Késia Ramos (EBP/AMP) Nesta edição do Litorâneo #17, a construção da editoração imagética nos…
Ressonâncias
José Ronaldo de Paulo (NPJ)
Gostaria de agradecer à Diretoria e à Cleide Pereira (EBP/AMP), Diretora de Biblioteca, pelo convite para compor este número do Boletim Litorâneo. Três momentos na IV Jornada da EBP Seção Nordeste, Respostas do Real – Contingências na Clínica, tiveram em mim ressonâncias e efeitos de formação. O primeiro foi o relato apresentado pela convidada da Bahia, Sônia Vicente (AME da EBP/AMP), no qual o real é surpreendido. Nesse caso, ela transmitiu, de maneira vívida, as invenções surgidas de um saber-fazer com o impossível, a contingência e a elegância da prática clínica. Um material profundo e desafiador, como Sônia destacou, ainda em work in progress, mas extremamente ensinante pela marca de sua singularidade, em que o desejo do analista presente busca, de forma eficaz, a diferença absoluta. Escutei-o como algo novo, que nunca havia encontrado antes, portanto, surpreendente. Se, conforme nos lembra Éric Laurent, “o caso é uma poética que ultrapassa o analista e o analisante”[1], eu acrescentaria, em consequência disso, que essa ultrapassagem repercute na reação de quem o escuta.
Um segundo momento, foi o caso clínico que apresentei. Inicialmente transmitido no Núcleo de Pesquisa sobre o Feminino pelo Instituto de Psicanálise do Nordeste (IPSIN) e sob supervisão que permitiu uma escrita mais fluida. Segundo Silvia Baudini:
A supervisão pode possibilitar uma súbita iluminação que não é da ordem da verdade religiosa, uma escansão temporal do instante de ver e a produção de efeitos de formação. O efeito de formação e a prática da supervisão, como modo de combater os resíduos da fantasia e o afã religioso, permitem reduzir um excesso, incluindo o êxtimo que libera o sinthoma, ou seja, refaz o modo de amarração dos três registros RSI[2].
Lançar esse trabalho supervisionado na IV Jornada foi mais uma torção ao pincelar elementos novos. As perguntas dirigidas ao analista sobre o caso tiveram importantes pontos candentes na condução a posteriori, fazendo com que avanços significativos fossem notados na articulação do sujeito em um novo dizer, fora de uma posição de gozo mortífero, mais enraizado no sujeito. No quesito do conteúdo apresentado, foi uma surpresa ao encontrar as referência da Escola Una na mesa Parceria amorosas e devastação coordenada pela Lourdes Aragão, que tiveram pontos e referências em comum com o caso que apresentei e onde obtivemos uma importante troca também nos bastidores.
Um terceiro momento foi a conversação entre Ricardo Seldes (AME da EOL/AMP) e Romildo do Rêgo Barros (AME da EBP/AMP), onde ficou mais evidente a especificidade da clínica lacaniana, que é a orientação pelo real. Como disse Lacan, no real não há classes, apenas peças soltas e esparsas. A afinidade da conversa entre os dois foi leve, divertida, e me fez sair da Jornada de maneira mais desembaraçada de alguns enigmas. Algo se soltou como um grande desafio a invenções.
[1] REINOSO, Alejandro. A transferência na construção do caso. Revista Varidade, n. 3, dez. 2023. Disponível em: https://www.varidade.com.br/index.php/a-transferencia-na-construcao-do-caso. Acesso em: 26 jan. 2025.
[2] BALDINI, Silvia. Dois momentos de supervisão. Opção Lacaniana, n. 8, [s.d.]. Disponível em: http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_8/Dois_momentos.pdf. Acesso em: 26 jan. 2025.
Nelson Matheus Silva (NPJ)
Em sua conferência Lugar, origem e fim do meu ensino[1], em Lyon, Lacan enfatizou que é o lugar o que está no princípio, e não a origem. A origem, ao que me parece, esboçaria uma lógica de progresso continuado, remetida a um ponto zero, a um big-bang, a uma hereditariedade assegurada numa lógica linear, a um curriculum. O lugar, por sua vez, é um recorte, como um acidente, uma precipitação, é o que atravessa a lógica da origem. É um princípio de inspiração nietzschiana, em que o lugar, quantas vezes ele for demarcado, inaugura um começo.
