O Cartel e a Escola

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Maria Wilma Faria[1]

Os cartéis são algo vivo, que ressoam em nossa Escola. Lacan, referindo-se a eles, utiliza o significante turbilhão, que comporta um vazio em seu centro, em torno do qual algo agita e causa. Os cartéis devem interrogar a Escola, pois trazem em si a tentativa de furar a lógica vertical dos grupos, provocando ação. O cartel pode marcar um antes e um depois na vida do cartelizante. Entra-se com a divisão, uma pergunta; o vazio empurra o sujeito em direção ao trabalho, não sem o seu traço próprio, condição para haver um trabalho que produza algum saber [2].

Uma formação se sustenta na análise pessoal, na supervisão e no ensino. O cartel, como uma das portas de entrada, é vetor da experiência de Escola. Marie-Helène Brousse diz: fazer cartel é questão de formação[3]. Formação implica na singular relação de cada um com a causa analítica, e no modo como se inscreve na Escola de orientação lacaniana, imprimindo as marcas do percurso. Assim, temos no cartel um modo de fazer laço social entre os analistas, mas cada um com seu sintoma, sua solidão.

A transferência de trabalho é o motor de funcionamento do Cartel, que permite nesse pequeno número, 4+1, haver um laço, pelo fato de cada um portar seu nome[4]. Se existe um Real em jogo na formação do psicanalista, o cartel poderia ser uma das modalidades de trata-lo. No cartel há a transferência com o texto, entre seus membros, com o Mais-Um, e com a Escola na qual se inscreve.

O que se joga no cartel? Como no jogo de xadrez proposto por Freud, temos no início as diretrizes e princípios que definem um cartel, mas o durante, as inúmeras possibilidades de funcionamento, não sabemos como se darão. No horizonte, a dissolução aponta que há um tempo para que algo decante, não sem uma certa pressão, um produto individualizado precisa ser produzido. O produto de cada um pode ser entendido como um pedaço de real que cai, uma vez que estar em cartel é colocar em jogo o próprio corpo.


 

[1] Analista praticante, membro da EBP e da AMP, Diretora de Cartéis da EBP-MG 2019-2021
[2] Miller, J-A. Cinco variações sobre o tema da elaboração provocada. Manual de Cartéis. EBP-MG. Scriptum.
[3] Brousse, M.-H. Sobre o cartel fulgurante. Manual de Cartéis. EBP-MG e Scriptum. p.60
[4]   Lacan, J. Atas de encerramento das Jornadas de Cartéis. Disponível em: http://pharmakondigital.com/encerramento-das-jornadas-de-estudos-de-carteis-da-escola-freudiana/