Boletim da Rede Tya Brasil

Editorial

Tendo em nosso horizonte o I Encontro da Rede TyA Brasil que será realizado no dia 20 de novembro próximo, convidaremos a cada boletim, um colega para contribuir com um pequeno texto epistemológico que vem fomentando a investigação do Núcleo , cartel, ou Delegação de seu estado. Nesse sentido temos nesse número o aporte de Renato Vieira, que vem sustentando, desde o início do ano, um Seminário junto à Delegação Espírito Santo cujo título é: Como a psicanálise de orientação lacaniana lê as manifestações dos Toxicômanos e dos alcoolistas no século XXI? Neste número também consta a programação do nosso I Encontro e os eixos temáticos para envio de trabalhos. Também publicamos informações sobre as inscrições e lembramos que as vagas são limitadas.


Desejamos a todos uma boa leitura!

 

Droga-Sintoma = Estrago

Renato Carlos Vieira

 

A psicanálise trata as questões dos seres humanos levando em consideração as estruturas de ficção da verdade e as manifestações do real que insiste.


Numa relação droga-sintoma, sem mediação, é provável que o resultado seja um estrago. Isso pressupõe uma deflação do desejo e uma hiperinflação de um gozo sem limites.


Pressupõe ainda um empobrecimento do uso da ordem simbólica, materializado por um declínio da palavra. Neste sentido, já não estamos mais no tempo em que o simbólico dominava o real.


Miller diz que o simbólico, no sentido de Lacan, é uma cadeia significante (Miller, J.-A. El partenaire-síntoma. p.15). Esta cadeia significante simbólica é a lei que rege os efeitos determinantes para o sujeito.


Não se trata de uma abstração, afirma Miller. Todo o esforço de Lacan foi para mostrar como o jogo de palavras, o lapso, o mal entendido, determina uma existência onde o real é evacuado.


Significa dizer que neste cenário a repetição não provém do real. O real é anulado. O gozo não está corporizado, ele é evacuado. Nesta perspectiva o corpo é mortificado pelo significante.


Logo, temos um sintoma em sua relação com a verdade. O sintoma é verdade. A verdade se apresenta sob a forma de sintoma. O que está recalcado é a verdade e seu retorno se faz sob a forma de sintoma. Isso perturba o sujeito.


Contudo, ao longo de seu ensino, Lacan começa a perceber que o sintoma não é uma disfunção e sim um modo de funcionamento. Ele não se opõe ao campo do real, ele participa deste funcionamento. Logo, é da mesma ordem que o real (Miller, J.-A. Idem, p.26).


Nesta perspectiva, o sintoma é um aparato de suplência que permite que o funcionamento siga seu curso. O sintoma é mais do que uma formação do inconsciente. O sintoma é a continuação do gozo por outros meios. O sujeito goza através do sintoma. O sintoma se presta para representar satisfações.


Não se trata mais do sintoma como verdade, mas sim do sintoma com o gozo.


Temos então um divisor de águas. Por um lado, a referência à castração (-φ) é a trilha radical do sujeito por onde tem lugar o advento do sintoma.


A chave do sintoma-verdade é a castração e neste sentido se presume a anulação do gozo. O sintoma está do lado do $. Por outro lado, todo o último ensino de Lacan diz que a trilha radical por onde tem lugar o advento do sintoma não é a castração, mas sim o gozo.


O último ensino de Lacan vai pensar o sintoma a partir do objeto mais-de-gozar. Em resumo, Lacan constata que o que se realiza na castração não é a anulação do gozo, mas sim uma produção de mais-de-gozar.
Portanto, não se pode mais apresentar o sintoma como sendo apenas a verdade do sujeito. Para além disso, o sintoma designa uma maneira de gozar. O gozo então se apresenta sob a forma de sintoma. Isto quer dizer que o ser falante goza de modo sintomático.


O sintoma como verdade é uma formação do inconsciente. Por outra via, o sintoma como gozo é um meio da pulsão que traduz uma exigência insaciável. Uma vontade de gozo.


Já algum tempo nos deparamos com situações onde, na eleição do parceiro-sintoma, a droga produz um gozo auto-erótico. Uma insubordinação ao serviço sexual, disse Miller.


Tal constatação nos leva a abordar o fenômeno da toxicomania como um modo de gozar radical, muito aquém das formações do inconsciente. Em outras palavras, a droga-sintoma produz um estrago.


Portanto, a partir da experiência analítica o que podemos dizer da toxicomania? Como distinguir as manifestações generalizadas da ascensão do mais-de-gozar ao zênite de uma aflição pior que um sintoma?
São estas e outras questões que estamos nos debruçando para o I Encontro TyA Brasil.


