orientação Lacaniana.


No après coup de nosso ato no consultório nos é exigida uma exposição permanente, mais ou menos precária, a depender dos limites de cada um. Essa forma, se tem os contornos que a instituição preconiza para que possa existir é, no entanto, uma revelação da diferença, do singular e, a rigor, é sempre uma afirmação de que há traço, há estilo e (há) ya-dl´un. Isso por vezes toma o nome de estilo, o que se mostra, por exemplo, nos depoimentos de passe onde, mais do que em qualquer lugar, a diferença e a singularidade se desnudam.
Temos a esperança de que nos espaços desenhados por Lacan, a diferença seja afirmada e patente. Ele criou e reservou dois lugares muito específicos para que a diferença não se perca. O Cartel e o Passe. O automaton há que existir, mas largo e espaçoso, e colocar-se despercebido sempre que possível para que o verdadeiro forçamento nos advenha como afirmação do inconsciente que é – e não da afirmação de um esprit de corps. Lembrem-se de que foi por isto que Lacan deixou a IPA. É verdade que a força do desejo de cada um de nós acaba por se impor quando tomada em mãos pelo sujeito que o suporta.


Além da política da Orientação Lacaniana precisamos de uma política funcional. A estrutura administrativa e todas as instâncias que compõe o arcabouço de nossas Escolas são necessárias para garantir o funcionamento. Nossas Escolas respondem também a uma realidade externa a elas, realidade composta pelas leis do país em que cada uma se insere. Onde necessário aí não se opõe ao contingencial, mas sim se afirma enquanto funcional. Quando esse mecanismo se enrijece em nome de um saber que se crê maior, ou de um poder que se esquece enquanto apenas organizador, acabamos esbarrando em rochedos onde todo tipo de mar acaba se quebrando e por vezes em prejuízo da psicanálise. Nossos olhos se cegam e a prática institucional fica retalhada. Nossos vícios funcionais florescem e começamos a vender a alma ao diabo. Os mecanismos de negação imperam, as diferenças são esquecidas, do mesmo modo que o estilo tomado um a um é esquecido. O funcionamento deve prevalecer sobre o pessoal mas, o conceitual deve prevalecer sobre o funcionamento, exigindo dele sempre o testemunho do corpo de doutrina e uma prática com ela condizente.
A psicanálise também é marcada pelo solo em que viceja. Não precisamos fumar cachimbos ao pé da lareira ou abraçarmos rabugices estrangeiras para termos a certeza de que somos psicanalistas. Somos brasileiros, precisamos de jogo de cintura, uns sambam outros cantam, mas cada voz é uma e cada passo é um, ou de cada um. Por mais meritório que seja não queremos apenas o som das tabuadas de repetição ou o fragor das taboas de logarítmos.


Além disso, somos homens e mulheres, o que tem lá suas ressonâncias, o que foi repetido várias vezes no Seminário 19. Complicada a marcha de nossas instituições. Inflar demais nossos começos, os primeiros passos, pode levar-nos a uma desmoronamento precoce e frequentemente danoso para todos. Por outro lado, temo que uma barra que cai tão seca sobre um pensamento ou um pescoço, pode levar a um submetimento onde o direito de pensar e dizer bobagens se restrinja a um número de sujeitos que se revezam. Vemos, no entanto, bons trabalhos que, de tão bons, continuam bons ainda que feitos em linguagem formalizada de modo repetitivo e enfadonho. Seja qual seja o procedimento a cada hora, ele precisa ter a inscrição da psicanálise, a marca, ou como dizem hoje, o DNA.


A linguagem de cada um pode ser às vezes mais poética, alusiva, às vezes mais formal, pragmática. Mas, de um formalismo inovador, criado na voz pessoal que enuncia e anuncia uma novidade, ainda que pequena, mas que transpareça a força do desejo. Aposta-se que nosso inferno egóico receba tratamento em nossas análises em andamento ou dadas por terminadas.


No Seminário 19, Lacan traz ao final uma dura afirmação, que nos alerta sobre o racismo. Ainda bem, pois desde Freud temos que nos recusar os obséquios fornecidos pelos mecanismos de denegação. E racismo é um modo de negar a diferença acreditando afirmá-la condenando-a a extinção. A negação não escapa da máxima construída por Freud pela qual o que é recalcado retorna no real, e insiste. Ou ressurge na forma de estilhaços desorientados nos piores casos, a depender da estrutura. Nem pessimistas nem otimistas, realistas, seja lá o que isso for. O que seria entre nós o racismo senão a intolerância da diferença? Ou a criação de fileiras, em alinhamento discretamente militar que nos uniformizasse? Mesmo que o uniforme de uma das fileiras seja deliberadamente diferente na cor daquele da outra fileira. No fundo: fileira.


No mesmo Seminário 19, Lacan vai nos falar dos ideais. Retomo isso quando estamos à beira de um ano de trabalho sobre o amor. Igualdade, liberdade e fraternidade, ele nos lembra desses guias do pensamento de uma época. Ideais. Mas se detém no momento em que se escreve a fraternidade e diz: "Somos irmãos de nosso paciente na medida em que, como ele, somos filhos do discurso". Essa é a fraternidade que existe.
O que me leva a fazer essas reflexões é uma suposição de que nossas políticas de funcionamento devam se mover no rigor da ética para a psicanálise. Esse funcionamento há que ser a própria apresentação dessa ética em andamento. Isso é um ideal, pode ser uma utopia, mas pode ser um norte inseparável do que nos funda e determina nossa prática: o não-saber. Não mais erros negados. Ao contrário, erros afirmados para que não se repitam.


