O estilo que faz Escola Késia Ramos (EBP/AMP) Esses tais artefatos que diriam minhas angústias,…
Uma abertura
Cassandra Dias
Fundo – tão sozinho quanto sempre estive em minha relação com a causa psicanalítica – a Escola Francesa de Psicanálise… que, no campo aberto por Freud restaure a sega cortante de sua verdade; que reconduza a práxis original que ele instituiu sob o nome de psicanálise ao dever que lhe compete em nosso mundo; que, por uma crítica assídua, denuncie os desvios e concessões que amortecem seu progresso, degradando seu emprego. Este objetivo de trabalho é indissociável de uma formação a ser dispensada nesse movimento de reconquista. [1]
Essas palavras de Lacan pronunciadas em 21 de junho de 1964 e conhecidas no Ato de Fundação da Escola Francesa de Psicanálise, logo após ter sido excomungado da Associação Psicanalítica Internacional – IPA, continuam ecoando entre nós.
Naquele momento, Lacan fundava a sua Escola como experiência absolutamente inédita para o coletivo de psicanalistas, rompendo com o modelo standard que definia “o que é o psicanalista”. Muito pelo contrário, mantém interrogado de forma permanente o que faria de alguém um psicanalista, trazendo essa pergunta para o âmago da sua Escola.
Essa questão funciona como causa de um desejo que mobiliza um funcionamento institucional voltado para o que Lacan nos aponta em seu Ato de fundação: o dever da Psicanálise no mundo, a restauração da verdade freudiana submetida sucessivamente a desvios, e um percurso de formação oferecido àqueles que se dirigem à Escola.
“Lacan foi o fundador de uma Escola em ruptura com a tradição, mas também certamente sem ortodoxia, sem ortopraxia e sem Nome-do-Pai, uma vez que Lacan não quis nem mesmo ser… o pai do seu próprio ensino. É o sentido do seu: Eu sou freudiano”.[2] Diz-nos Jacques-Alain Miller, a quem o próprio Lacan afirmou: “Aquele que me interroga sabe também me ler.”[3]
Após a morte de Lacan, coube a Miller a tarefa de conduzir esse organismo chamado Associação Mundial de Psicanálise, com suas sete Escolas, e velar pela transmissão do que é transmitido em seu nome.
A tríade constituída por Freud, Lacan e Miller nos dá a medida de o quanto para cada um deles a causa analítica foi e é uma decisão. A solidão a que Lacan se refere no seu Ato de Fundação revela que é dessa posição de solitário, sujeito dividido e, portanto, desejante, que alguém pode endereçar sua transferência a uma causa. Em busca das pistas, da trilha que o oriente a exercitar a dessubjetivação e colocar no centro de sua escuta, algo da vacuidade, “esse estado zen de disponibilidade ao inesperado e o espírito de oportunidade”.[4]
O Ato de Fundação nos interpela a continuar interrogando o desejo por essa causa. A fundação da Escola precisa se dar em cada um, para cada um, a cada vez. A Escola não está pronta nem completa, está sempre em via de fazer-se enquanto experiência.
Essa é a razão de estarmos aqui hoje, em Uma abertura, fundando e refundando o desejo de Escola. Colocando um a um, nosso grão de sal. Abrindo portas para acolher e também recolher aquilo que cai, os restos da civilização, os dejetos. Pois, o que salva os psicanalistas “é ter tido êxito em fazer de sua posição de dejeto o princípio de um novo discurso”.[5] Para que a base de operações frente ao mal estar na civilização que é a Escola continue fazendo sentido para aqueles que exercem essa prática.
Promover essa abertura contando, ao mesmo tempo, com a presença em ato da Presidente do Conselho da Escola Brasileira de Psicanálise – Maria do Carmo Dias Batista – e da Diretora Geral – Patrícia Badari – também tem o caráter de abrir o percurso de trabalho em direção ao XXV EBCF, cujo tema Os corpos aprisionados pelo discurso… e seus restos já nos convoca.
Às duas, um agradecimento especial em nome da Seção Nordeste pela disponibilidade e generosidade com que elas – à frente das instâncias da EBP – se dispuseram a abrir, decididamente, o nosso ano de trabalho.