O Coaching na queda do falocentrismo
Acompanho Lacan quando formula que o sujeito se constitui a partir do significante. Os significantes representam o sujeito para outros significantes. Esse campo, simbólico, dissocia o falo do órgão, da anatomia, e evidencia seu viés de significante conectado à palavra.
No Seminário V,[1] Lacan define o falo como um significante que dá uma significação à falta e organiza um conjunto simbólico para que o sujeito possa se construir como autor de significações. Essas significações decorrem de seu consentimento: um dizer que sim à função do Pai. A criança aceita as respostas dadas por seu pai diante de suas perguntas e não exige explicações porque não tem. “É assim porque é assim”. “Você não terá para sempre sua mãe”. A significação fálica é isso: um produto do Nome-do-Pai indicador do consentimento da castração simbólica.
Nesse Seminário formula a lógica do falo a partir da estrutura do Édipo tendo como pivô a castração.
No primeiro tempo, está o desejo enigmático da mãe. É o confronto com a castração materna que conduz a significação da castração na dialética subjetiva. Essa incógnita do objeto faltante pode ser significada em termos de falo. Para agradar à mãe, diz Lacan, é necessário e suficiente ser o falo.
Esse momento da identificação fálica é extremamente valorizado por Lacan pela importância que tem na subjetivação da criança. Etapa fundamental para ser vivenciada e, ao mesmo tempo, ultrapassada – uma satisfação transitória.
Em um segundo momento, o pai opera privando a mãe, intervindo: “acabou a satisfação”. A castração, nessa etapa, diz respeito à privação da mãe. O “não” do pai deve ser veiculado para a criança pelo discurso materno retirando-a da posição de falo na qual ela e a mãe encontraram satisfação.
Esse é um estágio essencial, pois o pai como mediador desvincula a criança da identificação fálica, ao mesmo tempo em que a remete à lei.
O terceiro momento se estabelece a partir do pai, que tem algo a oferecer. Ele tem o falo e põe à prova sua potência. É o tempo das identificações.
O pai intervém reinstaurando o falo como objeto do desejo da mãe. A criança fica assim desobrigada da missão impossível de ter que ser o falo da mãe.
Nesse tempo, há ainda algo fundamental: a permissão, a promessa que autoriza a criança a prosseguir.
Lacan destaca no texto Os complexos familiares na formação do indivíduo que o pai dá um prêmio ao filho por meio de uma promessa ideal. “Você um dia não terá sua mãe, meu filho. Porém…” O pai diz sim, autoriza, mas no contexto de um “não terás tua mãe”. Há um interdito fundamental: não se pode gozar sem limites.
A metáfora paterna institui, assim, a ordem simbólica, a ordem dos significantes cuja significação definirá as posições que o sujeito pode tomar em relação ao significante paterno.
Vale ainda destacar momentos de vacilação na função normalizante no complexo de Édipo. Não necessariamente como efeito da foraclusão, mas como causa de uma perda temporal dos emblemas paternos que levam o sujeito a retornar ao projeto materno.
Assistimos hoje à dissolução dos significantes mestres da tradição que hierarquizavam os laços sociais. Significantes que, até então, serviam de norte e orientação para o sujeito na civilização. “[…] o espírito da modernidade […] aniquila as tradições”.[2]
No curto-circuito da via paterna, o sujeito desorientado vai em busca de novas versões do Outro. Entre elas, ganha um espaço cada vez mais extenso e expressivo o coaching – patrocinador de orientação para o sujeito.
A palavra coaching apareceu pela primeira vez na era medieval, com a figura do cocheiro, o homem que conduzia a carruagem. Os cocheiros eram especialistas em treinar os cavalos para que estes puxassem as carruagens. Com o tempo, o termo coach passou a ser usado para se referir a um instrutor ou treinador de atletas, “mas em algum lugar da história, ele compartilha um ancestral comum com o verbo em inglês coax, que significa persuadir”.[3]
O coach se coloca como um defensor do sucesso propiciando ao sujeito ser o expert de sua própria jornada. Uma possível compensação imaginária diante da evaporação do pai para alguns sujeitos, em alguns momentos.
É um campo que oferece significações com o objetivo de alargar a consciência gerando ações efetivas que encorajem o cliente a encontrar soluções eficientes e produtivas. Isso se dá através de modelos, técnicas de apoio, tornando o sujeito autoconfiante, independente, produtivo, líder, proativo. Identificações que funcionam como objetos fálicos preciosos para a lei do mercado correlativo à posição da criança idealizada “Sua majestade, o bebê”,[4] para o Outro materno.
Esta linha de trabalho nos aproxima, guardando as devidas distâncias, do conceito de “nomear para”, que Lacan, no Seminário XXIV, formulou para os casos de psicose.[5] No momento atual, ele nos serve como instrumento, para dar um novo lugar à função de nomeação diante da queda do Nome-do-Pai. Trata-se de uma ordem de ferro que curto-circuita a significação fálica designando um projeto para o sujeito cada vez mais fiel ao mercado. Essas identificações, em algum momento, desalojam-se e seus efeitos acolhemos na clínica.
Nos dias de hoje, recebemos sujeitos inseridos no mundo dos negócios, já submetidos a várias formas de coaching, apresentando severas inquietações e acontecimentos de corpo. As identificações construídas até então vacilam ante a demanda voraz do mercado diante da qual a oferta de trabalho é experimentada como insuficiente gerando situações de constante ameaça. Um real retorna e produz seus efeitos.
O discurso analítico, nesses casos, opera produzindo questões e interpretações que propiciem a construção de uma trama simbólica mais ampla, visando a uma solução sintomática que possa acolher o fora de sentido e prescindir da ordem persuasiva do coaching.