Passe e Cartel. Esse dois espaços constituem a pedra de fundamento da diferença entre nós. Saudemos o tema sobre o Amor que seguirá no próximo ano. Poderemos talvez pensar algo como O amor à diferença. Amor ao desconforto, ao Mal-estar na civilização.

 

Interpretação, nomeação e ato

Rômulo Ferreira da Silva

Trabalho apresentado na Jornada de Cartéis da EBP-SP

 

Esse texto é produto de um Cartel composto por Angelina Harari, Heloísa da Silva Telles, Maria Josefina Sota Fuentes, por mim, e tem como mais-um, Luiz Fernando Carrijo da Cunha.


O propósito deste Cartel é tomar os relatos de Passe e tentar extrair elementos importantes da clínica que possam ser transmitidos. Num primeiro momento, tomamos o passe de Marcus André Vieira, que estará em São Paulo no dia 20 de outubro para um testemunho. Portanto, esse texto é já uma preliminar do que se desenvolverá aqui nesta Seção no dia 20.


Ainda em relação à formação deste Cartel, é importante marcar que ele faz parte de uma proposta ampla da Diretoria e do Conselho da EBP, com o intuito de que em cada Seção e Delegação desenvolvam-se atividades em torno deste tema, ou seja,  que nosso trabalho em torno do ensino do Passe não fique restrito aos testemunhos dos AEs. A partir desses testemunhos, cada um deve colocar algo próprio na construção do que foi a passagem de analisante à analista em cada caso.


O Passe é um tema caro para nossa formação analítica. Se desde Freud, a formação do analista era composta por um tripé, a análise pessoal, o estudo teórico e a supervisão, com Lacan, podemos agregar dois outros pontos de apoio na formação: o Cartel, que sem dúvida compõe o universo da formação teórica, mas que, por suas características de funcionamento, pode se misturar com os outros dois pontos, já que se trata de um espaço no qual se pode discutir a clínica e mesmo abordar questões da própria experiência analítica; e o Passe, que é um dispositivo inventado por Lacan que, assim como a supervisão, nos coloca em formação permanente. O Passe não envolve somente aqueles que compõem o dispositivo propriamente dito, ou seja, o passante, os passadores, os membros do Cartel do Passe, a Secretaria do Passe e ainda um êxtimo, que participa da discussão e da decisão por uma nomeação ou não. Envolve também toda a comunidade analítica que se debruça sobre a experiência única que cada análise chegada a seu fim pode transmitir.


Eu parti das questões colocadas por Marcus na ocasião em que estive na EBP-RJ para fazer um testemunho, ou seja, a interpretação, a nomeação e o ato, título deste texto. Portanto, meu desenvolvimento sobre o passe de Marcus tem como pano de fundo o trabalho em torno do meu próprio Passe.


As questões colocadas foram as seguintes: toda interpretação é uma nomeação? Toda nomeação é um S1 de gozo? E o ato, de que lado está?


No meu caso, a marca deixada no corpo pelo significante "capitão" adquiriu uma outra versão advinda da posição estratégica a fim de ocupar o lugar de objeto no desejo do Outro. Essa versão foi revelada em minha segunda análise com a localização do significante "sim". Dizer "sim" foi uma nomeação de gozo porque, mesmo não sendo a posição última de gozo, marcou uma modalidade de gozo muito importante no decorrer da vida e serviu como defesa ao modo de gozo primordial.


A interpretação do analista que incidiu sobre esse "sim" responde à primeira pergunta, ou seja, nem toda interpretação é uma nomeação. Ao contrário, essa interpretação serviu para suspender a nomeação de gozo com a qual eu cheguei na terceira análise.


No entanto, se levarmos em consideração que o "sim" foi uma modalidade de gozo, podemos responder à segunda questão dizendo que assim como o "capitão"/ "toma" é um S1 de gozo, o "sim" também o é. Em um sonho no qual aparece a ambiguidade na língua francesa, ao menos para minha lalíngua, entre "eu amo santo" e "eu amo sangue", também podem ser tomadas como nomeações de gozo a partir da interpretação do analista que repetiu "j'aime sang/saint". Talvez ele tivesse apenas corrigindo o meu francês, mas houve repercussões importantes.


Os atos incontáveis do analista no sentido de produzir a transferência negativa, culminando com a reação do corpo, com um gesto seguido do significante "toma", esclarece que o ato vem do analista, mas como uma proposição. O verdadeiro ato, o ato analítico, aquele que marca a passagem de analisante à analista, aquele que revela a ultrapassagem do pequeno Rubicão, está do lado do analisante. Eu poderia ter ficado imerso em uma análise interminável ou interrompê-la escolhendo a via de acusar o analista de mal-educado.
No caso de Marcus André, podemos acompanhar como a interpretação dada por uma tia, na tenra infância, marcou seu modo de gozar como um "mosquito elétrico", não estando em nenhum lugar e em todos ao mesmo tempo. Um "mosquito" que, sob o olhar da mãe, tentava chegar ao Ideal de Eu, ser um grande homem. Essa dupla marca de gozo o leva para bem longe do olhar da mãe, mas continua, mesmo assim, submetido a ele: "Esportes, condutas perigosas, um donjuanismo gratuito e uma aventura amorosa kamikaze" (Opção Lacaniana, no. 65, pág. 27).


A entrada na última análise ocorreu com uma interpretação que funcionou como nomeação: "o desejo de morte", que aparece numa piada na qual o mosquito diz para a mãe que vai para a ópera e essa responde, "cuidado com as palmas". Portanto, o "mosquito elétrico" revelando o desejo de morte do sujeito, e seu modo de gozo em viver perigosamente.


