Carta a quem deseja conversar

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Tânia Abreu

 

Meu caro amigo eu não pretendo provocar
Nem atiçar suas saudades
Mas acontece que não posso me furtar
A lhe contar as novidades
(Chico Buarque de Hollanda)

Queridos colegas da EBP,

Como estão? Não vejo a hora de poder encontrar-lhes pessoalmente e reviver o clima de trabalho que nos caracteriza, movidos por uma transferência de trabalho que a pandemia do Coranavírus não conseguiu arrefecer. Desde dezembro de 2020, quando fui nomeada AE, anseio em reencontrá-los para compartilhar, presencialmente, tanto as alegrias quanto as inquietações de uma nomeação. Mal posso esperar pelo dia que verei no olhar de vocês alegrias, aprovações e reprovações. Não importa o quê, mas desejo vê-los!

E por falar em nomeação, vamos conversar sobre o Passe e seu estatuto na EBP? Tenho aprendido muito sobre este dispositivo da Escola de Lacan, sua pertinência à Escola Una, mas as inquietações, dúvidas e dificuldades não cessam de se inscrever.

Decidi então escrever esta carta, a quem interessar possa, para compartilhar meus questionamentos que não param de alimentar o infinito do meu particular. Vi, na criação deste Blog, por orientação da AMP, a chance de trocarmos notícias do lado de cá e aguardar as que venham do lado de lá.

Ando às voltas, dentre muitos pontos, com o ensino do Passe na Escola e com a função de um AE dentro dela. Sei que os temas dialogam borromeanamente, mas não se sobrepõem. Como prova, ressalto que o ensino do Passe é obtido a partir do testemunho dos AE, mas deve ir além deles, abarcando o ensino que nos é transmitido pelos informes dos Cartéis do Passe, por exemplo.

Laurent, em texto do ano de 2000, nos diz que: “A Escola do Passe é a Escola do discurso sobre o Passe, sobre os AE, sobre o funcionamento do dispositivo, seus resultados”. (Esta pequena tradução é de minha responsabilidade e o texto se chama “Usages de l’AE”, de junho de 2000[1]). Na sequência do texto, o autor se interroga sobre os usos que se pode fazer de um AE em uma Escola, já que há várias modalidades de AE, sendo impossível uma definição única. Ele elenca ao menos duas modalidades de AE: aquele que se envolve no funcionamento da Escola como o Mais-Um de um Cartel e aquele que atua como êxtimo ao funcionamento da Escola. Não desenvolverei estes pontos, pois o que me interessa é acrescentar uma terceira modalidade de uso do AE em uma Escola e que tem, sobremaneira, me inquietado.

Em maio de 2021, quando do lançamento na ELP do seu livro Polêmicas políticas, Jacques-Alain Miller lançou a ideia do AE como intérprete da Escola. Ideia que anda de mãos dadas com uma outra que é tomar a Escola como sujeito, portanto interpretável – vide “Carta italiana”. De maio para cá, venho me inquietando sobre o que quer dizer, “AE, intérprete da Escola” e, devo confessar, ainda não encontrei respostas para esta questão. Certamente, como advertiu Sérgio Laia em uma conversa, não se trata de uma “mera posição crítica”.

Algumas hipóteses surgiram: trata-se de uma afirmação que nos aponta que um AE deve transmitir não só o que aprendeu em sua própria experiência de análise, mas também em sua experiência de Escola? E ainda, que o ensino de um AE deve também abarcar temas candentes de nossa civilização, visto que o analista deve acompanhar o horizonte de sua época, sob pena de, ao não o fazer, dever desistir de sua função, como aprendemos com Lacan? Seria esta função coincidente com aquela de extimidade apontada por Laurent?

Para concluir minha inquietante carta, peço-lhes que compartilhem comigo o que pensam sobre minhas incipientes hipóteses e que me mandem notícias de como andam as coisas do lado de lá, do lado do particular do infinito de cada Um de vocês.

Contando os dias para nos vermos, me despeço com um forte abraço em cada um e com o desejo que nosso Blog avance! Depende de nós!

Salvador, 25 de fevereiro de 2022


[1] http://lemessager.online.fr/LaQuotidienne/quotidienne12.htm.