Discurso de Posse
do Novo Diretor
Caros Colegas,
Tenho a honra, juntamente com minhas colegas Pepita e Glacy, de me dirigir a vocês como Diretor da EBP pela primeira vez. Começarei minha fala contando um pouco da velha Bahia.
Em um mundo cada vez mais tomado pelo esquecimento das tradições, me pergunto como localizar o sagrado? E penso na triste Bahia, cantada por Caetano como uma canção de exílio, um canto de separação. Hoje, os terreiros de Salvador, que uniam as forças dos homens aos poderes da terra, desaparecem e cedem espaço aos grandes empreendimentos imobiliários. Hoje, poucos baianos conhecem sua própria história. Faltam as palavras que os unem ao passado.
Na África, os povos Egba, Egbado, Sabé e os Kétu tiveram sua nobreza e sua ruína. Suas guerras intestinas abasteceram o comércio de inúmeros navios negreiros. Coube sobretudo aos Kétu implantar no Brasil a sua cultura. Escravos na nova terra, seus cantos e costumes os tornavam nobres outra vez. Houve um momento em que a Bahia foi habitada por Orixás. Era a Bahia dos terreiros, hoje eles são poucos. Salvador, pariu a Íyálôrisà Aninha, que deu a alcunha de Roma Negra à cidade de tantas igrejas. Na terra onde o Pai construiu a lenda das 365 igrejas, a voz da terra fez surgir as vozes femininas. Uma Ialorixá, literalmente “a mãe que possui os orixás”, é quem comanda o terreiro. É ela que detém o Iyá-l’axé, a força sobrenatural que distribui o axé. E é o axé que dá aos elementos do mundo o seu pleno significado. Todo ser pode tanto receber como distribuir axé, seja gente ou coisa. Gosto de pensar no axé como o encantamento do universo pelo significante. Algo poderoso e cheio de mistérios.
Hoje, o axé, elemento sagrado da mais solene importância na religião nagô, é conhecido apenas pela axé music, geradora de renda, cadeia de consumo que vai da estrela em cima do trio ao catador de latinhas no carnaval. Antes, a essência nagô não passava pelos livros de história, não era uma cultura escrita. A riqueza de seus cantos orais era transmitida pelos babaláwos, sacerdotes de Ifá, e passavam de geração em geração sem o intermédio da escrita. Hoje eles não existem mais no Brasil. Quase tudo se perdeu em uma Salvador, cada vez mais entregue a interesses corruptos, que tem pressa em parecer moderna e globalizada ao preço de sacrificar suas raízes. Assim, o Estádio da Fonte Nova, situado no histórico dique do Tororó, ganhou o nome de uma marca de cerveja para a próxima copa do mundo.
Em minhas buscas, é justo a tradição oral que, por caminhos onde não faltam mistérios, o interesse pela psicanálise me aproximou do sistema nagô. Foi ao escutar esses mistérios que interroguei pela primeira os limites do Édipo na cultura. Descobri um universo onde, mais além do símbolo, os corpos não falam as leis dos homens, mas as forças da terra. Cada vez que se celebra um rito nagô em um terreiro, ele não faz ressoar a mesma mensagem, ele é sempre aberto à contingência da suspensão do discurso produzindo uma manifestação singular. Nesse sentido, ele difere de uma missa católica, em que as mesmas preces são repetidas inúmeras vezes. Cada ritual abre os corpos para as forças da contingência. Para além dos enunciados, a enunciação, que depende sempre de um corpo vivo. Faço aqui menção a uma amiga, Juana Elbein dos Santos, esposa de Mestre Didi, cujas esculturas saíram da Bahia para o mundo. Ela nos diz:
“As palavras têm um poder de ação. Ignorar aquilo que é pronunciado no decorrer de um rito é o mesmo que amputar um de seus elementos constitutivos mais importantes e provavelmente mais revelador”.
Contudo, como afirma Juana, de forma criminosa desautorizou-se a força dessas palavras. O Babaláwo em muitos textos foi traduzido como Charlatão, e Exú, uma das mais importante entidades nagô, foi traduzido como Satã. O transe foi por muitos considerado uma epilepsia ou histeria. Foi com Lacan que aprendi a ver o transe de outra maneira. Ele nunca se enganou, e viu no transe místico uma conexão com o feminino que vai muito mais além do Pai e da castração.