Referências bibliográficas:

Miller, J.-A. Para una investigación sobre el goce auto-erótico. In: Sujeto, Goce y Modernidad. Instituto del Campo Freudiano - Buenos Aires: TyA; 1993.
Miller, J.-A. El partenaire-síntoma. Buenos Aires: Paidós, 2008.
Tarrab, M. "Algo peor que un síntoma". Em: www.antroposmoderno.com/antro-articulo.php?id_articulo=652

 

I ENCONTRO DA REDE TOXICOMANIA

E ALCOOLISMO (TyA) – BRASIL

"ADIÇÕES, CORPO, VIOLÊNCIA: O QUE ESTÁ EM JOGO HOJE? "

 

Dia 20/11/2014
Das 8h às 17h30m
LOCAL: Sede da EBP/MG: Rua Felipe dos Santos, 588.
Valor: R$65,00. Depósito no Banco Itaú. AGÊNCIA: 4540. Conta Corrente: 02333-2.
Após o depósito, enviar o comprovante e a identificação para os seguintes endereços eletrônicos:
ipsmmg@institutopsicanalise-mg.com.br e para mwilma62@gmail.com
Vagas limitadas

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ENVIO DE TRABALHOS:
Trabalhos coletivos com no máximo 7.000 caracteres (com espaços) em fonte Times New Roman


PRAZO DE ENTREGA: 12/10/2014

 

Programação

8h às 8h30: Credenciamento
08h30 às 09h30: Conferência de Mauricio Tarrab
09h30 às 10h: Debate
10h às 12hs: Apresentação de trabalhos e debate
12hs às 14hs: Almoço
14h às 15hs: Conferência de Fabián Naparstek
15h às 15h30: Debate
15h30 às 17h30: Apresentação de trabalhos e debate

 

Eixos de trabalhos

A psicanálise frente às inúmeras manifestações tóxicas. Compulsões. Adicções receitadas.
O saber científico se organiza em torno da harmonia dos sistemas e da proporcionalidade das funções, conferindo unidade a um corpo que resiste a funcionar segundo tal ideal. Atravessado pela linguagem o corpo pulsional não goza de harmonia. A prescrição de medicamentos leva à cumplicidade: falsa demanda do paciente e falsa resposta. Por que o consumo torna-se ritualístico e, nada pode ser suprimido, mas, acrescentado? "Foraclusão Standard" do sujeito do inconsciente? A ciência diz que a depressão, por exemplo, não tem sentido ela tem uma causa. A psicanálise diz, não, a depressão tem um sentido e esse sentido é a causa.


Cenários urbanos: segregação, espaços e outros discursos

Há uma grande desordem no real e uma nova ordem simbólica em jogo. A pólis constitui o cenário privilegiado onde se apresentam as multifacetadas expressões da subjetividade pós-moderna, entre elas o consumo abusivo de substâncias. Tribos heterogêneas, espaços demarcados, discursos múltiplos. Lado a lado com o delírio de homogeneização, a segregação e seus efeitos – um dos quais, a violência. Quais as interferências possíveis do discurso analítico nos trilhos urbanos em face a esse desenho?
Violência contra si e suicídios cotidianos: o corpo aviltado; o real em jogo


Encontramos na clínica um número significativo de sujeitos que colocam o corpo em risco, o corpo aparecendo em sua dimensão de resto, de real para além de sua dimensão imaginária e simbólica. Interessa-nos indagar como pode a psicanálise de orientação Lacaniana contribuir frente a essa manifestação da violência encarnada no corpo.


A droga e a passagem ao ato

Sabemos com Lacan que a passagem ao ato significa a dissolução do sujeito que, por um momento, se torna puro objeto. A experiência analítica com sujeitos psicóticos adictos nos ensina que a passagem ao ato, isto é, o desprendimento do sujeito da sua frágil trama simbólica, acontece com frequência como efeito da interrupção do uso que o sujeito faz da substância. Isto nos faz pensar, para além do furor sanandis, que há usos que permitem ao sujeito fazer uma borda a um gozo deslocalizado, através de uma nomeação, por exemplo: "viciado". No "Sou viciado" tratar-se-ia, então, de poder definir se o que está em jogo é uma identificação que lhe atribui ao sujeito um lugar na trama social.


Comissão Científica: Cassandra Dias, Lenita Bentes, Maria Célia Kato, Maria Wilma Faria, Oscar Reymundo, Pablo Sauce e Renato Vieira.


Comissão de Organização: Cassandra Dias (Paraíba); Pablo Sauce (Bahia); Renato Vieira (ES); Lenita Bentes (RJ); Maria Wilma Faria, Cristina Nogueira, Maria Rachel Botrel e Daniela Dinardi (MG); Giovanna Quáglia (DF); Eliane Nunes, Maria Célia Kato (SP) e Oscar Reymundo (SC)