Outra nomeação, agora vinda de um amigo, paciente do hospital de sua mãe, que o chamava de "Miquito". A cochilada do analista e depois os barulhos produzidos atrás do divã foram as interpretações decisivas para o aparecimento desse modo de gozo que revelava mais a posição de objeto para o Outro do que a posição de sujeito com o "mosquito elétrico".


Do olhar da mãe à voz do pai, passando pelo amigo que o chamava de "Miquito", o sujeito pôde experimentar sensações corporais que culminaram na interpretação "seu coração é um tambor".


Essa interpretação, que mais uma vez revelou o que o tambor queria dizer antes, "vamos à luta!", nomeou o gozo, mas, ao mesmo tempo, abriu espaço para que os balbucios do analista fizessem marcas de uma presença impossível de apreender. A retomada com o "Miquito" e o silêncio de um gozo passivo diante do Outro, coloca o sujeito diante do real. Colocação diante de um desejo a descobrir e não de antecipar.


Um sonho finaliza a análise. A interpretação "mordidavida", passando pelo pai que tinha a mão mordida por cães que ele treinava, dá ao analisante, a partir do ato do analista, a possibilidade de atravessar seu Rubicão. O sorriso do analista fica marcado no sujeito à procura de um Outro com quem conversar.

 

Tempo e espaço para a Escola de Lacan – relato de uma experiência em Cartel

Cristiana Gallo
Trabalho apresentado na Jornada de Cartéis da EBP-SP

 

Outros que contém
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.

(Vinícius de Moraes)

  • As poucas palavras do poeta irão se contrapor as muitas que precisarei para tratar a experiência em um Cartel, naquilo que diz respeito ao espaço e ao tempo.

  • Logo após a minha admissão como membro da EBP, o início do trabalho em um novo Cartel se colocou como a primeira resposta possível à questão: "Qual o lugar para a Escola de Lacan?" – tema que viria reunir os membros da EBP, residentes em Ribeirão Preto, articulando o trabalho entre nós.

  • Naquele tempo éramos exatos quatro, e saímos em busca do mais-um.

  • Foi de fato uma busca até termos um bom encontro com Carlos Augusto Nicéas que prontamente aceitou assumir este lugar e esteve presente e atuante nos giros ocorridos durante o tempo que coube a este Cartel operar, conduzindo-o até o seu final, numa experiência que posso contar como bem sucedida.

  • No tempo presente, concluído este Cartel, posso também dizer do reconhecimento obtido acerca da participação deste "pequeno grupo" na formação do analista, naquilo que é possível articular entre o Um e o Outro: ao Cartel levamos a nossa questão, a mais particular, e deste encontro de singularidades, diferentemente de uma Babel de várias línguas desarticuladas, obtém-se uma elaboração advinda justamente deste encontro. Melhor dizendo, se faz a experiência de que tal elaboração não é passível de ocorrer por fora deste encontro, a experiência de que a singularidade de cada um pode fazer laço e, aí, produzir particulares efeitos de elaboração.

  • Contudo, o Cartel sempre chega ao seu final e no escrito cada um é reenviado à sua própria questão e à destinação a dar a ela. Hoje decido, mais uma vez, fazer dela transmissão.

  • A princípio, quando falo de uma "primeira resposta" à questão que atravessou a todos neste Cartel, introduzo a minha questão particular neste pequeno grupo: introduzo uma temporalidade. Havia urgência de minha parte em "fazer Escola" em Ribeirão Preto e a resposta inicial foi "fazer Cartel".

  • O que talvez eu soubesse sem saber é que "fazer Cartel é fazer Escola".

  • Esta elaboração, dita assim, foi um ganho de saber que obtive em outro Cartel de que faço parte, integrando a atual Comissão de Cartéis da EBP, na medida em que hoje posso dizer algo sobre um saber fazer com o Cartel, a partir de um fazer, que nesta experiência que relato se tratou de refundar a Escola de Lacan em ato, no momento em que decidimos eleger o dispositivo do Cartel para levar nossos impasses.

  • Num segundo tempo, tratou-se de, a partir da marcação de nosso mais-um ao trabalharmos o texto de Miller "O banquete dos analistas", concluirmos pelo início de um trabalho de transmissão: não se tratava ali de nos "banquetear" com o ensino de Lacan, mas de estabelecer "o lugar para a Escola de Lacan" a partir de um efetivo trabalho.

            Daquele tempo, destaco do texto de Miller a precisão de que Lacan, diante dos desvios que verificava, teria sido "levado a criar seu próprio banquete, a que chamou Escola"; o analista "se convida" a participar deste banquete, tratando-se ali de realizar um efetivo trabalho.
            Entendo que o efetivo trabalho decorre da "política do analista" que "convida o analista a localizar-se antes por sua falta em ser que por seu ser".

  • Foi aí que o trabalho de transmissão nos relançou para um terceiro tempo, de onde destaco de nossas discussões o que concluímos dizer respeito à transmissão de um laço de trabalho, no qual a questão de cada um se presentificava e se enlaçava com a questão comum ao Cartel. Testemunho o entusiasmo destas reuniões: falo de trabalhadores decididos e entusiasmados.

  • No quarto e último tempo que descrevo, já éramos 6 membros de Escola em Ribeirão Preto e buscamos avançar na questão da constituição de um locus de trabalho e transmissão para a Psicanálise em nossa cidade. A essa altura, o Cartel se dissolveu, apontando para a criação de novos laços de trabalho entre os membros da Escola, entre os membros da EBP-SP.

  • Recentemente escrevi num Editorial – destinado a preceder os trabalhos apresentados no Dobradiça de Cartéis n°5, provocada por outros escritos (os de Marcelo Veras, Elza Freitas e Maria Josefina Sota Fuentes) – que endereçamos nossa aposta a um Cartel e que o resultado do jogo, nosso produto, nosso pequeno achado em um Cartel, não fica somente ali. Não se aposta de uma vez por todas, pois sempre nos restará, ao menos ao final, sustentar o resultado do jogo.