Estas interpretações tendenciosas não deixam de estar presentes nos dias atuais. É preciso ler com cautela e saber dialogar com os psiquiatras no momento em que a chegada do DSM V, um dos pontos candentes de debate nos nossos próximos dois anos, traz fantasmas, há muito conhecidos, de manipulação da nosologia a serviço do mestre. O saldoso Moacir Scliar nos conta que foi desse modo que Samuel Cartwright, psiquiatra americano estudioso dos escravos, identificou um mal chamado de drapetomania, que era o estranho desejo de fugir que acometia alguns escravos no cativeiro. Do mesmo modo se descobriu a diestesia etiópica, enfermidade que acometia alguns escravos e que os fazia desconhecer o direito de propriedade de seus senhores.
Como vemos, os problemas não estão nos fatos, mas no uso dos fatos por interesses e poderes os mais diversos.
É irônico perceber que o analista de hoje pede ajuda ao cirurgião de ontem. Se o imperativo de estudar psicanálise o fez se distanciar do corpo, hoje, mais do que nunca, é preciso pensar o corpo. Não se trata mais do corpo e seus cortes, mas do corpo e suas edições.
O novo estatuto do corpo é a base para os grandes debates no século XXI. A descoberta de que a anatomia não mais é o destino deixou à deriva a certeza absoluta de que há complementaridade entre os sexos. O corpo tornou-se o objeto privilegiado da tecnologia. Podemos inventar máquinas maravilhosas; podemos inventar corpos maravilhosos. À diferença das máquinas, contudo, os corpos falam. Refiro-me aqui especificamente ao corpo humano, ao corpo cuja fala é índice de sua falta, e que faz dessa falta sua castração. Esta última proposição não se encaixa facilmente em um mundo que nada quer saber da castração.
Novos desafios, portanto, atravessam nossa Escola no momento em que milhares de informações sobre o corpo abrem outras respostas e outras perguntas. A ética, nosso território sagrado, foi subvertida com descobertas que expõem o abismo entre o corpo que goza e o ideal do corpo.
Estamos diante de uma dismorfofobia generalizada. Mais do que nunca, é válido relembrar a máxima de Voltaire:
“Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, e o homem pagou na mesma moeda”.
Quais desafios despontam nos próximos dois anos? Estamos em uma época ingrata para a psicanálise. Nos consultórios, como pude ouvir de inúmeros colegas, cada vez mais pacientes chegam em busca de psicoterapias de efeito imediato, muitas vezes pré-diagnosticados e pré-medicados. Poucos chegam atraídos pela psicanálise como via de acesso ao inconsciente. Prevalece a ideia de que não mais há o recalcado. Paradoxalmente, se a anatomia não mais é o destino, mais do que nunca se acredita que ela é a origem, a base que falseia nossos julgamentos éticos, condicionando nossos comportamentos e escolhas. Diante do corpus de publicações científicas sugerindo que bases genéticas determinam os comportamentos humanos, aumenta o desinteresse pela causalidade psíquica. Esta, reduziu-se no mundo moderno às situações de traumatismo psíquico, e nesses casos com frequência a vitimização trabalha no sentido de reduzir a vítima à objeto do gozo do outro, deixando pouco espaço para a implicação subjetiva. Encontramos na caça absoluta à pedofilia um exemplo eloquente dessa condição.
É um engano achar que esse pensamento advêm dos principais protagonistas da ciência e do direito. A verdadeira ciência, ao contrário, está cada vez mais próxima da ideia de que o comportamento humano é multifatorial. O discurso jurídico, está cada vez mais aberto à hermenêutica e ao saber psicanalítico. Conjuntamente com o Conselho da Escola, e em alinhamento com a Associação Mundial de Psicanálise, é parte do planejamento estratégico da nova diretoria uma ação em três níveis. Tornar o debate presente no âmbito de nossa Escola, estar presente nos debates e questões da sociedade e ter, por um lado, a humildade de perceber os limites da psicanálise e, por outro, a audácia de propor novas soluções.
