Susane Zanotti
Gostaria de agradecer ao Conselho da EBP o convite para falar sobre o silêncio e a angústia, relativo ao tema do Congresso de membros “Modalidades do silêncio: entre o dizer e o calar”.
Vou abordar a questão do silêncio articulada à angústia a partir de três aspectos: no lugar do silêncio, a fala; o silêncio remete ao gozo; silêncio e ato.
No lugar do silêncio, a fala
Freud, em “O infamiliar”, nomeia o silêncio, ao lado da solidão e da escuridão, como um dos fatores ligados à angústia infantil, que não desaparece por completo na maioria das pessoas.[1] Essa ligação entre silêncio e angústia é explicitada por Freud em “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” a partir do célebre diálogo entre um garoto de três anos, com medo do escuro, e sua tia. O garoto pede que a tia fale com ele, ao que ela responde: “De que adianta? Você não está me vendo”. E ele localiza o que está em questão: “Não importa, quando alguém fala, fica claro”[2]. Trata-se da pessoa amada, capaz de iluminar a escuridão e incidir sobre a angústia. Assim, isolamos o silêncio e o efeito da presença da fala no apaziguamento da angústia.
O silêncio remete ao gozo
Lacan, no Seminário 10, A angústia, ao mencionar o caso freudiano sobre o Homem dos Ratos, em seu destaque ao gozo, diz: “[…] Freud chama, em outro lugar, de horror ao gozo, ignorado pelo Homem dos Ratos, um gozo que ultrapassa qualquer referenciamento possível do sujeito […]”[3]. Ao contar a Freud sobre o suplício do rato, ele apresenta dificuldade em continuar e interrompe a descrição da cena, do castigo. É notável o modo como a satisfação, como gozo, coloca em cena o corpo do Homem dos Ratos, gerando angústia. Angústia que emerge entre o gozo e o desejo. Dessa cena, delimitamos que a fala falha diante do gozo. Temos aí um aspecto essencial, destacado por Miller em Silet: os paradoxos da pulsão, de Freud a Lacan: “uma afinidade mais profunda entre o silêncio e o gozo, um desfalecimento da fala diante do gozo”[4].
Silêncio e ato
Lacan, igualmente no Seminário 10, serve-se do caso de plágio, atendido por Ernst Kris para explicitar uma forma de ato em relação à emergência do objeto a e à angústia – o acting out. Trata-se da resposta ao fato de Kris mostrar a seu paciente, de maneira irrefutável, que ele não é plagiador, ao que o sujeito silencia. Sobre essa interpretação, Lacan afirma: “Com os miolos frescos, o paciente simplesmente faz um sinal para Ernst Kris: tudo o que o senhor diz é verdade, mas simplesmente não toca na questão; restam os miolos frescos. Para mostrá-lo ao senhor, vou comê-los ao sair, para lhe contar isso na próxima sessão”[5]. Os miolos frescos entram em cena. O acting out é uma mostração velada, mas não velada em si. É alguma coisa que se mostra na conduta do sujeito… como um apelo ao Outro e uma barreira à angústia.
Como levar as coisas para além do limite da angústia?
Concluo com uma citação de Lacan sobre o desejo do analista, no final do Seminário 10, no intuito de relançar a reflexão sobre o silêncio e a angústia: “Certamente convém que o analista seja aquele que, minimamente, não importa por qual vertente, por qual borda, tenha feito seu desejo entrar suficientemente nesse a irredutível para oferecer à questão do conceito de angústia uma garantia real”[6].