Impossível não dizer que houve algo dessa experiência na IV Jornada da Seção Nordeste, ocorrida em João Pessoa. Mais além da oferta de um lugar, cuja importância desse ato quero ressaltar, o que como participante da Nova Política da Juventude da Escola Brasileira de Psicanálise enfatiza a convocatória ao trabalho de Escola, esse lugar recorta uma linha de continuidade e inaugura o novo em minha formação. Um lugar que inaugura um começo, après-coup. Há algo que inspira a renovação aqui, e que é preciso insistir; renovar para seguir: dar a palavra, expressão comum em nossa língua portuguesa, realça o que quero frisar; foi uma Jornada que deu a palavra, especial aos mais jovens, que a fez circular e se vivificar.
Foram dias de sol nessa Paraíba que recebe e que abraça quem chega! A Seção Nordeste de nossa Escola não seria a mesma sem o enlace com essa terra, e não o é. A solidão em relação à causa, este Real em torno do qual nos reunimos como Escola, não deixa de fora a relação do sujeito com um Ideal, o que nos permite fazer dessa Escola uma comunidade. Deste modo, se cada um está só na relação com aquilo que de uma causa o move e o atravessa, não é sozinho jamais que se colocará essa causa em cena e lançada ao futuro, lugar dela; enquanto que o nosso é no presente.
[1] LACAN, J. Lugar, origem e fim do meu ensino. In: Meu Ensino. Rio de Janeiro: Zahar, 2006, p. 12.
Marina Fragoso (NPJ)
Afinal, quais ressonâncias ficam da nossa Jornada? Uma vez que como pontua Lacan o interessante desses encontros é que produzam consequências. As jornadas têm uma função fundamental para a formação, a qual se oferta uma oportunidade de dar algum contorno à solidão da clínica. Mas qual seria a função da escola no contorno dessa solidão? Sobre isso, Tarrab pontua: “…o paradoxo da formação analítica é que a mesma se dá em múltiplos laços, nessa imersão na Escola e em outros laços transferenciais, o paradoxo é que cada um fica entregue a sua própria solidão”[1]. A meu ver, a jornada é um saber-fazer com esse impasse, é o momento de dar materialidade ao trabalho clínico, exercício que possibilita que se possa retirar consequências de sua própria prática a partir de uma posição analisante.
Dando provas que a função de um analista não se dá sem a possibilidade de permutação com os pares, diria também que não se dá sem a troca com os ímpares. Como pontua Miller: “Uma sociedade de psicanálise está estabelecida na crença, no axioma, de que se sabe o que é um analista. Que ninguém entre aqui se não for analista! A Escola se estabelece por um dado completamente contrário: que isso não se sabe, mas que se pode apreender isso, caso por caso”[2]. Nesse sentido seguimos a orientação de Miller, na qual a pergunta: “o que é ser um analista?” pode se colocar em aberto e a trabalho.
A IV Jornada da Seção Nordeste foi uma jornada viva que nos permitiu testemunhar os efeitos da instituição e da sua imersão no vibrar dos corpos, experimentados desde a riqueza das Jornadas Clínicas, que foram celebradas vivamente com o coco de roda que deu destino às vibrações analíticas produzidas durante o dia de trabalho, até as plenárias que trouxeram uma caracterização inédita, composta por membros de outras seções da EBP, participantes da Nova Política da Juventude, Membros da Seção Nordeste e Membros da EOL, que nos permitiu recolher um produto de uma jornada de trabalho a partir do múltiplo que compõe a Escola una. Para finalizar, comemoramos o produto de uma longa jornada de trabalho analítico, movimentando o corpo no compasso da dança da festa REALce.
Os convidados puderam compor uma parte importante desse encontro, uma vez que pudemos ouvir algo da língua materna mas também se aventurar pela língua do outro, algo que na prática clínica é imprescindível. Nesse sentido, em meio aos desafios da língua do Outro, fomos orientados por uma língua em comum: a causa analítica. Uma causa em comum e que move as comissões que estão por trás de cada jornada: que a psicanálise continue sendo causa de desejo, e que sua transmissão possa se dar nesse encontro anual que dá cor aos esboços e linhas de trabalho delineadas durante o ano. Por fim, diria que a melhor ressonância da nossa jornada foi o gostinho de quero mais. Ufa! Ainda bem!
[1] TARRAB; Mauricio. El decir y lo real: hacer escuchar lo que está escrito. Buenos Aires: Grama Ediciones, 2023. p. 50.
[2] MILLER; Jacques-Alain. El nascimento del campo freudiano. Buenos Aires: Paidós, 2023. p.124.