Ou seja, é no terreno da política que a ciência, a lei, a educação, o mercado, e mesmo a religião tornam-se instrumentos do poder a serviço de ideologias que escolhem a certeza do gozo às vacilações do desejo, o narcisismo ao altruísmo, os homens às mulheres, o igual ao incomparável, a Ritalina à desobediência.
Devemos ficar atentos e informados dos movimentos constantes, muitas vezes instáveis, que agitam o campo das neurociências, da genética, da farmacologia entre outros. Nesse sentido, a aproximação com a Universidade é estratégica e fundamental. De onde vêm os analistas de hoje? Esta pergunta motivou o debate da última quinta feira, mas ficou longe ainda de dar respostas precisas. As escolas de psicologia reduzem cada vez mais o acesso à psicanálise. A psiquiatria está morrendo. Em Salvador - volto à minha triste Bahia - o Departamento de Neurologia e Psiquiatria da Universidade Federal mudou seu nome para Saúde Mental e Neurociências. Duplo golpe que reduz o paciente ao ser social ou ao corpo máquina, sacrificando precisamente o sintoma em sua vertente de amarração do gozo do Um ao campo do Outro. Assim, reconquistar um espaço de diálogo nas universidades nos parece uma estratégia desejável no momento atual. Após ouvir vários colegas da EBP tentamos criar uma via. Uma proposta inicial que passa pela elaboração de um cuidadoso Tratado de Psicopatologia Lacaniana que possa constar nas bibliotecas universitárias, servir de referência aos que querem se aproximar de Lacan, evitando os vícios do lacanês. Heloisa Caldas e Antônio Teixeira terão a missão de mobilizar os colegas da EBP que estão próximos às Universidades nessa tarefa. O Manual já tem uma meta de lançamento, abril de 2015 na cidade de São Paulo. Contamos para tanto com o apoio da Seção São Paulo e, na USP, com o apoio de nossa colega Leny Mrech. Esse é um primeiro passo no sentido de aprofundar na EBP o debate sustentado no Campo Freudiano a partir da Universidade Popular Jacques Lacan. É uma meta de nossa diretoria aproximar os laços, estudar as possibilidades de parcerias e convênios e informar melhor a nossa comunidade sobre as novas vias propostas por Jacques-Alain Miller em suas últimas comunicações, que exigem de todos nós um esforço a mais, um passo além de nossa zona de conforto, imprescindível para que a psicanálise permaneça viva e atuante no século XXI.
Nessa mesma linha, a interação com os Institutos, o fortalecimento de ações conjuntas com o CEREDA, o CIEN e o TyA são fundamentais para orientar o posicionamento da psicanálise lacaniana em temas candentes como as novas configurações familiares, o autismo, as internações compulsórias nas toxicomanias, a medicalização da infância, a regulamentação da psicanálise, entre muitos outros. Basta abrir os jornais para que possamos constatar que a quantidade de temas que tocam à psicanálise emergem com a velocidade dos tempos modernos. É nos jornais que aprendemos que o número de crianças medicadas para TDAH nos Estados Unidos saltou de 5,6 para 14 milhões em apenas 4 anos, ou que morreram mais soldados americanos na ativa no ano passado por suicídio do que em combate. Ou seja, é fundamental que um observatório da Escola seja capaz de nos apontar e antecipar os pontos nevrálgicos de um mundo cada vez mais ávido de novas soluções.
Diante das urgências do mundo, é importante manter na EBP um ambiente para discussão, que nem seja tão imediatista que nos obrigue a ter uma opinião formada sobre tudo, como dizia Raul Seixas, nem fazer com que a Metamorfose Ambulante da vida cotidiana nos faça parecer ortodoxos e anacrônicos demais. O papel das novas mídias nesse sentido é fundamental. Tomo como exemplo o Facebook do último XIX Encontro e que passa agora a ser o Facebook da EBP. Nada menos que 3423 pessoas estão inscritas no dia de hoje nessa página. Esse fato aponta para a necessidade da EBP e da AMP repensarem suas listas. Em uma lista tradicional, 3 mil endereços atingem 3 mil leitores. No Facebook, como a rede é exponencial - pois cada destinatário tem centenas de amigos – o impacto é muitíssimo maior. No dia de hoje pela manhã – isso muda a todo momento – a extensão do Facebook é de 1.467.670 pessoas de todas as partes do mundo. É das mídias digitais que podemos tirar alguns dados interessantes para a nossa diretoria, como origem, sexo, idade das pessoas que nos alcançam pela rede. Caberá à Bernade Pitteri e uma grande equipe de nerds nos ajudar nessas ações.
