A proposição de nos debruçarmos sobre a “queda do falocentrismo” diz respeito a um para além do que consideramos como a significação fálica decorrente da instalação do Nome-do-Pai, desde a concepção clássica da neurose em Lacan.
Miller aponta para o momento do desencadeamento da psicose de Schreber, no qual, a separação dos três registros se torna evidente. Há irrupção do real e a reconstituição imaginária se coloca sem “o gozo fálico do qual (Schreber) logo se despedirá” [1]. Isso nos esclarece que mesmo que não ocorra a significação fálica na constituição do sujeito, é facultado a ele servir-se do falo para estabelecer um certo laço social e dele gozar.
Schreber serviu-se do poder da palavra para garantir seus direitos como cidadão com a capacidade de gerir seus bens materiais. O falo denota o que da junção do significante com o imaginário possibilita um semblante que é capaz de enlaçar o outro.
É importante, portanto, fazer a diferença entre a utilização do falo e a significação fálica. Essa última, está articulada à castração.
A significação fálica é constituída a partir da operação da metáfora paterna que indica que o sujeito consentiu na castração, na perda de gozo auto-erótico, para fazer parte do mundo ordenado pelo simbólico. Trata-se de ser ou não ser livre das amarras significantes.
A significação fálica opera como um “fazer crer” ao sujeito de que ele se constitui como uma unidade. Ele crê que há uma ordem na junção mais íntima com seu corpo, com o outro social, com as ideias que se lhe apresentam, e com a sexualidade. Lacan nos provoca ao afirmar que o sujeito pensa que tem um corpo. Ele não o tem. O corpo permanece Outro.
Pelo fato de a significação fálica estar atrelada ao falo, denuncia-se a ineficácia da operação neurótica em garantir uma solução que não possa ser questionada. Há uma marca de gozo da qual o sujeito não se livra, mas ele pode inventar novas versões para essas marcas.
Propor que há uma queda do falocentrismo é uma maneira de fazer avançar, a partir de Jacques Lacan e de Jacques-Alain Miller, a ideia de que a neurose é ineficaz para incluir o impossível da relação sexual.
O dispositivo do Passe nos serve para constatar que o final de uma análise ocorre pela destituição do Nome-do-Pai como marca-passo da neurose. Porém, a marca de gozo definida pelo toque do significante no corpo permanece indelével. Há algo do gozo que resta. Isso tem nos colocado em permanente discussão na AMP sobre o destino do falo no final da análise. Ou seja, com a destituição do Nome-do-Pai na ordenação do gozo do sujeito, a significação fálica se desfaz. Porém, o AE não comunica sua experiência sem referência ao falo.
Temos chamado tais momentos de escabelo, ou seja, os AEs tomam a palavra para fazer valer o que os mantém no laço social, mesmo tendo se livrado do Nome-do-Pai. Um novo laço social se coloca, nesse caso, em relação à causa analítica.
Consideramos assim que uma análise pode levar o sujeito a livrar-se da fixidez de gozo marcado pelo falo, sem perder de vista as consequências do real que aí se instalam.
Por que não considerar que com as reviravoltas do mundo, o sujeito não possa busca novas versões para além daquelas advindas do significante que o marcou na sua constituição fálica?
Freud denunciou que o pai é um impostor, apontando para uma queda da hierarquia do pai ou do chefe . Podemos considerar com Lacan, a partir disso, que a psicanálise serviu para o aparecimento dos novos sintomas, ou seja, novas maneiras de se colocar no mundo sem que o gozo propriamente dito seja modificado.
O Estádio do Espelho é um campo onde se joga a partida e o simbólico faz sua inserção a depender do Outro que se avizinha. Assim, se o mundo mudou com o advento dos discursos da ciência e do capitalista, novas versões se tornam possíveis, mesmo para aqueles que articularam o falo à castração.
Novas versões de gozo são buscadas e chegam em nossos consultórios. É a partir da prática analítica é que temos enfrentado esse tema.
A partir da proposição de enfrentarmos a queda do falocentrismo na vertente da queda da potência do pai, entendo que podemos manter o discurso analítico como uma maneira de subverter as novas formas imperativas de gozo.
Rômulo F. da Silva (EBP/AMP)