  • Entendo que só é possível sustentar os resultados na vida, em ato, no laço com a Escola, e assim sigo fazendo.

  • Concluo que não se é membro de uma Escola de uma vez por todas, mas se é na medida do relançamento da aposta e da sustentação do jogo.

  • Acredito que assim coloco o que me foi possível pensar, no tempo de trabalho que cabe a um Cartel, algo acerca da questão do tempo, ao lado do espaço.

  • Miller nos disse que clinicamente conhecemos bem a erótica do espaço, mas não a do tempo: verificamos que os sujeitos descrevem determinados circuitos em relação ao objeto, seja de aproximação, afastamento ou evitação, num determinado espaço que os envolve.

  • E o tempo?

  • Penso que posso falar de um momento 1, antes do atravessamento da experiência deste Cartel, e de um momento 2, finalizada a experiência.

  • No momento 1 a questão "Qual o lugar para a Escola de Lacan?" se colocava para mim, no contexto já apresentado, entre possível e impossível. Havia um ponto a ser atravessado.

  • No encontro propiciado pelo Cartel, que mais uma vez experimentei como contigencial, foi possível sustentar o desejo de realização de um trabalho no espaço de um laço e no tempo.

  • Cabe a cada vez relançá-lo.

 

Transferência de trabalho e transferência negativa: posições frente à Escola

Paola Salinas

Trabalho apresentado na Jornada de Cartéis da EBP-SP

 

A questão fundamental da política é a ação, e aqui se encontra o que Lacan distinguirá mais tarde como o ato analítico, problema central da política do analista.


Jacques-Alain Miller

Este texto é o produto final do Cartel cujo tema: "Qual o lugar para a Escola de Lacan?" articulou-se à questão da sobrevivência da transferência de trabalho em detrimento da transferência negativa na comunidade analítica.


Dizer que a política depende de um ato, ao qual podemos supor alguma relação com o ato analítico, nos dá um direcionamento de como tratar as questões de grupo em nossa comunidade, ponto que pretendo sustentar neste escrito.


Trata-se de uma aproximação da clínica e da política.


A hipótese delineou-se no decorrer do trabalho em Cartel que trazia em seu ensejo a sustentação de um locus da EBP em minha cidade, a partir da causa que me faz pertencer a esta Escola como um de seus vários membros.


Naquele contexto, coube a pergunta: como transmitir algo do laço que me liga à comunidade analítica EBP num local onde ela não está constituída como espaço efetivo de endereçamento e onde pode ser confundida com um instituto ou um grupo?


Suponho que algo desse laço se transmite. E que a transmissão de uma experiência de Escola é fundamental.
Iniciamos essa tentativa em encontros abertos do Cartel, onde o trabalho ocorria com todos os furos no saber característicos a um Cartel, a céu aberto. Transmitiu-se algo dessa relação não-toda com o saber e o endereçamento desse furo à EBP, que pode acolher o não sabido, a invenção e o singular. Foi essa a aposta.
Lacan articula a transferência de trabalho ao ensino, mas também à transmissão. No Ato de fundação nos diz que "O ensino da psicanálise só pode transmitir-se de um sujeito para outro sujeito pelas vias de uma transferência de trabalho"


A transferência de trabalho torna possível uma Escola, sustenta os laços para além da transferência idealizada, e seu avesso, que sustentam um grupo.


Poderíamos pensar a transmissão da singularidade da relação com a causa analítica dentro de uma Escola? E, uma vez possível, que tenha efeitos nos laços de trabalho e na relação de cada um com a própria causa analítica, que não pela via da identificação?
Penso que sim. É a invenção de Lacan: o Passe.


No dizer de Amanda Goya "à falta do significante que diga o que é um analista, estuda-se a cada analista em sua singularidade para extrair um saber sobre seu ser e sobre seu desejo de analista no passe", que faz uma Escola avançar e estabelecer-se num discurso que lhe é próprio.
O discurso que lhe é próprio, Lacan é enfático ao dizer, é oposto ao do grupo. É preciso tomar a oposição entre grupo e Escola


[...] em seu rigor conceitual, porque precisamos dela a cada vez que queremos fundamentar nossas análises dos fatos do cenário político de nossas instituições, mas também quando nos dispomos a retificar nossa prática dos coletivos da Escola.

 

O Passe ao final, o Cartel na entrada. Dispositivo oposto à lógica grupal, que produz efeitos. Também no cotidiano da Escola se fazem laços que podem ter bons frutos ao tomar como eixo a transferência de trabalho e não a transferência idealizada, transferência amorosa endereçada a um líder.


Para tanto sabemos que é necessário, antes de tudo, "um trabalho pessoal de cada membro" que leve cada um a firmar-se na "lógica da Escola, em seu antagonismo à lógica grupal".


Retomando Miller no Banquete, penso que esse trabalho se faz em ato e se verifica no depois na comunidade. O ponto de questionamento neste Cartel é o que se pode transmitir desse ato de Escola, tomado aqui como ato político e clínico em oposição ao grupo, quando não se chegou ao passe.


Lacan na Proposição nos diz que a "Escola [...] não o é somente no sentido de distribuir um ensino, mas de instaurar entre seus membros uma comunidade de experiência cujo centro é dado pela experiência daqueles que praticam". Valho-me disso para enfatizar a proximidade entre esse ato cotidiano nos trabalhos da Escola e o ato analítico no horizonte. A função do desejo do analista na função localizada na Escola, a partir da sustentação da transferência de trabalho e não da transferência idealizada.