Assim, para responder à necessidade de informações e ao mesmo tempo não nos afogar em um possível excesso, nosso proposta é enviar pelo Facebook e também pelo Veredas um boletim digital mensal que chamaremos de “A Diretoria na rede”, e que já foi apelidado de DR. O nome buscou guardar ambiguidades: a hiperconexão das redes digitais (tweeter, facebook, Instagram, Blog’s e Newsletters) que nos submetem a um instante de ver vertiginoso por um lado e, por outro, um tempo para compreender, deitado na rede, preferencialmente com uma água de coco e de frente para o mar como aqui em Porto de Galinhas. Nele incorporamos as duas revistas atuais, Bibliô e Dobradiça, que passam a ser rubricas mensais trazendo notícias das Bibliotecas, que estarão a cargo de Tânia Abreu e dos Cartéis na EBP, cuja nova responsável será Paola Salinas, ambas necessitarão o apoio de dedicadas equipes, cujos membros estão sendo convidados um a um. Fernanda Otoni ficará encarregada da Bibliô entrevistas, trazendo a palavra dos autores, sobretudo dos membros da EBP/AMP. Além disso, duas a três vezes ao ano esperamos lançar o Bibliô-Referências trazendo um levantamento bibliográfico de algum tema específico. Alguns já foram pensados: Lacan e o oriente, As referências do Curso de Miller e um sobre as Supervisões na literatura psicanalítica. Contamos nessa tarefa com nossa colega Mirta Zbrun.
Uma outra rubrica do DR chamamos de Territórios Lacanianos. Esta rubrica visa trazer mensalmente uma experiência lacaniana no mundo, mostrando as invenções de nossos colegas que reescrevem e reinventam cada vez mais o conceito de psicanálise aplicada. Aldir Blanc, compositor e psiquiatra, afirmava em sua música Querelas do Brasil que o Brasil não conhece o Brasil. Digo o mesmo da EBP, a EBP não conhece a EBP. Experiências formidáveis, ousadas, difíceis, levadas por lacanianos nos lugares os mais inusitados são desconhecidas por nossos próprios colegas. Ao final de dois anos teremos cerca de 24 experiências apresentadas, o que nos servirá de base para um catálogo, não exaustivo, mas crucial para conhecer uma outra EBP que já está aí, e pouco conhecemos. Convidamos Glória Maron e Andrea Reis para nos ajudar a construir esse catálogo, e fazê-los dialogar.
No Campo Editorial manteremos a nossa revista Correio duas vezes ao ano. Com a publicação mensal do DR, que trará os conteúdos mais institucionais, será possível imprimir uma edição do Correio direcionada igualmente para o público externo, sobretudo o público cada vez maior de nossas jornadas e encontros por todo o Brasil. Esse será o grande desafio da nova equipe responsável pelo correio, liderada pela competência e experiência de nossa colega Maria do Carmo Dias Batista.
Outra iniciativa editorial visa aprofundar o entendimento da relação entre a psicanálise e a ciência. Esse tema interessa igualmente os inúmeros estudantes dos institutos do campo freudiano, bem como de muitas instituições afins. A ideia é lançar uma coleção de bolso em parceria com uma das editoras próximas à psicanálise, a preço bem econômico, intitulada provisoriamente de EBP – Coleção Psicanálise e Ciência. O primeiro número deverá sair em outubro por ocasião da vinda de nosso colega François Ansermet ao Brasil. Outros dois números já estão sendo preparados e certamente outros deverão se inscrever.
