Freud anunciou que a clínica psicanalítica teria que se haver com os restos irredutíveis do gozo e com a presença de um supereu feroz. O caminho de Lacan seguiu essa direção e depois de construir a estrutura da supremacia do significante com seu efeito de sujeito, terminou colocando a relação com o gozo como central na experiência psicanalítica e formulando que todo é mundo louco. No seminário 21 ele formula um “recomeço” com a valorização do imaginário como modo de abordar o real e uma maneira nova de tomar o simbólico parasitário.
Uma das maneiras de pensarmos essa mudança na clínica é dizer que estamos diante da queda do falocentrismo. Partimos da constatação de que o discurso do neurótico para se defender do real não é mais a norma e não nos basta, em nossa prática, enlaçar o sintoma, o inconsciente e o gozo fálico. Quando a metáfora paterna é inoperante, a libido deixa de se concentrar na significação fálica. Ela se dispersa em distintas localizações no corpo, provoca uma série de acontecimentos desordenados, e às vezes se concentra num nome que é índice do ser do sujeito, o que encontramos em Schreber com o nome de voluptuosidade da alma.
Temos uma clínica orientada pela fantasia, clínica masculina, do Outro e da significação fálica e outra que não dispõe desse recurso, clínica do sinthoma, clínica feminina do não-todo, clínica sem o Outro, do Um sozinho, na qual o enlaçamento transferencial e com a palavra vai se fazer pela nomeação e não pela construção de cadeias significantes que permitam o retorno do recalcado e a localização de um sujeito e um objeto. Marie-Hélène Brousse retoma a indicação de Lacan de que encontramos no contemporâneo uma lei de ferro onde o Nome do Pai deu lugar ao nomear para, um novo lugar para a função de nomeação. Eric Laurent propôs em Barcelona que, como o real escapa de ser escrito, resta a possibilidade de nomeá-lo.
Podemos tomar dois caminhos para abordar a queda do falocentrismo. O primeiro diz respeito ao que aprendemos com o testemunho dos AEs sobre o final da análise e do ponto em que, após o atravessamento da fantasia, algo do sentido que ele ofertava ao sujeito pode ser dispensado. Aqui a nomeação do gozo é efeito do trabalho de depuração de uma análise, a partir do traço que os neuróticos apresentam como insubstituível e singular.
O segundo caminho diz respeito à clínica contemporânea que nos põe diante de sujeitos que não contam com a significação fálica, nem com o Nome-do-Pai como recursos para amarrar seus registros RSI. Trata-se da clínica das depressões, dos distúrbios alimentares, das psicoses ordinárias, da pulsão sem transferência, da violência, da relação com o gozo não mortificado.
De qualquer jeito, um caminho não anda sem o outro, já que todo mundo é louco, todos somos iguais diante do gozo e a clínica do final de análise deve ser tomada como orientadora da clínica que não conta com esses recursos, mas que pode ser iluminada por eles e nos possibilitar formular algo sobre as outras formas de nomeação do gozo.
Se podemos prescindir da função do pai é com a condição de colocar em função a linguagem, não contando com a aniquilação do gozo. A metaforização do gozo na língua vai se fazer sem a ajuda dos Nomes-do-Pai, mas com os recursos do sinthoma, por meio de uma articulação entre gozo e significante, articulação ligada ao corpo. Assim o sexo passou a ser uma invenção a cargo de todos os seres falantes que sofrem da mesma carência de saber em que a sexualidade concerne e isto se faz por fora da norma edípica.
A clínica contemporânea dos LGBTI nos traz a busca das nomeações a partir de uma identificação com um tipo de gozo, a partir da categoria de gênero, que estão fora do Nome-do-Pai e que muitas vezes buscam eliminar a diferença e o real da não-relação sexual. Elas nos indicam uma tentativa de dispensar a construção fantasmática, deixando de lado as determinações simbólicas produzidas a partir do encontro do sujeito com o desejo do Outro, o que o Édipo exatamente vem nomear.
Milner introduziu as classes paradoxais que são aquelas que nomeiam as multiplicidades reais que não se deixam classificar em nenhuma outra classe e por isso mesmo resistem a fazer comunidade. Quando a análise permite reduzir o sintoma ao modo mais particular de gozo de um sujeito, produzimos uma classe paradoxal. Se chamamos o produto dessa operação de classe, é porque esta singularidade se estabelece a partir de um furo e de um impossível que vale para todos no nível do gozo, havendo, por isso, um universal na origem dessa classe.
O ensino do final de análise nos orienta sobre a questão da nomeação. Podemos abordar cada sujeito como uma exceção em si mesma a partir de seu elemento insubstituível. Por isso as nomeações que decorrem da psicanálise são não segregativas. Interessa-nos pensar o trabalho do analista, seu fazer verdadeiro, com sua presença, sua vociferação e seu corpo vivo como modos de intervenção nesse caminho da nomeação diante de um real que é expulso do sentido.