Podemos testemunhar em cada pequeno ato certo saber-fazer com o gozo e a obscenidade que o grupo convoca, respondendo com o trabalho na relação com a causa analítica que seria em tese, furada. Esta causa toma o sujeito exatamente onde ele falha, onde não pode responder egóicamente na enfatuação imaginária.
Qual articulação ente o trabalho e a transferência negativa, sendo esta um conceito eminentemente clínico?
Há no grupo analítico, e em qualquer grupo, uma falta de paridade estrutural. A transferência que mantém o laço, considerando essa disparidade, não se faz pelo amor de transferência onde se mantém a ilusão do Um. É necessário o reconhecimento da irregularidade, levando em conta a transferência negativa e a inexistência da relação sexual.


Ao tomar a transferência pela via do trabalho e não do amor, nos defrontamos com a questão de que, no trabalho, ocorre algo para além dos sujeitos que dele fazem parte. A transferência de trabalho se endereça à psicanálise e opera contra os efeitos imaginários da transferência analítica na Escola.


Tomando a dimensão inevitável do efeito de grupo dentro de qualquer coletivo, a dominação daí resultante leva o sujeito à idealização e à hostilidade correlata. A mesma transferência idealizada que alicerçaria definitivamente um grupo leva à sua destruição. Em ambas as situações, o trabalho, em nosso caso a causa analítica, é relegado a segundo plano, num funcionamento distante do conceito de Escola descrito por Lacan.
A transferência surge na psicanálise como surpresa no contexto de uma investigação clínica sobre o saber, motor e obstáculo do tratamento que visava obter um saber recalcado. A surpresa pode ser ainda maior na transferência negativa, pois nela, nos diz Miller, o analista está sob suspeita. Essa suspeita advém do fato do analista saber mais que seu analisante, a partir do momento que o interpreta, retornando a este o lugar de dejeto.


Esta articulação abre a questão da relação entre a transferência negativa, a transferência de trabalho e o saber. Enfatizar a transferência de trabalho em detrimento da transferência negativa coloca-se em termos da possibilidade em suportar o saber não-todo, sem descuidar da Orientação Lacaniana. A transferência negativa, outra faceta da idealização, destaca a ideia que o saber está no Outro, restanto ao sujeito o lugar de dejeto que inviabiliza o trabalho de Escola.


Em outros termos:


É disso que se trata quando sublinhamos que a solidão de cada um na Escola corresponde a uma posição estrutural, pois, se a Escola é uma formação coletiva, nela, cada um, analisante sempre, não se ilude quanto ao que esse coletivo quer dizer: que as solidões, nele, não fazem grupo, mas que elas, reunidas sob uma 'transferência de trabalho', se somam, simplesmente.

 

A experiência de Escola é singular para cada um em sua solidão, no fazer diário, também nos equívocos, que não garantem uma boa posição por acúmulo de funções ou de tempo. Tanto no exercício cotidiano como na clínica, busca-se estar no lugar que cabe em cada cura, o desejo do analista para sustentar seu ato, o ato de Escola, o ato de Cartel, a cada vez, a ser verificar.


Trata-se de deixar-se ensinar por essa forma de relação ao saber e, consequentemente, com o gozo, proposta por Lacan, e experimentar, nessa abertura ao trabalho, a transmissão de um laço, para além dos nomes do grupo, a Escola em ato.


O Cartel, dispositivo estrutural em nossa Escola, pode assim ser um tratamento possível para tais questões. O Passe como visada, o Cartel na atualidade do encontro, a cada vez, efetivando-se na experiência, favorecendo a entrada na lógica e na política do laço que se faz na comunidade, e a transmissão que não desconsidera a posição subjetiva.


Uma transmissão para ser efetiva precisa tocar algo da pulsão. Lacan transmitia em seus Seminários seu tratamento do gozo e do não saber. Era um lugar de invenção.


Estar na Escola é ter relação com o uso que Lacan fazia dela, lugar de tratamento da solidão, da inquietude fundamental e da angústia e, por que não, do real que nos cabe.


O Cartel como porta de entrada de nossa Escola é a transferência de trabalho em ação.

 

Aconteceu em 2013: relatórios das Diretorias de Cartéis da EBP

 

EBP-MINAS GERAIS

Diretora de Intercâmbio e Cartéis: Lúcia Grossi

 

Antes mesmo de assumirmos a Diretoria da Seção Minas, começamos a frequentar as reuniões da Diretoria que terminava em abril de 2013. Tive uma bela surpresa ao participar em março de 2013 de uma noite Acham-se Cartéis de Montes Claros, via skype. Foi muito interessante constatar que isso era possível e como a libido estava ali circulando: do outro lado 30 pessoas nos ouviam e tinham desejo de formar Cartéis. Ficou evidente para nós a função agalmática dos Cartéis. Por um lado, então, o Cartel se apresenta como um dispositivo que permite ampliar as fronteiras da Seção Minas e, por outro, também encontramos alguns impasses na formação de Cartéis mesmo em Belo Horizonte, pois temos ainda muitos sujeitos que procuram Cartéis e não encontram um mais-um.


Optamos por acompanhar mais de perto os sujeitos inscritos na lista de Procura-se um Cartel promovendo, durante este ano, duas noites de Acham-se Cartéis. Preparamos estas noites agrupando os inscritos por temas e convocando-os um a um ao encontro na Escola ou, para aqueles impossibilitados, a se conectarem por e-mail com outros que teriam temas afins. Tentamos também acompanhar a busca do mais-um.


Fizemos uma Jornada em junho, contando com a presença de Romildo do Rêgo Barros e da Comissão Nacional de Cartéis, onde 13 trabalhos de cartelizantes foram apresentados e comentados. Constatei com grata surpresa que existiam ali pessoas que nunca tinham estado na Seção Minas e vieram ver a Jornada de Cartéis.