Caros colegas, sabemos que cada permutação é em si uma refundação. Todos os que me precederam tiveram diante de si que transformar em ações as três seções evocadas por Lacan no seu Ato de fundação de 64. Psicanálise pura, psicanálise aplicada e recenseamento do campo freudiano, são os pilares que, somados, dão a força e a sustentação de nossa Escola. Basta um dos pilares enfraquecer e toda a sustentação é perdida. Às vezes me bato com uma dúvida. Como a psicanálise pode ser pura se seus resultados são impuros, se sempre há no final de cada análise um resíduo ineliminável, impureza que chamamos de sintoma? Pensei então em um comentário recente por ocasião da proposta sobre o Abrasivo. A doutrina do passe nos ensina que, tal como o carvão, podemos fazer dessa impureza o nosso diamante, que é um belo adorno do feminino e ao mesmo tempo é ferramenta de precisão masculina.
Não temos a pretensão de inventar muitas coisas. Todos os colegas que nos precederam fizeram um trabalho fundamental e souberam deixar para os seguintes a experiência que hoje deixa a EBP em uma posição muito mais sólida. Muito pouco do que trazemos é novidade, o núcleo duro de nossas ações já foi criado. Cristina, Ondina e Lilany nos entregam uma flor belíssima. Mas as flores têm seus caprichos, e junto com a beleza vem a responsabilidade de mantê-la viva, e mantê-la bela. Tentarei ser um bom jardineiro.
Para finalizar gostaríamos de dar dois presentes para a EBP. No dia 21 de novembro a nossa Escola realizará um Seminário de leitura do Seminário XIX na cidade de Buenos Aires. Nesse mesmo dia uma das mais importantes artistas plásticas brasileiras comemora seus cem anos. Tomie Ohtake. Buscávamos uma imagem para ilustrar nosso Seminário que dialogasse com a imagem do próximo Encontro de Paris e ao mesmo tempo representasse um Brasil contemporâneo e singular. Graças à ajuda de nossa colega Heloisa Telles ganhamos de presente os direitos de impressão de uma obra de Tomie em nosso cartaz. O cartaz foi concebido de modo a que cada um possa emoldura-lo e ter uma imagem desta artista genial. Por isso trazemos um cartaz para cada um de vocês.
O Outro presente tem a ver com a Orientação Lacaniana. Como sabemos, foi anunciado por Jacques-Alain Miller que ele retomará seu curso esse ano. Algo de novo foi proposto e aceito por ele. Ele autorizou a EBP a transmitir seu curso em tempo real. Com a graça de Oxalá, esperamos estar com a tecnologia no ponto para essa novidade. No sentido de organizar a transmissão, tradução e catalogação dos cursos de Miller teremos a frente nossa colega Elisa Alvarenga.
Para minha amiga Cristina, antes do presente, uma última história. Seria impossível, e mesmo insensato, tentar ler a cultura Nagô a partir do Édipo e da Castração. Igbá-odú, a cabaça do universo, é formada por uma metade inferior, Oduá, que é o elemento feminino, e uma metade superior, Obatalá, o elemento masculino. A luta pela supremacia dos sexos é uma constante nas tradições Nagô. Oduá é condutora do sangue vermelho e do sangue preto do Axé, ela se ocupa da terra, da lama e da água, ela é o poder feminino, símbolo coletivo dos ancestrais femininos. Oduá cria a terra, e Obatalá cria todas as criaturas. Para os Nagô mãe e mulher não se opõem, mas são a força mesma de Oduá.
Goya Lopes é das estilistas baianas a que mais soube trazer de forma elegante as tradições da Bahia negra. Para Cristina, cujo repouso é merecido, ofereço uma vestimenta que traz a origem e o fim das coisas, para que ela se faça uma Oduá bela para seu Obatalá.
E para a Escola, juntamente com minhas formidáveis Oduás, Pepita e Glacy, longe da banalização dos ritos, e de ser apenas uma palavra turística e comercial, desejamos a todos, dentro da mais fiel tradição oral, fundamental ao próprio ensino de Lacan, o nosso mais respeitoso Axé.
Marcelo Veras
Salvador, 28 de Abril de 2013