Em “A linguagem aparato do gozo”(1), Miller aponta as distinções quanto à produção das condições que determinam “o encontro do objeto na puberdade” em Freud e em Lacan. O que Miller postula é que em Lacan o conceito de sexualidade ganha novos matizes, pois, se para Freud o encontro com o objeto encontra-se determinado pela “condição do amor”, para Lacan, a ênfase é posta na “condição do gozo”. Assim, se Freud parte do sexual para universalizá-lo, Lacan deslocará o que é propriamente sexual para o corpo a corpo, para a construção do parceiro sexual(2).
Como destaca Miller, para Freud a pergunta que fica em aberto com a puberdade refere-se ao que ele circunscreve no campo pulsional: “como pode a pulsão que é auto-erótica por definição, abrir-se para dirigir-se ao Outro enquanto tal?”. Enquanto que, para Lacan, a pergunta recai no campo objetal acerca de qual será o parceiro do sujeito nesse encontro com o Outro corpo enquanto sexuado, já que Lacan indica com precisão que o verdadeiro parceiro do sujeito é o objeto a, em sua função de separação para o sujeito.
Por caminhos distintos, o que Freud e Lacan demonstram é que o real em jogo na puberdade apresenta-se sob a forma de um enigma que “não cessa de não se inscrever” e gerar culpabilidade frente a desejos contraditórios diante dos quais o jovem é pressionado a fazer escolhas, numa espécie de suspensão temporal entre a criança que ele foi outrora e sujeito responsável que deverá advir imediatamente(3).
Desse modo, a teoria psicanalítica permite-nos situar a encruzilhada universal a ser atravessada pelo sujeito, no paradoxo revelado em um ponto crucial: a maturação torna possível a realização de um ato inédito, o ato sexual, no momento mesmo em que o sujeito desperta para o impossível da relação sexual, fazendo com que, em última instância, a crise da adolescência possa ser denominada de “crise do pai”, face a necessidade do jovem de construir semblantes que revesem com a função pai, pois como lembra Hugo Freda(4), os atos adolescentes tem um sentido preciso, reinventar a figura do Pai, pois, sem pai não há desligamento e, portanto, não há como ultrapassá-lo servindo-se dele.
Esse é, portanto, o ponto em que podemos distinguir uma clínica na qual o sujeito pode fazer uso da fantasia para encontrar o objeto, tal qual postula Freud, de uma clínica do “modo de gozo” que temos conhecido na contemporaneidade. Uma clínica onde há uma prevalência do fazer em lugar de dizer como paradigmático das novas formas de sintoma, em um tempo em que os objetos valem mais que os ideais, interferindo claramente nos processos identificatórios na medida em que o “mais de gozo” excedente em nossa sociedade capitalista produz alterações na constituição do Ideal do Eu, enquanto um traço do Outro do qual o sujeito se serve para apresentar-se como desejante.
O Ideal do Eu é apontado por Lacan em logicização dos tempos do Édipo, como apaziguador da ferocidade do “super-eu”, uma vez que, enquanto insígnia fálica permite que o sujeito, no declínio do Édipo, possa transformar o gozo perdido em uma causa maior, a causa do desejo.
Quais são as chances para que o sujeito possa se valer da herança paterna no momento mesmo em que, na puberdade, ele precisa ultrapassá-lo?
Lacan, no “Prefácio ao Despertar da Primavera” de Wedekind, sustenta que para fazer amor com as moças é preciso que antes os rapazes tenham sonhado com isso, condição também para que se possa despertar para o objeto que tão logo reencontrado introduz para o sujeito uma divisão, uma vez que o encontro com o objeto faz furo no real, comportando, nesse tempo de despertar um apelo ao Outro para que o sujeito possa reconectar o gozo liberado pelas transformações da puberdade.
Para compreendermos, portanto, o contexto em que encontramos as novas formas de sintomas, o contexto em que encontramos o sujeito a mercê do desvario do gozo, em franca ruptura com o Outro da linguagem, o Outro enquanto lugar de endereçamento, é importante que possamos nos valer da Conferência que Miller proferiu em Comandatuba, quando ele demonstra de modo surpreendente que os elementos que insistimos em apontar como responsáveis pelos descaminhos do gozo na contemporaneidade, são os mesmos elementos que encontramos presentes no discurso analítico, com a diferença de que no discurso analítico esses elementos se apresentam articulados, constituindo para o sujeito uma causa, enquanto que os discursos contemporâneos se constituem exatamente pela dispersão, que incide sobre o sujeito desconectando, desbussolando, uma vez que o objeto a é a bússola para a pulsão.
Assim, se a psicanálise nos ensina que os destinos da pulsão são determinados pelo objeto, objeto a, reconhecemos, na contemporaneidade, que esse é também o objeto que desgoverna a pulsão, produzindo-se desse modo, ao invés de inibição frente ao gozo, a desinibição, e, sobretudo, um apagamento do sintoma face aos usos do corpo como modo do sujeito gozar autisticamente, quando o sujeito consegue, com os objetos feitos para gozar, desconhecer o corpo enquanto corpo do Outro, corpo erógeno, rompendo com a orientação do gozo fálico.
O apagamento do sintoma impede, portanto, o acesso a fantasia, no sentido mesmo em que se percebe que é preciso que o sintoma esteja presente na clínica para que na direção do tratamento, a fantasia possa ser conectada e, através de seu ultrapassamento alcançar a retificação do modo de gozo que ela fixou, implicando, sobretudo, que o “modo de gozo” implique a constituição de “um modo de vida”.
Lilany Vieira Pacheco (Membro da EBP/AMP)