Finalmente na XVIII Jornada da Seção Minas em outubro, que contou com 500 pessoas, foi possível fazer um rápido momento de Acham-se Cartéis no intervalo do almoço (que durou em torno de 20 minutos) e que possibilitou a alguns encontrarem um Cartel e, a outros, saber o que é um Cartel.

 

EBP-RIO DE JANEIRO

Diretora de Intercâmbio e Cartéis: Elza Marques Lisboa de Freitas

 

A gestão de nossa diretoria de Cartéis na EBP-RJ teve como objetivo, desde o início, manter o sentido de Cartel e revigorar suas possibilidades. Para começar, tratamos de revigorar a consciência, entre os cartelizantes e os mais-um, dos princípios que regem o Cartel. Esse pode ser um dos segredos para que Cartel sustente o entusiasmo que merece, se no início de cada Cartel suas diretrizes forem explicitadas implicando a todos no processo. Já andei dizendo em algum lugar que, ao fazermos Cartel, participarmos de um Cartel, por esse ato de vivê-lo em sua pratica singular, estamos ao mesmo tempo produzindo cartel. Temos também feito algumas experiências de formas que tem se anunciado e que são novas na Escola, especialmente com o que chamamos de Cartel Fulgurante e também com outra forma mais rápida ainda, aplicada para os momentos preparatórios para eventos e/ou apresentações locais ou de convidados. Dessa experiência pretendemos dar um retrato elaborado até o final de 2014. Os chamamos de Cartel Relâmpago. Nossa comunidade nos deu farto retorno a esses reforços.


Além disso, tivemos nossa Jornada de Cartéis, com as presenças de Marcelo Veras e Maria Josefina Sota Fuentes, que muito colaboraram para o brilho do evento. Foi um dia intenso de muito trabalho e com consequências fecundas para todos que ali estavam. Nossa comunidade respondeu lindamente a nosso convite ao trabalho e a ela reservamos muitos méritos. Essa resposta é essencial. Chegando agora de Buenos Aires, pretendo levar adiante o trabalho proposto pela EBP e imediatamente começar a estimular a produção dos colegas assim como a pensar nossa jornada de 2014 quando, por orientação de Josefina manteremos o formato de Jornada. Manteremos a dimensão conceitual de Cartel sempre presente. É a ela que devemos um eixo agalmático para esse trabalho. Nossa reunião em Buenos Aires e o contato com todos os colegas de vários estados me trouxe mais disposição ainda de trabalho e o desejo de que esse encontro possa se repetir. A todos meus agradecimentos, e a Paola Salinas e a Maria Josefina Sota Fuentes, gratidão pela interlocução generosa e arguta. Abraços colegas, e espero que até breve.

 

EBP-SÃO PAULO

Diretora de Intercâmbio e Cartéis: Cássia Rumenos Guardado

 

A Diretoria de Intercâmbio e Cartéis da EBP-SP, junto com a Comissão de Cartéis desta Seção, teve o prazer de realizar duas atividades de Cartel neste segundo semestre de 2013, que mostraram o vigor que ainda perdura aqui quanto ao trabalho de Cartel. Como disse em Buenos Aires, apesar de todas as vicissitudes pelas quais passou a EBP-SP, nos últimos dez anos, os Cartéis nunca deixaram de existir e trabalhar em nossa comunidade. Assim, pudemos ter já a partir de 2009, ao fim da gestão de Sandra Grostein, como Diretora-Geral da EBP-SP e Leny Mrech, como Diretora de Intercâmbio e Cartéis, a retomada da realização da Jornada de Cartel da EBP-SP, com a sucessão de duas Jornadas de Cartel, na gestão seguinte, e mais uma na gestão anterior.

 

Neste ano, realizamos então, nesta gestão, a quinta Jornada de Cartéis da EBP-SP, com a presença de Cinthia Busato, Diretora de Intercâmbio e Cartéis da EBP-SC, com sua conferência "A importância do trabalho no Cartel e a formação do analista", bem como a apresentação e discussão de dezenove trabalhos dos Cartéis em funcionamento na EBP-SP. A conferência de Cinthia Busato, bem como três trabalhos da Jornada foram publicados na Carta de São Paulo on line de outubro e novembro, bem como no Dobradiça de Cartéis e no Boletim Haun. 

 

A outra atividade deste semestre foi a Noite de Cartel, com o tema "Trabalho de Cartel e formação do analista, com as apresentações de Valéria Ferranti e Fátima Luzia, integrantes da Comissão de Cartéis da EBP-SP, respectivamente membro da EBP/AMP e correspondente da EBP-SP, cujos textos foram publicados no Dobradiça de Cartéis. Nessa mesma noite, realizou-se, uma hora antes, um encontro promovido pela Comissão de Cartéis, com os inscritos no Procura-se Cartel residentes em São Paulo, para que se conhecessem, apresentassem seus temas de trabalho em Cartel e, talvez assim, facilitar a formação de mais Cartéis na EBP-SP. Essa reunião suscitou novas inscrições no Procura-se Cartel, e esperamos que novos Cartéis venham a se formar. O que constatamos foi um vivo interesse pelo trabalho em Cartel.  

     

EBP- SANTA CATARINA

Diretora de Intercâmbio e Cartéis: Cinthia Busato

 

Chego ao final desse ano olhando para o próximo. E com uma questão em aberto que lanço nos espaços compartilhados na Escola. O que é o produto de um Cartel? Não me parece que a produção de um texto seja o único produto. Quando Lacan nos diz que o produto do Cartel deve vetorizar à Escola, imagino que esteja se referindo muito mais à lógica inerente ao dispositivo, aquela que faz furo no Ideal. É ela que tem me orientado nesse primeiro ano como Diretora de Cartéis e Intercâmbio da Seção Santa Catarina. Logo na primeira Noite de Cartéis que tivemos começaram a aparecer muitas pessoas interessadas e temos hoje inscritos três Cartéis e mais cinco já formados e ainda não inscritos.


Como fazer para manter esse desejo como causa que produza uma palavra singular prenhe do não-saber e não uma angústia inibidora do saber próprio? Tenho procurado manter acesa a chama dessas questões. O contato com os mais-um pedindo alguma produção para ser apresentada em Noites de Cartéis tem estimulado a produção de questões. Poder formular uma questão é um momento importante dentro de um Cartel, uma questão é um produto em aberto e no coração desse está a solidão de cada um. Miller, em sua "Teoria de Turim", nos fala da Escola como uma "soma de solidões", gosto muito dessa expressão.


Dividir com os que estão ao redor esse caminho sempre cheio de dúvidas e tropeços parece-me uma boa direção, da solidão ao laço, sem precisar de alianças com o espelho. São essas questões que aguardamos para serem divididas com nossa comunidade analítica no próximo encontro de Cartéis da Seção Santa Catarina, que deve acontecer em maio ou junho de 2014, e nas Noites de Cartéis que teremos até lá.

 

EBP-PERNAMBUCO

Diretora de Intercâmbio e Cartéis: Maria Eliane Neves Baptista

 

No intuito de fortalecer o dispositivo de Cartéis, a Diretoria de Cartéis da Seção Pernambuco iniciou os trabalhos em 2013, prosseguindo o que já havia sido iniciado pela Diretoria anterior.


Na primeira reunião, a Diretoria comunicou que o objetivo era realizar um trabalho em que o Cartel fosse o instrumento principal do estudo preparatório para a Jornada anual.


Mostrou-se também que essa experiência deveria ser movida, acima de tudo, pelo desejo de cada um para com a causa analítica.


Assim, os Cartéis Fulgurantes começaram a ser formados e renderam bons frutos, na medida em que foram apresentados na jornada alguns trabalhos resultantes do estudo realizado.
Atualmente, o entusiasmo por essa atividade também se deve à nova forma de inserção como cartelizante introduzida na EBP.


É nesse contexto que novos Cartéis vêm sendo formados e investidos permanentemente na Seção Pernambuco.

 

DELEGAÇÃO ESPÍRITO SANTO

Responsável pelos Cartéis: Tânia Martins

 

O trabalho na Coordenação dos Cartéis na Delegação Espírito Santo nos colocou o desafio de transmitir a orientação de maior agalmatização do trabalho em Cartel na Escola. Tomamos como questão inicial tentar entender os motivos do pouco interesse pelo Cartel no local.


Encontramo-nos com questões básicas que mostraram o desconhecimento da importância e dos benefícios do trabalho em Cartel, vindas de novos participantes na Delegação.


Criamos uma atividade de discussão do conceito do Cartel na Escola de Lacan, isolando algumas perguntas recorrentes, propondo falar delas a partir de uma bibliografia sugerida.


Temos também nossas Noites de Cartel, mensais, que têm se revelado muito ricas pelo efeito de trabalho que desencadeiam. Em nossa Jornada de Cartéis alguns trabalhos testemunharam este efeito de abertura resultante das questões colocadas pelos colegas nas Noites de Cartel.


Por sua vez, conseguimos, após vários anos sem Jornada de Cartel, realizar uma Jornada na qual recebemos a contribuição de Maria Josefina Sota Fuentes, que se empenhou em ler e colocar questões aos cartelizantes e assim provocando uma discussão muito interessante.


DELEGAÇÃO PARANÁ

Responsável pelos Cartéis: César Skaf

 

No que diz respeito ao trabalho de Cartéis, o ano de 2013 na Delegação Paraná foi intenso. Com uma longa tradição do trabalho em Cartéis no Paraná, nem por isso o dispositivo ganha um automaton ou não deixa de nos causar questões e desejo. O ano de 2013 teve uma particularidade na Delegação Paraná que foi o início do Curso Introdutório de Psicanálise de Orientação Lacaniana, de duração de um ano, oferecido na cidade. O Curso foi muito bem recebido e, com isso, muitas pessoas novas, alguns bastante jovens, passaram a frequentar a Delegação. Do ponto de vista da Secretaria de Cartéis e Intercâmbio foi muito interessante perceber que essa atividade da Psicanálise em extensão, atividade de ensino, provocou os demais espaços de trabalho da Escola. Surgiram alunos interessados em saber o que era o Cartel, para quê ele servia, e como ele funcionava. Naturalmente, cada uma dessas perguntas não é tão simples de se responder, tomando a singularidade de cada um que a formula. Houve grande trabalho no sentido de escutar cada demanda e oferecer a ela seu melhor endereçamento.


Por outro lado, percebemos que essas pessoas novas mobilizaram o desejo nos "nem tão novos" na Delegação, especialmente no que tange aos pedidos no Procura-se Cartéis, nas demandas endereçadas aos mais-um, de tal forma que houve uma circulação de desejo no dispositivo de Cartéis. Trabalharam-se extensamente algumas demandas de "participar mais da Escola", tendo sua via régia a inscrição como "cartelizante", pois esse trabalho é declarado diretamente no coração da Escola.


Impossível não destacar que o Seminário de Orientação Lacaniana passou a ser sustentado pelo trabalho de um Cartel, que tem como participantes Membros da Escola e Correspondentes da Delegação. Outros ares também ventilaram esse espaço tão caro da Orientação Lacaniana, que se renovou e se relançou. Os participantes declaram que o trabalho de Cartel vem caminhando muito bem.


Ainda, passaram a existir, em 2013, vários Núcleos de Pesquisa em Psicanálise na Delegação Paraná. E, de novo, foi muito interessante perceber como todos esses movimentos mobilizavam questões sobre o Cartel como dispositivo de base na Escola de Lacan.


Impasses surgiram, que já tinham sido mencionados anteriormente. Vimos alguns efeitos da "desordem do real" no dispositivo dos Cartéis. No meio desses pedidos e demandas percebemos alguns "cartelizantes desbussolados". Alguns supunham que o Cartel fosse um "curso" gratuito de psicanálise e que o mais-um fosse um professor "pro bono". No entanto, no mais além dessas demandas, havia um pedido de acolhimento da instituição e verificava-se que em alguns essa "desordem do real" buscava, por sua vez, os confins do simbólico em uma aposta pelo trabalho ao pé do texto e da letra.


Nos próximos dias 6 e 7 de dezembro realizaremos nossa XIV Jornada de Cartéis da Delegação Paraná, quando novamente colocaremos à prova o desejo de trabalho e a aposta nos textos, ali onde são depositados e onde recolhemos seus frutos.

 

DELEGAÇÃO GOIÁS-DISTRITO FEDERAL

Responsável pelos Cartéis: Jaqueline Coelho

 

O tema dos Cartéis foi chamado à discussão na Delegação Geral GO/DF em uma série de conversações intituladas "Política Lacaniana". O mesmo título reúne um dos Seminários de Jacques-Alain Miller dedicado a eleger alguns princípios constituintes de uma política lacaniana. Nesta, o Cartel figura, ao lado do Passe e de Scilicet (a revista de Lacan), como uma das grandes instituições da Escola de Lacan. Como ensina Miller, "a criação do Cartel é contemporânea à criação da Escola". Mais que isso, "a Escola desde cedo é, na realidade, seus cartéis". Mais, ainda, "o trabalho da Escola se faz através de Cartéis e tudo o que é curso e seminário é deixado fora da Escola". Foi com esse espírito de ressaltar as diretrizes mais fundamentais de um trabalho de Escola que as conversações começaram e que seguem. Em 13 de dezembro mais uma edição se dará. Desta vez, com a presença de Maria do Rosário Collier do Rêgo Barros. Em 14 de dezembro, a Delegação promoverá a sua primeira Jornada de Cartéis: "O Cartel em foco". Espera-se que esta seja o ponto inaugural de uma série e que produza efeitos importantes.

 

Agenda dos Cartéis na EBP

 

DELEGAÇÃO PARANÁ

Responsável pelos Cartéis: César Skaf

 

Jornada de Cartéis da Delegação Paraná
Dia: 6 e 7 de dezembro
Local: Rua Itupava, 1810.
Convidado: Marcelo Veras

 

 

DELEGAÇÃO GOIÁS/DISTRITO FEDERAL

Responsável pelos Cartéis: Jaqueline Coelho

 

Jornada de Cartéis da Delegação Goiás
O cartel em foco
Dia: 14 de dezembro, às 9:00hs.
Local: Sede da DG-GO/DF
Rua Dr. Olindo Manso Pereira, 673. Sala 305.
Convidada: Maria do Rosário Collier do Rego Barros.

 

Durão, Fabio Akcelrud. "Sobre a relevância dos estudos literários hoje", apud Morel, Kormann Kátila. Sobre a (in) utilidade da literatura, 2008.

Este trabalho foi produto do Cartel "Qual o lugar para a Escola de Lacan?", do qual participaram Eduardo Benedicto, Fernando Prota, Paola Salinas, Cristiana Gallo e Carlos Augusto Nicéas (mais-um).

MILLER, Jacques-Alain. El banquete de los analistas. Buenos Aires: Paidós, 2010.

Ibidem, pág. 21.

Ibidem, pág. 31.

Esclareço que a transmissão aqui mencionada representou a realização de reuniões abertas do Cartel.

MILLER, Jacques-Alain. A erótica do tempo. Rio de Janeiro: Latusa, 2000.

Cartel composto por Carlos Augusto Nicéas (mais-um), Cristiana Gallo, Eduardo Benedicto, Fernando Prota e Paola Salinas.

Lacan, Jacques. "Ato de fundação". In Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 2003.

Goya, A, "Presentación". La transferencia negativa. Buenos Aires: Tres Haches, 2000.

Nicéas, Carlos Augusto. "Escrito dentro do cartel: Os cartéis da EBP", 2013/15.

Horne, Bernardino. "A Escola e o grupo analítico". In Opção Lacaniana, n° 22, agosto de 1998.

Horne, Bernardino, op. cit.

Nicéas, Carlos Agusto, op. cit.

Lacan, Jacques. "Proposição de 9 de outubro". In Outros Escritos, op. cit.

Miller, Jacques-Alain. La transferencia negativa, op. cit.

Zacharias, A. L. et al. "Transferência de trabalho e transmissão da psicanálise". Documentos para uma Escola III: um percurso de vinte anos.

Nicéas, Carlos Augusto, op. cit.

Nicéas, Carlos Augusto. "A solidão do pequeno grupo". In Dobradiça de Cartéis, n° 2. Boletim de Cartéis da EBP, julho de 2013.

Miller, Jacques-Alain. O ser e o Um. Curso inédito.

 


COMISSÃO EDITORIAL

Comissão Nacional dos Cartéis da EBP: Paola Salinas (Coordenadora), Inês Seabra, Cristiana Gallo, Cristiane Barreto e Maria Josefina Fuentes (Diretora Secretária da EBP)
Logomarca: Luiz Felipe Monteiro sobre obra de Escher

 

Dobradiça de Cartéis